Conforme comentamos em uma postagem anterior, a foz do rio São Francisco foi descoberta no dia 4 de outubro de 1501 pela primeira expedição exploratória de Américo Vespúcio. Seguindo a tradição da época, os marinheiros batizaram o rio com o nome do santo católico do dia – São Francisco de Assis. Entre as anotações no diário de bordo do capitão, foi marcado que a correnteza do rio era muito forte e que sinais de água doce eram encontrados até 4 km mar adentro.
Um fato interessante dessa “descoberta” é constatação que a foz e as margens do rio São Francisco eram densamente povoadas por diversas tribos indígenas. Aliás, esses indígenas tinham dois nomes diferentes para o rio. Para algumas tribos, era Opará, uma palavra que pode ser traduzida como “rio-mar” ou ainda “rio grande como o mar”. Tribos de outro grupo linguístico se referiam ao rio como “Pirapitinga”, que significa “rio onde se pesca o peixe da casca branca”.
Existem diversas teorias sobre o povoamento das Américas. Uma das mais clássicas fala da migração de povos da Ásia na direção da América do Norte através do Estreito de Bering. Há cerca de 40 mil anos atrás, essa passagem entre o extremo Leste da Rússia e o Alasca foi coberta por uma grossa camada de gelo, o que permitiu a passagem de sucessivas ondas migratórias de grupos humanos.
Após a gradual ocupação das Américas do Norte e Central, grupos humanos começaram a chegar na América do Sul há cerca de 20 mil anos. Estudos arqueológicos feitos em parceria com instituições estrangeiras encontraram vestígios de ocupação humana datados em 16 mil anos em escavações na Lagoa Santa, Minas Gerais, com 14,2 mil anos em Rio Claro, São Paulo, e com 12,7 mil anos em Ibicuí, no Rio Grande do Sul.
Estudos arqueológicos independentes liderados pela pesquisadora brasileira Niède Guidon na região do Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, já encontraram vestígios de ocupação humana com mais de 50 mil anos. Esses achados arqueológicos passaram por um processo de datação que usa o método do Carbono-14. Apesar desses achados brasileiros comprovarem a presença humana em nosso território há muito mais tempo do que se imaginava antes, quem escreve a “nossa história” são instituições de pesquisa estrangeiras – se essas instituições não mudarem seus dados, a “história” vai continuar escrita do jeito que está.
Pela proximidade com as rotas de migração via América Central, a Floresta Amazônica foi um dos principais polos indígenas do Brasil ao longo de milhares de anos. Os primeiros grupos indígenas a ocupar o litoral brasileiro foram as populações dos sambaquis – montes artificiais formados pelo acúmulo de conchas e outros sedimentos. No litoral do Nordeste existem sambaquis com idade superior a 8 mil anos. Quando os europeus “descobriram” o rio São Francisco, a região já era habitada há milhares de anos por tribos indígenas como Pankarau, Atikum, Kimiwa, Truka, Kiriri, Tuxa e Pankarare.
Deixando de lado esse “pequeno detalhe” da ocupação indígena, os primeiros assentamentos de colonizadores europeus na região do baixo São Francisco foram os canaviais e os engenhos para a produção do açúcar. Ao longo das margens do rio São Francisco, a largura da densa floresta de Mata Atlântica superava os 80 quilômetros, o que garantiu solos férteis e muita lenha para se queimar nas caldeiras dos engenhos. Outro marco na colonização da região foi a criação de gado, que começou oficialmente em 1543 sob autorização da Coroa de Portugal. Graças a isso, existem muitas referências históricas ao rio São Francisco como “rio-dos-currais”.
A convivência entre bois e canaviais não era das melhores – conforme já comentamos em postagens anteriores, os bois invadiam os campos e se deliciavam com os brotos adocicados de cana de açúcar. Os imensos prejuízos da indústria açucareira com as boiadas levaram a uma lenta “expulsão” dos bois rumo ao interior do Nordeste. A crise entre os agricultores e os pecuaristas atingiu seu ápice em 1701, quando foi assinada uma Carta Régia, ou um decreto, pela Coroa de Portugal proibindo a criação de gado a menos de 10 léguas (entre 60 e 70 km) do litoral.
Com a expulsão das boiadas do litoral nordestino, teve início um processo que eu costumo chamar de “diáspora bovina”. Esse processo foi o principal responsável pela ocupação das regiões do Agreste e do Semiárido Nordestino por populações cada vez mais numerosas de gentes e de rebanhos animais de todos os tipos. Os criadores de gado não tardaram a descobrir o Vale do Rio São Francisco, onde encontraram um curso de águas perenes e espaço de sobra para se estabelecer e ver as boiadas se multiplicarem. Ao longo das margens do Velho Chico foram surgindo primeiro as grandes fazendas de criação e depois as cidades.
Há um aspecto ambiental importante em todo esse processo: com o crescimento das populações humanas e a necessidade de pastagens para os rebanhos (bovinos, equinos, muares, caprinos e ovinos), criou-se a necessidade de mais pastagens para os animais e de campos agrícolas para a produção de alimentos. Entre uma área de caatinga e outra há sempre uma pequena extensão de campos – e para ampliar as extensões destes campos utilizou-se indiscriminadamente do poder do fogo das queimadas, consumindo as árvores ressequidas da caatinga e criando espaços artificiais para o crescimento das pastagens.
Esses novos campos nunca eram suficientemente grandes para saciar a fome dos grandes rebanhos e os animais foram se adaptando ao consumo de várias espécies de vegetais que cresciam nesses campos e caatingais. Precisamos destacar aqui o insaciável apetite dos bodes e as cabras, animais que comem, praticamente, qualquer tipo de vegetal. Toda essa pressão ecológica levou a um aumento da aridez de muitos trechos do Semiárido.
O avanço das boiadas pelo sertão teve muitos outros percalços além do clima extremo e da terra difícil, com amplo destaque para os embates com índios. Terras ocupadas desde os tempos imemoriais por diversas nações indígenas eram invadidas por grandes boiadas, que sem pedir licença avançavam vorazmente sobre os limitados recursos naturais do meio. Além de atacar os boiadeiros, os índios desenvolveram gosto pelo sabor da carne bovina e passaram a caçar os animais. Bandeirantes paulistas foram convocados pelo Governo Colonial para “apaziguar” os índios do sertão nordestino, eventos que entraram para a história com o nome de Guerras do Norte.
A partir do século XVIII, com descoberta das minas de ouro na região das Geraes e o grande afluxo de gentes para os trabalhos de pesquisa, mineração e transporte do metal rumo ao litoral, as águas e as margens do rio São Francisco se transformariam em caminhos de entrada e saída dos sertões. As grandes boiadas se transformariam numa importante fonte de alimentação para os mineradores e aventureiros, seguindo o curso do rio São Francisco a caminho dos sertões das Minas Gerais. De “desertão”, palavra que está na origem de sertão, a bacia hidrográfica do rio São Francisco foi ficando cada vez mais povoada.
Escravos fugidos das senzalas, mulatos rejeitados, índios aculturados e fugitivos de toda a ordem, brancos aventureiros, excedentes populacionais dos engenhos, bandeirantes paulistas cansados da vida nômade e aventureira – o sertão começou a receber gentes em quantidades cada vez maiores, que foram se “aconchegando” e ficando. A soma de todas essas diferentes gentes iniciou a geração – no ventre das mulheres indígenas (é importante lembrar que havia pouquíssimas mulheres brancas ou negras nos primeiros séculos da colonização do Brasil), de toda a população dos sertanejos nordestinos.
O vale do Rio São Francisco se transformou no berço que acolheu toda essa gente dos sertões. O resto, é história…
[…] O POVOAMENTO DAS MAR… em SUPERPOPULAÇÃO DE BICHOS E GEN… […]
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