No último dia 19 de janeiro, o litoral Sul do Estado de São Paulo foi castigado por uma fortíssima tempestade, com volumes de chuvas equivalentes aos padrões da Amazônia. Nesse dia eu estava na casa da minha irmã em Peruíbe, a cidade mais afetada pelas fortes chuvas. De acordo com informações da Defesa Civil do Estado de São Paulo, o volume de chuvas acumulado na cidade foi de 255 mm. A última vez que testemunhei uma chuva com tal intensidade foi em 2010, quando eu trabalhava em Rondônia – foram 246 mm de chuva em pouco mais de uma hora.
A imagem que ilustra essa postagem mostra o tamanho dos estragos deixados pela chuva na cidade – a foto mostra o que sobrou da avenida litorânea. Um detalhe que chama a atenção são as tubulações na cor laranja, que faziam parte da rede de esgotos. Ao que tudo indica, as tubulações “explodiram” por causa do excesso de pressão provocado pelas águas pluviais. De acordo com as normas técnicas, águas pluviais (de chuva) não podem ser lançadas nas tubulações de esgoto, porém, é muito comum os usuários fazerem isso – em um dia de chuva forte, o resultado pode ser exatamente essa destruição que vimos.
Notícias de chuvas com esse padrão “Amazônico” estão ocupando as manchetes dos jornais e telejornais nesse verão com uma frequência acima da média. Nessa última quinta-feira, dia 28, a Região Metropolitana de Florianópolis, Santa Catarina, foi castigada por uma chuva fortíssima. Só no município de Alfredo Wagner, 14 pontes foram destruídas pelas fortes enxurradas e cerca de 2,5 mil pessoas ficaram ilhadas. Foram cerca de 150 mm de chuva em menos de uma hora.
No mesmo dia 28, uma fortíssima tempestade assolou a cidade de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Em apena uma hora, choveu cerca de 100 mm, valor equivalente a 2/3 de toda a chuva que estava prevista para o mês de janeiro. A forte enxurrada alagou ruas, arrastou carros e danificou, pelo menos, uma casa. Segundo o relato de moradores, essa foi a chuva mais forte que já atingiu a cidade.
Em 20 de dezembro, uma outra fortíssima tempestade já havia se abatido em regiões do Vale do rio Itajaí em Santa Catarina, causando grandes estragos em pelo menos 11 cidades dessa região. As mais fortemente atingidas foram Presidente Getúlio e Rio do Sul, onde 11 pessoas morreram em função, principalmente, do desmoronamento de encostas de morros. Mais de 370 casas foram destruídas e cerca de 1,6 mil pessoas ficaram desabrigadas.
Na Região Metropolitana de São Paulo, as fortes tempestades de verão e suas inseparáveis enchentes tem marcado a vida da população como sempre. Aqui, o que tem chamado a atenção dos meteorologistas é o aumento da incidência de raios durante as chuvas. Na cidade de São Paulo, citando um exemplo, a incidência média de raios ao longo do mês de janeiro é de 3.800. Até o último dia 25 de janeiro, o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, já havia registrado 6.800 quedas de raio na cidade.
De acordo com informações do INPE, esse aumento expressivo do número de raios, que tem se repetido em todo o Estado de São Paulo, é uma consequência do fenômeno climático La Niña, que está se manifestando com bastante intensidade nesse verão. Esse fenômeno é caracterizado pelo resfriamento de uma grande área do Oceano Pacífico, o que produz alterações na atmosfera e nos padrões climáticos de todo o mundo. As fortes chuvas que estamos assistindo em muitas regiões do país são consequência de La Niña.
A OMM – Organização Meteorológica Mundial, já havia previsto que a incidência do fenômeno La Niña seria de moderado a forte no período 2020/2021. As projeções feitas pela instituição indicam que há uma probabilidade de 90% de as temperaturas das águas dessa região do Oceano Pacífico permaneceram mais frias até o final do primeiro trimestre desse ano. Enquanto essas condições não se alterarem, La Niña continuará causando seus estragos.
Quando o fenômeno La Niña é observado no Oceano Pacífico, as águas superficiais de uma extensa região apresentam uma redução média entre 2 e 3° C na sua temperatura. Nesses anos de ocorrência de La Niña, costuma se observar, entre os meses de dezembro e fevereiro, um aumento das chuvas na região Nordeste e temperaturas abaixo do normal na região Sudeste. O fenômeno também provoca um aumento do frio na costa Oeste dos Estados Unidos e no Japão, além de aumento das chuvas na costa Oeste da Ásia.
Entre os meses de junho e agosto, a presença de La Niña costuma produzir um inverno mais seco nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Também pode interferir na temperatura da costa Oeste da América do Sul, reduzindo as temperaturas. Na região do Caribe, La Niña provoca uma redução na temperatura e um aumento das chuvas. No Leste da Austrália e no Leste da Ásia se observa um aumento das temperaturas.
A ocorrência do fenômeno La Niña varia muito. Sua frequência ocorre em intervalos de 2 a 7 anos, com uma duração de 9 a 12 meses – em alguns casos, pode ter uma duração de até 2 anos. O El Niño, um outro fenômeno climático provocado por um aumento da temperatura no Oceano Pacíifico, têm uma frequência tão irregular quanto a da La Niña, ocorrendo também em intervalos de 2 a 7 anos, porém, com uma duração de 10 a 18 meses.
Os efeitos desses dois fenômenos são sentidos pelas populações há vários séculos, porém, a observação científica só teve início no final da década de 1870, quando se passaram a fazer medições sistemáticas da temperatura das águas do Oceano Pacífico. Os grandes avanços na observação e no entendimento dos fenômenos ocorreram nos últimos cinquenta anos, quando uma série de satélite de observação meteorológica começaram a ser colocados na órbita da Terra.
Também merecem destaque os trabalhos para a instalação de boias oceanográficas e meteorológicas nas águas do Oceano Pacífico, feitos principalmente pela NOAA – Administração Atmosférica e Oceânica dos Estados Unidos, na sigla em inglês. O uso cada vez maior de supercomputadores com grande capacidade para o processamento de uma infinidade de dados e medições climáticas de todo o mundo também tem sido fundamental para a modelagem e entendimento dos complexos padrões climáticos.
Apesar dos enormes avanços já alcançados pelos meteorologistas no entendimento do El Niño e de La Niña, ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas. Uma delas é entender exatamente quais são as consequências desses fenômenos climáticos e quais são os efeitos das mudanças climáticas globais. Como todos sabem, a poluição atmosférica provocada pelos gases de efeito estufa e os grandes desmatamentos em todo o mundo têm provocado alterações visíveis no clima do planeta.
Faltam informações para se entender exatamente qual é o tamanho dessas alterações e qual a sua relação com Los Chicos Malos (As Crianças Malvadas), apelido que eu dou para o El Niño e La Ninã, nomes que em castelhano significam, respectivamente, o menino e a menina.
Nesses últimos tempos de intensa demagogia, a propagada destruição da Floresta Amazônica tem sido usada por muitos líderes mundiais para jogar toda a culpa das mudanças climáticas nas costas dos brasileiros. Segundo essa narrativa, as queimadas na Amazônia para a abertura de campos para o cultivo de soja e criação de gado são as principais responsáveis por tudo de mal que vem ocorrendo com o clima do mundo.
Nenhum desses líderes e seus “ambientalistas de estimação” (observem que fiz a citação entre aspas para não generalizar – existe muita gente séria trabalhando nessa área por aí) parece se lembrar dos fabulosos volumes de carvão mineral que vêm sendo queimados desde os tempos do Império Romano, das centenas de milhões de veículos que circulam pelas ruas todos os dias, das grandes indústrias poluidoras e da destruição de grande parte das florestas tropicais ao redor do mundo.
Precisamos entender melhor o funcionamento da nossa “grande máquina planetária” e do seu intrincado clima antes de sairmos falando besteiras pelos quatro cantos do mundo. Também é importante que as nossas cidades se preparem melhor para os períodos de fortes chuvas – com ou sem mudanças climáticas, basta uma chuva mais forte para muitas cidades entrarem em colapso. Entra verão, sai verão e as coisas não mudam!
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[…] das águas superficiais de uma extensa faixa do Oceano Pacífico. Conforme já comentamos em postagens anteriores, isso indica a ocorrência do fenômeno climático La Ninã. Segundo as projeções da NOAA, […]
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[…] últimas postagens falamos da ocorrência do fenômeno climático La Niña e dos problemas de falta de […]
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[…] de fevereiro, uma grande parte da orla da cidade já havia sofrido grandes estragos por causa de fortes chuvas e do mar agitado – muito do que foi reconstruído há época voltou a ser destruído […]
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