AS USINAS HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA EM RONDÔNIA

UHE Santo Antônio

O rio Madeira é um dos principais afluentes do rio Amazonas, com uma extensão total de 3.315 km, o que o coloca na lista dos maiores rios do mundo. O rio Beni é o mais extenso formador do rio Madeira, com nascentes no alto da Cordilheira do Andes na Bolívia. Depois de atravessar um longo trecho do país vizinho, o rio Beni se encontra com os rios Mamoré e Guaporé, formando o rio Madeira na divisa do Brasil e da Bolívia.

O trecho inicial do rio Madeira, que tem 320 km entre a cidade de Guajará-Mirim e Porto Velho, apresenta inúmeros afloramentos rochosos, fortes corredeiras e quedas d’água, o que sempre foi um obstáculo para a navegação. Nesse trecho, o rio Madeira apresenta um desnível com cerca de 60 metros, com uma vazão média de 20 mil m³/s, características ideais para a instalação de grandes empreendimentos hidrelétricos.  O trecho navegável do rio Madeira começa na cidade de Porto Velho e vai até a foz no rio Amazonas, numa extensão total de 1.086 km.

A dificuldade de navegação nesse trecho inicial do rio Madeira foi a principal responsável pela construção da famosa Ferrovia Madeira-Mamoré, um evento que marcou a história do Brasil e que é fundamental para se entender a história dos atuais Estados de Rondônia e do Acre, que nasceram e foram povoados durante o chamado Ciclo da Borracha a partir de meados do século XIX. Esse tema foi tratado longamente em postagens de uma série anterior.

A intenção de se aproveitar o potencial energético do rio Madeira remonta às décadas de 1960 e 1970, quando o Governo Federal implementou um audacioso plano para a construção de grandes empreendimentos hidrelétricos. Estudos mais detalhados para a implantação desses empreendimentos no rio Madeira, porém, só passaram a ser discutidos de forma mais concreta entre 1997 e 1998, quando foi criado o Plano Úmidas, dentro do chamado Projeto Planafloro. Esse Projeto continha uma série de propostas para o desenvolvimento sustentável do Estado de Rondônia até 2020. Entre essas propostas, foi apresentado um plano de transformar Rondônia em um “exportador” de energia elétrica para as Regiões do Centro-Sul do Brasil.

Além de estudos sobre a viabilidade de usinas hidrelétricas no rio Madeira, o Projeto previa a utilização do gás natural produzido nos campos de exploração de Urucu, no Estado do Amazonas, para gerar energia elétrica em usinas térmicas a gás (projeto que depende da construção do Gasoduto Urucu-Porto Velho), a retomada dos estudos para a implantação de diversas usinas hidrelétricas no rio Ji-Paraná e também de 64 pequenas usinas hidrelétricas em diversos rios do Estado de Rondônia, incluindo-se aqui a Usina Hidrelétrica de Samuel, tratada na postagem anterior. Com a farta disponibilidade de energia elétrica, o Governo local também esperava atrair um grande número de indústrias para o Estado.

Os estudos técnicos avaliaram o potencial das Cachoeiras de Teotônio e de Santo Antônio, localizadas bem próximas da cidade de Porto Velho, e também de um trecho do rio Madeira localizado a cerca de 120 km de Porto Velho. Foram avaliados os potenciais e os impactos para a instalação de empreendimentos de diversos portes, com potência instalada entre 1.000 e 8.000 MW. Alguns dos projetos de grande porte avaliados, inclusive, necessitariam de grandes reservatórios que incluiriam a inundação de áreas na Bolívia, enquanto que projetos menores só inundariam áreas dentro do Brasil.

Depois de todos esses estudos, foi tomada a decisão de se construir as Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e de Jirau, que passaram a ser conhecidas como Complexo do Rio Madeira. O colapso na geração de energia elétrica vivido pelo país em 2001, que ficou conhecido como o Apagão do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, acelerou a decisão para o início da construção dessas usinas hidrelétricas.

A Usina Hidrelétrica Santo Antônio (vide foto) está localizada a cerca de 25 km de Porto Velho e possui uma capacidade total instalada de 3.568 MW. Devido as grandes variações nas vazões do rio Madeira, que vão de 4 mil m³/s no auge do período seco até 40 mil m³/s durante o período das chuvas, a potência assegurada da Hidrelétrica é de 2.424 MW. O empreendimento possui 50 grupos geradores e ocupa a quarta posição entre as maiores Hidrelétricas em operação no Brasil. O reservatório da Hidrelétrica ocupa uma área máxima de 422 km², que é praticamente a área ocupa pelo rio Madeira no pico do período das cheias

A Usina Hidrelétrica de Jirau tem uma potência instalada máxima de 3.750 MW e uma potência assegurada de 2.184 MW. A Hidrelétrica também possui 50 grupos geradores e seu reservatório ocupa uma área máxima de pouco mais de 360 km². O empreendimento começou a operar comercialmente em 2013 e foi totalmente concluído em 2016. No caso da Usina Hidrelétrica Santo Antônio, a operação comercial foi iniciada em 2012 e a conclusão total das obras também se deu em 2016. Além de sua grande importância na geração de energia elétrica, as barragens do Complexo do rio Madeira também criaram a possibilidade de navegação hidroviária no antigo trecho de corredeiras do rio. Esse trecho tem um potencial para escoar cerca de 50 milhões de toneladas de grãos, principalmente soja, produzidas em regiões de Rondônia e de Mato Grosso, via rio Guaporé, e de regiões da Bolívia, através do rio Beni. Essas cargas seguirão para portos nos Estados do Amazonas e do Pará, através das hidrovias dos rios Madeira e Solimões/Amazonas, já em operação.

Como sempre acontece, a implantação desses empreendimentos de grande porte no rio Madeira causou uma infinidade de impactos ambientais e, principalmente, sociais em uma extensa área do Estado de Rondônia, em especial no município de Porto Velho com sua área de mais de 31 mil km² (maior que o Estado de Alagoas). Eu morei na cidade de Porto Velho entre os anos de 2009 e 2010, pico das obras nessas Usinas, e senti na pele alguns desses impactos. O intenso fluxo de pessoas que seguiu para Rondônia em busca de trabalho nas obras (além das Usinas Hidrelétricas, estavam em andamento outras obras como rede de abastecimento de água, sistemas de esgotos e construção de viadutos), o que gerou um brusco aumento na demanda por produtos de consumo, combustíveis, moradias, locação de veículos e hotéis, levando os preços de tudo para as “alturas”. Um exemplo que sempre cito era o custo do aluguel do meu apartamento na cidade – antes da chegada das obras, o preço médio do aluguel de um imóvel similar era R$ 400,00; quando a empresa em que eu trabalhava fez a locação, esse preço subiu para R$ 1.200,00.

Um dos dramas sociais mais impressionantes que acompanhei na cidade foi a desapropriação de milhares de famílias de ribeirinhos, que viviam nas margens do rio Madeira há várias gerações. Muitas dessas famílias tinham suas origens na Região Nordeste, principalmente no Estado do Ceará, e começaram a se instalar na região nas últimas décadas do século XIX, no período conhecido como Ciclo da Borracha. Um dos capítulos mais tristes desse processo foi a luta dessas famílias para a transferência dos restos mortais de seus familiares dos chamados “campos santos”, pequenos cemitérios das vilas, para locais longe das áreas que seriam alagadas. Essa transferência não havia sido prevista nas planilhas de custos das empreiteiras que “tocavam” as obras e foi necessária a intervenção do Ministério Público do Estado de Rondônia, que obrigou as empresas a fazerem um levantamento arqueológico completo desses locais e a transferência dos restos mortais desses antigos ribeirinhos.

Um outro dado que exemplifica o impacto social das obras foi visto no Distrito de Jaci Paraná, localizado a cerca de 60 km de Porto Velho. A pacata localidade, que tinha uma população de pouco mais de 13 mil habitantes em 2010, subitamente passou a abrigar uma grande população de prostitutas, vindas de todos os confins do país, atraídas pelas “oportunidades de trabalho” criadas por uma concentração de dezenas de milhares de operários. Lembro de uma reportagem da imprensa local que falava de até 4 mil “profissionais do sexo” vivendo no Distrito (é bem provável que esse número tenha sido aumentado pelo jornal). Entre as visitas desses operários aos bordéis e as intensas bebedeiras que se seguiam numa infinidade de pequenos bares, ocorriam inúmeras brigas e confusões, com algumas terminando com mortos e feridos – a antiga tranquilidade do lugar virou coisa do passado.

Como se nota, os impactos criados por esses grandes empreendimentos são bem maiores e mais complexos do que supõe o senso comum.

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