PARTE DOS SERVIÇOS DA CEDAE FORAM CONCEDIDOS À INICIATIVA PRIVADA. E AGORA?

No último dia 30 de abril, em leilão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo, foram concedidos à iniciativa privada 3 dos 4 lotes dos serviços de água e esgotos da CEDAE – Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro. A concessão rendeu aos cofres públicos um total de R$ 22,7 bilhões, um valor que ficou 133% acima do mínimo esperado. Os dois consórcios vencedores da disputa, AEGEA e Iguá, terão a concessão desses serviços por 35 anos e se comprometem a realizar investimentos de cerca de R$ 30 bilhões.

A CEDAE foi criada em 1975, numa época que foi caracterizada pela grande intervenção estatal e criação de grandes empresas públicas. A empresa foi formada a partir da unificação de diversas empresas municipais de águas e esgotos da Região Metropolitana e do interior fluminense, tendo como objetivo a universalização dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos, o que nuca foi atingido. O uso político da empresa, a má gestão da sua infraestrutura e a pura incompetência de muitos dirigentes, levaram a uma lista enorme de problemas nos serviços. 

Um dos maiores e mais recentes problemas da CEDAE, que apresentamos em postagem anterior, foi o fornecimento de água com péssima qualidade a milhões de consumidores. A origem do problema foi a geosmina, um composto orgânico presente nas águas e que é produzido por cianobactérias (algas azuis) e bactérias como a Streptomyces e a Actinomicetos. As águas altamente poluídas por esgotos do rio Guandu, o principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, possibilitaram a proliferação dessas algas e bactérias. Os processos de tratamento da água feitos pela CEDAE não conseguiram eliminar todos os resíduos desse contaminante. 

Outro problema recente e muito marcante foi a interrupção dos serviços de distribuição de água da empresa, o que afetou perto de 1 milhão de consumidores. O problema foi criado pela queima de um grande motor elétrico de uma estação de bombeamento. A empresa precisou de várias semanas até conseguir realizar o conserto do equipamento e o reestabelecer plenamente os serviços. 

Com a concessão dos serviços de distribuição de água e de coleta e tratamento de esgotos para empresas privadas, há uma expectativa de uma melhoria geral nas operações. A produção de água potável, ou seja, os serviços de captação de água bruta e o tratamento final, continuarão nas mãos da CEDAE. As empresas privadas vão comprar a água tratada e vão se responsabilizar pelo ‘transporte” dessa água através das redes de distribuição até as residências dos consumidores. 

Para cada litro de água potável que “entra” em uma residência, indústria ou comércio, é gerado cerca de um litro de esgoto, o nome que é dado para as chamadas águas servidas. Os serviços das novas concessionárias também vão incluir a coleta, o transporte e o tratamento final desses esgotos. As empresas concessionárias serão remuneradas, através do pagamento das contas pelos usuários, pelos serviços de água e esgotos.  

Dentro da lógica do mercado, a remuneração das empresas concessionárias aumentará à medida que forem ampliados e melhorados os serviços de fornecimento de água potável e de coleta e tratamento de esgotos. Como sempre existirão riscos desses serviços serem concentrados em regiões com melhores infraestruturas (bairros com melhor urbanização, por exemplo) e haja a tão esperada “universalização’ dos serviços, é fundamental que o poder público crie órgãos de fiscalização eficientes e bem estruturados.

A história do abastecimento de água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro é cheia de problemas. A escolha da região para a criação de importantes assentamentos humanos está ligada diretamente à Baía da Guanabara. Essa belíssima e muito poluída baía possui excelentes características para a operação de embarcações marítimas – ela é fechada e muito bem abrigada das ondas e ventos do mar aberto, as águas são profundas e sua área é muito grande. Essas características saltaram aos olhos dos primeiros exploradores portugueses já nos primeiros anos após o descobrimento do Brasil, que encontraram ali um dos melhores atracadouros de toda a costa brasileira. 

Foram, porém, os invasores franceses os primeiros a se valer do grande potencial da baía da Guanabara. Em 1555, eles fundaram a França Antártica, cujo objetivo principal era o de permitir à França o controle da navegação e do comércio em todo o Atlântico Sul. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro só seria fundada por Estácio de Sá em 1565, e os franceses só seriam expulsos em definitivo em 1570. 

A excepcional geografia da Baía da Guanabara, entretanto, escondia muitos dos problemas das suas áreas lindeiras. O principal deles era a pouca disponibilidade de água potável. A região não possui grandes rios, mas sim uma infinidade de pequenos rios com nascentes nas encostas das serras. Em épocas de seca, os caudais desses rios sofrem uma forte redução e falta água para o abastecimento das populações. O Rio de Janeiro, a maior cidade da região, enfrentou inúmeras crises de abastecimento de água ao longo de sua história.  

Um dos marcos arquitetônicos mais conhecidos da cidade, os Arcos da Lapa, que também já foi chamado de Aqueduto da Carioca, está relacionado diretamente aos antigos problemas de abastecimento de água da população. Construído entre 1725 e 1744 por ordem do Governador Gomes Freire de Andrade, o aqueduto permitia o transporte de água desde a nascente do rio Carioca até fontes públicas no centro da cidade, regularizando assim o fornecimento. A fonte mais importante ficava no Largo da Carioca. Nos bairros mais distantes da área central da cidade, o problema persistia. 

Um fator que contribuiu muito para a redução gradativa dos volumes de água dos riachos e ribeirões que existiam na região foram os desmatamentos para a abertura de campos para o cultivo da cana de açúcar, principalmente na Baixada Fluminense, uma atividade que vinha crescendo desde meados do século XVII. Em 1763, com a transferência da capital da Colônia de Salvador para a cidade do Rio de Janeiro, a população da cidade passou a crescer mais rapidamente e os problemas no abastecimento de água só aumentaram.  

Um outro marco para o aumento dos problemas de abastecimento de água na região foi o início do plantio do café a partir das últimas décadas do século XVIII. Uma região que foi transformada em um enorme cafezal foram as encostas dos morros da Tijuca, as mesmas onde se encontravam as nascentes de muitos dos riachos formadores do rio da Carioca, até então o principal manancial de abastecimento da cidade. 

A crise no abastecimento de água se agravou muito a partir de 1808, ano em que toda a Família Real de Portugal e toda a Corte vieram para a cidade do Rio de Janeiro fugindo das tropas invasoras de Napoleão Bonaparte. Toda essa massa de novos moradores representou um aumento entre 15 e 20 mil novos habitantes para a cidade . O Rio de Janeiro, que já era há época a maior cidade brasileira com cerca de 30 mil habitantes, viu sua população praticamente duplicar em um curtíssimo espaço de tempo. 

Um dos capítulos mais interessantes da história da cidade na busca da recuperação dos seus mananciais de abastecimento de água foi plantio de dezenas de milhares de mudas de árvores que formariam a atual Floresta da Tijuca. Com o renascimento da floresta, as águas voltaram a brotar nas nascentes e o abastecimento de água para a população foi sendo recuperado. 

A solução definitiva para o abastecimento de água na cidade do Rio de Janeiro e de grande parte dos municípios da Região da Baixada Fluminense veio com a instalação das unidades de geração de energia elétrica da empresa Light ao longo de todo o século XX. Parte importante do sistema da Light foi feito com a utilização de águas transpostas a partir da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Após o uso, essas águas eram despejadas na direção do rio Guandu e assim podiam ser aproveitadas no abastecimento das populações. 

Uma das boas expectativas criadas pela concessão dos serviços da CEDAE é a recuperação da qualidade ambiental da bacia hidrográfica do rio Guandu pelas empresas concessionárias. O crescimento das cidades da região, como é de praxe aqui no Brasil, não foi acompanhado da adequada infraestrutura de saneamento básico – especialmente dos serviços de coleta e tratamento de esgotos, o que se mostrou fatal para as águas do rio Guandu. Outra grande expectativa da população é a recuperação da Baía da Guanabara, cujas águas hoje estão tomadas por esgotos e resíduos. 

Os desafios são enormes, mas vamos torcer para que tudo dê certo. Fluminenses e cariocas merecem um futuro melhor! 

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