OS RUMOS DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL

Na última postagem falamos dos novos rumos que se abriram para a CEDAE – Companhia de Água e Esgoto do Estado do Rio de Janeiro. A empresa teve a maior parte dos seus serviços de distribuição de água tratada e de coleta e tratamento de esgotos concedidos à iniciativa privada em leilão público realizado no final de abril. A CEDAE foi a primeira grande empresa do setor de saneamento básico no Brasil a ser “privatizada” após a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento em 2020. 

Antes de prosseguir, um esclarecimento: saneamento básico pode ser definido como o conjunto de serviços que garante as condições de higiene e saúde da população ou série de medidas que tornam uma área sadia, limpa, habitável, oferecendo condições adequadas de vida para uma população ou para a agricultura. Esses serviços ou medidas são: abastecimento de água, sistemas de drenagem de águas pluviais (chuva), serviços de limpeza urbana e coleta/destinação de lixo e resíduos sólidos, além dos sistemas de coleta e de tratamento de esgotos. Como o foco aqui do blog são os recursos hídricos, vamos nos ater aos serviços de abastecimento de água e os esgotos.

O Novo Marco do Saneamento Básico do Brasil foi aprovado em julho de 2020 e tem como principal objetivo garantir que, até 2033, 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e ao tratamento do esgoto. Para tornar isso uma realidade, essa nova legislação facilita a entrada de empresas privadas no setor, o que será feito através de concorrências públicas – quem oferecer o melhor preço e o melhor serviço ganha. 

Muitos políticos e dirigentes públicos rasgaram elogios ao Novo Marco do Saneamento Básico, colocando esse novo arcabouço jurídico como uma espécie de “tábua de salvação do saneamento”. Na verdade, as coisas não são tão simples assim. O próprio leilão de concessão dos serviços da CEDAE mostrou isso: apenas três dos quatro lotes colocados para a concessão dos serviços foram arrematados pela iniciativa privada.  

Destaco aqui que o Rio de Janeiro é o segundo Estado brasileiro mais rico. Está cheio de problemas no momento, mas, tem um enorme potencial de mercado e vai render ótimos lucros para os novos concessionários. Imaginem então qual seria o interesse privado por um lugar pequeno com um nome como “Jiripoca do Brejo Grande” (um lugar fictício, é claro), lá nos “cafundó do Judas” como dizemos no meu bairro – será que alguma empresa privada se interessaria por um lugar desses? 

Pesquisando sobre o assunto, encontrei um estudo bem interessante feito pelo Instituto Trata Brasil: CENÁRIO PARA INVESTIMENTOS EM SANEAMENTO NO BRASIL APÓS A APROVAÇÃO DO NOVO MARCO LEGAL, leitura que recomendo a todos. Vou destacar alguns pontos mais relevantes para mostrar o tamanho do desafio do saneamento básico aqui no Brasil: 

De acordo com dados de 2018, 83,6% dos domicílios do Brasil são atendidos com redes de abastecimento de água potável – 97,8% desses domicílios ficam em áreas urbanas. A coleta de esgotos, porém, só atinge 60,9% dos domicílios, sendo que apenas uma parte desses esgotos recebe o tratamento adequado. Esses números indicam que cerca de 34 milhões de brasileiros não tem acesso a água potável em suas casas e mais de 81 milhões não tem acesso a redes de esgotos

Para que se consiga universalizar esses serviços até o ano de 2033, serão necessários grandes aportes financeiros para a construção de uma enorme infraestrutura com sistemas de produção e redes de distribuição de água potável, além de construir redes de coleta e estações de tratamento de esgotos.  

Segundo um levantamento feito pela ABCON – Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto, em parceria com a empresa de consultoria KPMG, o montante de recursos necessários para tornar tudo isso uma realidade é da ordem de R$ 520 bilhões. Isso significa que os investimentos anuais ao longo dos próximos anos precisa ser da ordem de R$ 34,7 bilhões

De acordo com os dados disponíveis, as redes de abastecimento de água aqui do Brasil cresceram de forma constante entre 2008 e 2018, saltando de 470 mil km para 662 mil km de extensão. A população atendida por esse serviço, que era de 146 milhões de habitantes, saltou para um total de 174 milhões ou o equivalente a 84% da população brasileira. 

Apesar de, aparentemente, serem ótimos números, eles escondem uma triste realidade: 2014, que foi o ano em que mais se investiu em água e esgotos na história do Brasil, com investimentos da ordem de R$ 14,9 bilhões, valor que não chega nem a metade do volume de investimentos anuais necessários para se conseguir atingir a universalização desses serviços até o ano de 2033. 

Para piorar o cenário já desolador, entre os anos de 2014 e 2018, houve uma redução de 12,3% nos investimentos totais em água e esgoto no Brasil. Citando um exemplo – em 2018, o investimento em sistemas de abastecimento de água foi de apenas R$ 5,7 bilhões, uma redução de 7,1% em relação ao investido em 2014. Em sistemas de coleta e tratamento de esgotos a redução foi ainda maior – houve uma diminuição de 30,9%. 

Além de se encontrarem em níveis muito aquém das necessidades do país, os investimentos em sistemas de água e esgotos se deram de forma desigual entre as diferentes Regiões do Brasil. Na Região Sudeste, por exemplo, onde vive cerca de 42% da população do Brasil, os investimentos em sistemas de abastecimento de água entre 2014 e 2017 responderam por uma fatia de 54,35% do volume total de investimentos do país nessa área – em 2018 houve uma pequena redução e o investimento correspondeu a 49,7% do total. 

Quando se trata de investimentos em redes de coleta e sistemas de tratamento de esgotos, os volumes da Região Sudeste totalizaram 54,65% dos investimentos totais do país. Em 2018, também houve uma redução desses valores, caindo para cerca de 51% do volume total. 

Já na Região Norte, que concentra a menor população entre todas as Regiões brasileiras, os investimentos em água e esgotos não chegaram a atender, proporcionalmente, nem a metade da população. A região abriga 8,72% da população brasileira, mas recebeu apenas o equivalente a 3,77% dos investimentos totais do país em sistemas de abastecimento de água entre 2014 e 2017 – em 2018, essa participação aumentou um pouco, atingindo o percentual de 4,29%. Os investimentos em sistemas de coleta e tratamento de esgotos foram de 3,3%, caindo para 2,91% em 2018. 

Após vários anos de turbulência política, recessão econômica e, atualmente, vivendo uma grande crise social e econômica por causa da pandemia da Covid-19, é fácil perceber que nosso país não dispõe de recursos para fazer todos os investimentos necessários para que se atinja a tão sonhada universalização dos serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento dos esgotos. É justamente aqui que o Novo Marco do Saneamento entra, abrindo espaço para o investimento privado nesse tão importante setor. 

No caso da concessão de parte desses serviços nas regiões de atuação da CEDAE no Rio de Janeiro, os dois consórcios vencedores do leilão assumiram o compromisso de fazer investimentos da ordem de R$ 30 bilhões ao longo do período da concessão que é de 35 anos. Considerando-se o tamanho da população do Rio de Janeiro, podemos estimar que grande parte da questão da universalização já está bem encaminhada no Estado, apesar de ser atingida apenas por volta do ano 2056 (estou considerando nessa conta o período total da concessão dos serviços). 

Privatizar esses serviços em Estados grandes e ricos é fácil – resta saber se nos demais Estados da Federação haverá o mesmo apetite das empresas privadas pela concessão dos mesmos serviços, uma questão que fica ainda mais delicada nos Estados mais pobres e nas cidades menores e/ou nos pequenos povoados mais isolados dos sertões do país. 

Pessoalmente, eu tenho minhas dúvidas sobre os rumos do saneamento básico aqui no país, especialmente no que se refere a sistemas de esgotos. Eu trabalhei por quase 10 anos em obras desse tipo – são obras caras, de realização problemática e bem demoradas. Sem a garantia de um bom e rápido retorno financeiro, não sei quantas empresas privadas vão querer “encarar” esses serviços nas “quebradas” do Brasil. 

Como sempre, espero estar errado… 

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