
Segundo definição dos dicionários, transposição é o ato ou efeito de transpor, de transferir de um local para outro. Falando especificamente da área de recursos hídricos, sistemas de transposição são aqueles que permitem a transferência e/ou o transporte de águas de uma bacia hidrográfica para outra.
Uma bacia hidrográfica se forma em função do relevo de uma determinada região. Por força da gravidade, as águas das chuvas, de uma nascente ou de um rio sempre vão correr na direção do ponto mais baixo de um território, o que, normalmente, é o nível do mar. Grandes rios como o Amazonas, Mississipi, Nilo e Yangtzé, correm milhares de quilômetros e enfrentam todos os tipos de obstáculos no seu caminho até desaguar nos oceanos.
Em alguns poucos casos, quando falamos das bacias hidrográficas endorreicas, ou seja, que estão localizadas abaixo do nível do mar ou em áreas completamente fechadas, a água vai se perder por evaporação. Um grande exemplo desse tipo de situação é o Mar Morto, localizado entre Israel e a Jordânia.
No caso do rio São Francisco, conforme apresentamos resumidamente na postagem anterior, sua bacia hidrográfica se formou ao redor de grandes relevos como a Serra ou Cordilheira do Espinhaço, a Serra Geral de Goiás, a Serra da Tabatinga e a Chapada do Araripe.
As nascentes mais distantes do rio ficam na Serra da Canastra, no Oeste de Minas Gerais e seguem na direção Norte até atingir a região fronteiriça entre a Bahia e Pernambuco. Por força do relevo, essas águas foram gradativamente abrindo caminho rumo a direção Leste até atingir o Oceano Atlântico na divisa entre Alagoas e Sergipe.
No projeto do PISF – Programa de Integração do rio São Francisco, uma das primeiras preocupações dos engenheiros e técnicos foi a de criar estações de bombeamento que permitissem vencer os desníveis do terreno, levando assim as águas na direção dos terrenos mais altos no Semiárido dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
O projeto é dividido em dois grandes Eixos – o Leste, com uma extensão de 220 km, e o Norte, com uma extensão de 260 km. A vazão total de água prevista para o sistema é de 127 m3 por segundo, sendo de 28 m3 por segundo para o Eixo Leste e de 99 m3 por segundo para o Eixo Norte.
O Eixo Leste capta as águas do rio São Francisco em Floresta, município pernambucano as margens da Represa de Itaparica, reservatório de águas que alimenta a Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga. Essa Usina fica localizada próxima da cidade de Petrolândia, em Pernambuco, na divisa com o Estado da Bahia. As águas transportadas por esse Eixo, que foi inaugurado em 2017, abastecem a bacia hidrográfica do rio Ipojuca, no agreste pernambucano, além da bacia hidrográfica do rio Paraíba, no Estado da Paraíba.
Esse Eixo conta com um total de seis estações de bombeamento. Essas estações formam uma espécie de “escada”, onde cada unidade é responsável por bombear ou elevar as águas de um degrau para o outro, ou seja, são essas estações de bombeamento que permitem vencer os desníveis do terreno, elevando as águas a altitudes cada vez maiores.
Em cada um dos diferentes níveis dos terrenos são formadas represas ou açudes, que acumulam as águas bombeadas vindas dos níveis mais baixos. A partir dessas unidades de armazenamento, as águas correm por força da gravidade através de canais, túneis e aquedutos até atingir uma nova barreira no relevo. Uma outra estação de bombeamento entra em ação, lançando as águas em uma altitude maior e assim sucessivamente.
No Eixo Norte, que teve o último trecho inaugurado oficialmente há poucos dias atrás, existem 3 estações de bombeamento, 15 reservatórios, 8 aquedutos e 3 túneis. Esse Eixo permite o transporte das águas do rio São Francisco primeiro na direção do Ceará através do sertão de Pernambuco e, depois, para a Paraíba e o Rio Grande do Norte.
Um exemplo da importância das águas da transposição pode ser visto nas proximidades da cidade de Juazeiro do Norte, famosa em todo Brasil pela figura do Padre Cícero. O Eixo Norte possui uma derivação na região que lança águas na calha do rio Jaguaribe, considerado o maior rio temporário ou intermitente do Brasil. Seguindo a calha desse rio, as águas da transposição vão abastecer o Açude Castanhão, o maior reservatório de abastecimento de água do Nordeste e principal manancial da Região Metropolitana de Fortaleza.
Além desses dois Eixos principais, o PISF vai contar com uma série de canais e ramais auxiliares que farão o transporte das águas para uma infinidade de cidades e vilas por toda a Região do Semiárido Meridional. Aqui destacam-se o Ramal do Agreste, o Ramal do Apodi e o Ramal do Salgado.
O Ramal do Agreste, que foi inaugurado em 2021, possui cerca de 70 km de extensão e permite o transporte das águas da transposição entre os municípios de Sertânia e Arcoverde, no Agreste Pernambucano. Esse ramal permite uma vazão de 8 m3 por segundo, atendendo 68 municípios e um total de 2 milhões de habitantes.
O Ramal do Apodi, que já se encontra com obras em andamento, permitirá o transporte das águas da transposição para 54 municípios, sendo 9 no Ceará, 13 na Paraíba e 32 no Rio Grande do Norte, beneficiando cerca de 750 mil pessoas.
O terceiro desses canais é o Ramal do Salgado, obra que será licitada nos próximos meses. Esse ramal permitirá o transporte das águas da transposição para 54 cidades do Ceará, atendendo uma população de 4,7 milhões de pessoas.
Segundo informações do MDR – Ministério do Desenvolvimento Regional, o Projeto de Integração do rio São Francisco vai atender um total de 12 milhões de pessoas em 390 municípios dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Quando todas as obras complementares estiverem concluídas, o sistema contará com cerca de 3 mil km de canais. Os investimentos até o momento somam cerca de R$ 14 bilhões.
Conforme já comentamos em postagens anteriores, o PISF não resolverá todos os problemas de falta de água da Região do Semiárido Meridional, porém, vai garantir a segurança hídrica de muita gente. Precisarão ser feitas obras complementares como a perfuração de poços, a instalação de unidades para a dessalinização de água (existem diversos aquíferos com águas salobras na região), implementação de sistemas para o reuso de águas servidas para fins agrícolas (a exemplo do que acontece em Israel), além da construção de grandes usinas de dessalinização de águas marinhas.
O tamanho do desafio para o abastecimento de água no Semiárido Nordestino é enorme. A conclusão das obras dos Eixos Leste e Norte do Programa de Integração do rio São Francisco foi apenas um grande passo nessa direção – muita coisa ainda precisará ser feita nos próximos anos.