
Em uma postagem publicada aqui no blog em 21 de agosto de 2019, falamos da “chuva-negra” que caiu na cidade de São Paulo três dias antes. Essa surpreendente chuva com águas cor de chá mate foi o resultado de grandes nuvens de fumaça criadas pelas queimadas que naquele momento destruíam grandes áreas da Amazônia e que foram arrastadas para a Região Sudeste por fortes correntes de vento.
Essa notícia correu o mundo e políticos, famosos e artistas começaram a falar das “grandes queimadas que estavam transformando a Amazônia em cinzas“. Emmanuel Macron, Presidente da França, publicou em seu blog fotos de antigas queimadas (inclusive de um fotógrafo já morto). O jogador de futebol Cristiano Ronaldo foi mais infeliz – usou fotos de uma grande queimada nos Pampas Sulinos. Muitas outras celebridades internacionais também deram as suas “contribuições” na ocasião.
O clima de destruição da Floresta Amazônica também inspirou muitos artistas, blogueiros e influencers brazucas a externarem os seus protestos. Uma blogueira postou uma foto com uma grande pintura corporal onde mostrava o impacto das chamas na Amazônia sobre os animais silvestres (vide foto). Entre as muitas espécies de animais retratados apareciam um coelho e uma girafa, animais que não fazem parte da fauna brasileira. Apesar das boas intenções da jovem, as “girafas da Amazônia” viraram motivos de chacota por todos os lados.
Como falamos da extinção de animais da fauna brasileira em nossa última postagem e sem querer chatear muita gente, o território brasileiro – incluindo-se a região onde se encontra hoje a Floresta Amazônica, foi habitada num passado remoto por uma animal de pescoço comprido que ocupava exatamente o mesmo nicho ecológico das girafas africanas.
Estou falando da Macrauchenia, um animal estranho com um corpo muito parecido com o de um cavalo ou de uma lhama, patas com três dedos e uma cabeça comprida com uma pequena tromba. Algumas das espécies podiam atingir uma altura de até 3 metros e um peso que podia superar a casa de 1 tonelada. Essa “girafa” sul-americana desapareceu, junto com outros grandes animais, há cerca de 10 mil anos.
A Macrauchenia se junta a uma enorme lista de mamíferos de grande porte que habitaram e reinaram por toda a América do Sul por dezenas de milhões de anos. Por razões ainda não totalmente esclarecidas, esses animais entraram subitamente em extinção, nos deixando apenas um importante registro fóssil.
Apesar das incertezas sobre o fim desses animais, sabemos como sua história de vida começou – falamos aqui da fragmentação do antigo supercontinente de Gondwana. Até cerca de 160 milhões de anos, a América do Sul, Antártida, África, Ilha de Madagascar, Índia, Austrália, Nova Zelândia e algumas ilhas menores formavam um único bloco continental.
Com o movimento das Placas Tectônicas (pesquise sobre a Deriva dos Continentes), essa grande massa de terras contínuas começou a se fragmentar e os “pedaços” começaram a se movimentar em diferentes direções, formando a atual configuração de nossos dias.
Por aproximadamente 70 milhões de anos, ao longo de grande parte da Era Cenozoica, a América do Sul esteve completamente separada de outras massas terras e formou uma grande ilha. Durante esse longo intervalo de tempo, a região assistiu à evolução isolada de toda uma série de mamíferos de grande porte endêmicos que passaram a ser conhecidos como Megafauna Sul-americana.
Além das já citadas “girafas”, essa fauna tinha outros animais enormes como as preguiças-gigantes ou terrícolas, com algumas espécies que podiam atingir mais de 6 metros de comprimento e um peso de 4 toneladas. Para efeito de comparação, o maior mamífero sul-americano da atualidade, a anta (Tapirus terrestris), alcança um peso máximo de 320 kg.
Outro tipo impressionante eram os Gliptodontes, animais muito parecidos com os tatus, porém, de tamanho equivalente a um carro popular. O animal tinha o corpo coberto por uma carapaça óssea e fortes patas, chegando a 3 metros de comprimento, 1,5 metro de altura e peso na casa de 1 tonelada.
Um outro grupo de porte semelhante eram os Toxodontes, animais que tinham uma aparência semelhante à dos atuais rinocerontes, chegando a uma altura de 2 metros. Viviam próximos de cursos d`água e, muito provavelmente, tinham hábitos semiaquáticos.
Também merecem destaque nessa breve lista os proboscídeos, grupo de animais aparentados com os atuais elefantes. Uma dessas espécies sul-americanas era o Notiomastodon platensis que tinha um comprimento de cerca de 5 metros e uma altura de 2,5 metros, pesando aproximadamente 4 toneladas.
Segundo o registro fóssil, esses animais provavelmente viviam em grandes bandos formados por fêmeas, filhotes e animais jovens. Sua dieta era composta por gramíneas, arbustos e frutas. Essas são características muito parecidas com as das três espécies de elefantes modernos.
As extensas pastagens do território brasileiro e de países vizinhos também abrigavam grandes rebanho de cavalos primitivos, animais que só voltariam a viver na América do Sul após a conquista e colonização pelas nações Ibéricas a partir do século XV. Existem inúmeras outras espécies de animais da megafauna pré-histórica – pesquise.
E o que levou toda essa grande variedade de espécies animais a uma súbita extinção?
Entre 2 e 4,2 milhões de anos atrás, ou ainda há 23 milhões de anos (ainda não há consenso entre os especialistas sobre uma data exata), se formou o Istmo do Panamá ou Istmo Centro-americano, uma ponte de terra que uniu a grande ilha da América do Sul à grande massa de terras formada pelas Américas do Norte e Central, criando um corredor para a migração da vida natural – espécies animais e vegetais que se desenvolveram isoladamente nas duas áreas passaram a migrar nos dois sentidos.
Entre as diversas espécies de animais que migraram para a América do Sul, encontramos alguns predadores poderosos como o Smilodon. Uma dessas espécies, o Smilodon populator, era um felino de grande porte que possuía uma altura de 1,2 metro, cerca de 2,1 metros de comprimento e um peso de 400 kg. Uma característica marcante dos Smilodons eram os seus grandes dentes caninos, que podiam atingir um comprimento de até 28 cm num formato curvo. Esses animais são conhecidos popularmente como tigres-de-dentes-de-sabre.
Os Smilodons devem ter sido animais solitários que vagavam pelas extensas planícies em busca de presas de grande porte como as preguiças-gigantes e os mastodontes, alterando completamente o antigo equilíbrio ambiental. Antes da chegada dos Smilodons, esses grandes animais não tinham predadores naturais à altura.
Mudanças climáticas e suas consequentes alterações na vegetação também podem ter contribuído para a extinção de muitas dessas espécies animais. Um exemplo – durante muito tempo a Amazônia foi coberta por uma vegetação muito parecida com o Cerrado. Por fim, há cerca de 15 mil anos atrás, um outro grande predador chegou na América do Sul e pode ter sido o responsável final pela extinção da antiga megafauna – os seres humanos. Os últimos exemplares da megafauna desapareceram há cerca de10 mil anos atrás.
Como se vê, a extinção de espécies animais (e também vegetais) costuma ter causas múltiplas, inclusive com a contribuição dos seres humanos.