Numa sequência de postagens anteriores, falamos da Bacia Hidrográfica dos rios Tocantins e Araguaia e da exploração de todo o seu potencial para geração de energia hidrelétrica. O rio Tocantins já possui um total de 7 empreendimentos hidrelétricos em sua calha e existem outros projetos em estudo – o rio Araguaia, por enquanto, ainda tem suas águas livres de barragens de usinas hidrelétricas.
Além de toda uma série de impactos ao meio ambiente, a construção de barragens causa o deslocamento de grandes contingentes populacionais e produz toda uma série de impactos ao meio social. A construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no baixo curso do rio Tocantins no Pará, é um exemplo desses impactos. Com a formação do lago da Hidrelétrica no início da década de 1980, que inundou uma área com aproximadamente 2.850 km², diversas comunidades tradicionais ribeirinhas foram desalojadas de forma compulsória, grande parte sem receber nenhuma indenização – apenas uma pequena ajuda de custo foi paga. Vamos falar um pouco dos impactos do empreendimento na vida destas pessoas.
O enchimento do lago da Usina Hidrelétrica de Tucuruí inundou áreas dos municípios de Tucuruí, Breu Branco, Novo Repartimento, Goianésia do Pará, Nova Ipixuna, Itupiranga, Jacundá e Marabá, entre outros. Além do impacto direto sobre áreas à montante, alteradas fortemente após a formação do reservatório, municípios a jusante da represa (correnteza abaixo) também sofreram impactos indiretos devido às alterações no regime das águas e na fauna aquática do rio Tocantins.
Em toda a Região da Floresta Amazônica, os rios sempre foram as estradas usadas pelas populações. Por essa razão, as margens dos rios de toda a grande bacia hidrográfica do rio Amazonas sempre foram densamente povoadas desde tempos Pré-Colombianos. Essas populações ribeirinhas sempre sobreviveram da pesca, do extrativismo de espécies como as castanhas e o açaí, da caça e da produção de pequenas culturas agrícolas como a mandioca e o milho. E no baixo curso do rio Tocantins, a situação não seria muito diferente e cerca de 32 mil pessoas que viviam na região tiveram de ser desalojadas para a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Aí estão incluídas as comunidades tradicionais de ribeirinhos e pescadores, grupos indígenas e também comunidades de quilombolas, estas últimas só reconhecidas recentemente.
Um detalhe importante a ser lembrado é que todas essas comunidades tradicionais ocupam os mesmos territórios a várias gerações, sem possuir nenhum tipo de documento oficial que comprove a posse da terra. E sem conseguir comprovar a posse da terra, fica bem difícil conseguir reivindicar qualquer tipo de compensação financeira em casos de desapropriação – o Estado brasileiro não tem qualquer obrigação legal (não falamos aqui das obrigações morais) de ressarcir pessoas que vem ocupando terras públicas de maneira ilegal, ou seja – por invasores de terras.
Numa época marcada pela grande repressão política e de forte intervenção estatal na economia, lembrando que no período da construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí o país vivia sob um Regime Militar de exceção, os interesses estratégicos do país eram colocados acima de qualquer pessoa, especialmente em se tratando de gente pobre dos confins da Floresta Amazônica e que, em tese, ocupavam áreas públicas.
Em todos os relatos que encontramos de pessoas e famílias desalojadas pela construção dessa usina hidrelétrica e de muitas outras espalhadas por todo o país, ouvimos relatos de promessas das melhorias que toda a região viveria após a construção dos empreendimentos, com a geração de muitos empregos e melhoria na qualidade de vida de todos. Quem oferecia qualquer resistência em abandonar suas terras ancestrais, acabava sofrendo ameaças e eram expulsos a força. Esse desligamento forçado de suas raízes históricas e culturais foi o início dos traumas vividos por essas populações.
Muitas dessas terras vinham sendo ocupadas pelas mesmas famílias a várias gerações – em muitos casos, as pequenas comunidades possuíam o que as populações Amazônicas chamam de “campos santos”, pequenos cemitérios onde seus ancestrais foram enterrados. Outra característica das margens de rios e matas da Floresta Amazônica são as encantarias – objetos e locais sagrados onde espíritos e seres mágicos da floresta vivem. São valores imateriais e muitas crenças espirituais herdadas dos antigos indígenas. Abandonar tudo isso é bastante difícil para todas essas pessoas.
Com a perda dos seus meios de sustento e de vida em seus antigos territórios, muitos dos desalojados passaram a conviver com o estresse, a depressão e, em muitos casos, com o alcoolismo e uso de drogas. As mulheres formam o grupo mais vulnerável a todos esses problemas, ficando, inclusive, sujeitas a abusos sexuais. Muitos desses desalojados abandonaram a vida rural e foram viver em áreas urbanas, onde passaram a conviver com problemas sociais da favelização (vide foto), violência urbana, prostituição, falta de saneamento básico, além de serviços de saúde e educação dos mais precários. Os quilombolas, além de encontrar toda essa gama de problemas, também passaram a enfrentar outros ligados ao racismo.
No caso das comunidades indígenas, que tem valores completamente diferentes dos chamados “brancos civilizados” (nem tão brancos e tão civilizados assim), essas questões são ainda mais complicadas. Um exemplo foram os impactos sofridos pela comunidade dos índios Asurini, que vivem nas Terras Indígenas Trocará e Pacajá, no Estado do Tocantins, e também na Terra Indígena Koatinemo, no Pará. Apesar de suas terras não terem sido alagadas, essas comunidades passaram a sofrer com os desequilíbrios ambientais criados pela construção da Hidrelétrica, como o desaparecimento de fora e fauna, elementos essenciais para a sua alimentação e sobrevivência, além de conflitos com as fazendas de gado que surgiram na região de entorno das terras indígenas. Essas comunidades não foram contempladas com nenhuma indenização ou compensação por danos.
Essas comunidades indígenas buscavam formas de compensação similares às recebidas pelos índios Parakanã, grupo que teve parte de suas terras inundadas e que recebeu algumas compensações parciais através do Programa Parakanã Pro PKN, firmado entre a Eletronorte e a Funai. Esse programa abrangeu as áreas da saúde, educação, apoio à produção, meio ambiente e vigilância dos limites, além de obras de infraestrutura e apoio administrativo.
Os problemas das comunidades indígenas, infelizmente, não pararam por aí. Com o deslocamento de todo esse contingente de pessoas, muitas Terras Indígenas passaram a sofrer com a pressão de assentamentos próximos e com o contato frequente com essas pessoas. Em diversos casos, suas línguas nativas acabaram sendo substituídas pelo português, mulheres indígenas passaram a se relacionar com “homens brancos” e a sofrer contaminação por diversos tipos de DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis.
Muitas meninas indígenas, com idades entre 10 e 15 anos passaram a se casar com esses “brancos”. Indígenas passaram a sofrer ferimentos ou até morreram vítimas do uso inadequado da energia elétrica e/ou de aparelhos eletrodomésticos. Também cresceram muito os casos de alcoolismo, tabagismo e uso de drogas entre os indígenas. Há de se destacar também as profundas mudanças em seus hábitos de vida e de alimentação – as alterações nos ritmos das águas do rio Tocantins provocaram drásticas mudanças nos volumes dos cardumes de peixes e na fauna que antes vivia nas matas da região. Os orgulhosos e autossuficientes índios de outrora passaram a viver, em muitos casos, como indigentes, dependendo do recebimento de cestas básicas e de auxílios dos órgãos governamentais.
Para finalizar, um detalhe intrigante – grande parte da energia elétrica gerada em Tucuruí é utilizada por indústrias do Pará e do Maranhão, especialmente multinacionais do setor do alumínio, com preços subsidiados. Enquanto isso, muitos dos desalojados pelas obras do empreendimento ainda vivem à base da luz de velas e de lampiões, mesmo passados mais de 30 anos da inauguração da Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
As prometidas melhorias na qualidade de vida eram para quem mesmo?
[…] recebeu pesados investimentos no período e surgiram obras como a Rodovia Transamazônica, a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, o Projeto Carajás de mineração e a Zona Franca de Manaus. Apesar de ineficiente e altamente […]
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[…] de maior impacto ambiental, existiram outros, de ordem social, também muito importantes. A remoção compulsória de populações é um deles. Famílias que moravam a inúmeras gerações nas áreas ribeirinhas, foram […]
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[…] na Região Amazônica foi um dos destaques, onde falamos de diversas usinas hidrelétricas como Tucuruí no rio Tocantins e Balbina no rio Uatumã; Samuel no rio Jamari, Santo Antônio e Jirau no rio […]
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[…] causou enormes mudanças sociais em toda a sua região de entorno. Como sempre acontece com a construção de grandes barragens e formação de grandes represas, a construção de Furnas forçou a desapropriação de mais de 8 […]
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[…] A primeira usina hidrelétrica do rio Tocantins foi Tucuruí, concluída em 1984 e causadora de inúmeros problemas ambientais e sociais apresentados em diversas postagens […]
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[…] altamente negativo criado pela construção de Balbina foi a remoção, muitas vezes a força, dos moradores ribeirinhos. Muito pior – sem conseguir apresentar documentos de posse das terras, a maioria dos desalojados […]
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[…] construção de Tucuruí também provocou uma série de impactos sociais – milhares de famílias ribeirinhas foram removidas a força de suas propriedades e reassentadas […]
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[…] são produzidos pelo alagamento de grandes áreas após o fechamento das comportas das barragens. Populações ribeirinhas precisam ser deslocadas, áreas de produção agrícola são perdidas e remanescentes florestais precisam ser derrubados […]
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[…] sociais que a formação de uma barragem de uma usina hidrelétrica cria – cito como exemplo Tucuruí e Sobradinho. Resolvida a maior parte dessas questões (é possível compensar muita coisa, mas […]
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