A Região Metropolitana de São Paulo está vivendo o mais completo caos neste início de semana. Uma forte chuva começou a cair na Região no final da tarde de domingo e, depois de 20 horas ininterruptas, o volume acumulado já era equivalente a 46% de todas as chuvas previstas para o mês de fevereiro. Essa foi a maior chuva a atingir a Região Metropolitana nos últimos 37 anos. De acordo com dados do INMET – Instituto Nacional de Meteorologia, foram 114 mm/m² de chuva entre as 9 horas da manhã de domingo e as 9 horas da manhã dessa segunda-feira.
Assim como ocorre com a grande maioria das cidades brasileiras, especialmente as grandes metrópoles, a Grande São Paulo não está preparada para conviver “pacificamente” com um volume de chuva tão grande. Aliás, em muitos municípios da Região Metropolitana, basta uma chuva mais forte para surgirem os problemas de enchentes e alagamentos. Um ciclo tão intenso de chuvas em um curto espaço de tempo termina, invariavelmente, em caos generalizado.
Os sistemas de transportes da Região foram intensamente prejudicados. Duas linhas de trens metropolitanos foram paralisadas e uma operou parcialmente. Várias linhas do Metrô tiveram de operar com velocidade reduzida. Completando a crise nos transportes, centenas de linhas de ônibus tiveram seus trajetos alagados e milhões de paulistanos não conseguiram sair de casa. Dezenas de escolas, unidades de saúde e repartições públicas não funcionaram hoje. No município de Osasco, houve um grande deslizamento de encosta na comunidade do Morro do Socó, deixando 3 feridos.
Na cidade de São Paulo, a maior e mais densamente povoada da Região, os problemas são gigantescos. Duas das mais importantes avenidas da cidade, as Marginais Tietê e Pinheiros, amanheceram com vários trechos inundados, o que resultou em congestionamentos de centenas de quilômetros. Para quem não conhece a cidade, as Avenidas Marginais funcionam como uma grande espinha dorsal para o trânsito da cidade, interligando uma infinidade de avenidas nos mais diferentes bairros. Quando alguma das avenidas Marginais para, a cidade inteira começa a ficar paralisada em um efeito cascata.
A história da construção dessas grandes avenidas são um resumo do descaso da cidade com a questão das águas pluviais. Essas vias se encaixam no conceito das “avenidas de fundo de vale”, e começaram a ser construídas na cidade a partir da década de 1930. Para os antigos planejadores de São Paulo, os vales e as várzeas dos córregos, riachos e rios no município eram áreas mal aproveitadas e abandonadas, que teriam muito mais utilidade para a população quando urbanizadas e transformadas em grandes avenidas. Essas obras colaborariam na melhoria do tráfego de veículos e também orientariam a expansão da mancha urbana. De quebra, a realização dessas obras eliminaria algumas comunidades ribeirinhas que haviam se instalado nesses locais.
O principal rio que atravessa a Região Metropolitana de São Paulo é o rio Tietê. Além do Tietê, a Região Metropolitana era cortada por uma infinidade de pequenos córregos, ribeirões e rios mais caudalosos como o Tamanduateí e o Pinheiros. Algumas fontes citam mais de 200 cursos d’água apenas no município de São Paulo – alguns documentos históricos chegam a falar de 1.200 cursos d’água num passado distante. Muitos desses riachos e córregos foram sendo canalizados e acabaram esquecidos sob grossas camadas de asfalto e concreto. Vez ou outra, quando acontece algum afundamento de pista em alguma avenida da cidade, as autoridades acabam redescobrindo alguns desses corpos d’água há muito esquecidos.
Em muitas fotos históricas do século XIX, os grandes rios que cortavam o Planalto de Piratininga aparecem cheios de curvas e cercados por grandes áreas de várzea. Essa característica permitia que esses rios absorvessem os grandes volumes das chuvas de verão sem causar maiores prejuízos para as populações. As áreas de várzea assumiam características semelhantes ao Pantanal de Mato Grosso, inclusive com a presença de animais típicos desse bioma. Passado o período de chuvas, essas várzeas secavam gradativamente.
Com o crescimento da mancha urbana, muitas áreas de várzea passaram a ser aterradas, permitindo assim a liberação dos terrenos para a construção de novas casas, armazéns e galpões. Um grande exemplo é a Várzea do Carmo, uma grande área alagável da região central da cidade de São Paulo, que nos primeiros anos do século XX passou por grandes obras de drenagem, onde foram criadas áreas “secas” para a construção do Parque Dom Pedro II, do Mercado Municipal da Rua da Cantareira, da rua 25 Março – maior centro comercial da cidade, entre outras localidades. O rio Tamanduateí, que corta toda essa região, passou por inúmeras obras ao longo das décadas seguintes e acabou transformado em uma calha apertada cercada pela Avenida do Estado.
A história do rio Tietê não foi muito diferente. Esse rio atravessa a mancha urbana no sentido Leste-Oeste e teve importância ímpar na história das cidades da Região. Durante muito tempo, o rio Tietê foi uma importante via para o transporte fluvial de cargas e pessoas por todo o Planalto de Piratininga, ligando toda uma série de pequenas cidades do entorno ao centro da cidade de São Paulo. Com o forte crescimento da cidade e com uma utilização cada vez maior dos transportes rodoviários, a navegação no rio Tietê foi sendo gradativamente abandonada já nos primeiros anos do século XX.
A partir da década de 1920, a calha irregular do rio Tietê passou a ser retificada, com vistas a permitir o avanço da cidade sobre as antigas áreas de várzea. Na década de 1950, foi inaugurado o primeiro trecho da Marginal Tietê, isolando ainda mais a calha do rio. Com o passar dos anos, todas as marges do rio Tietê dentro do município de São Paulo passou a ser ocupada pela Avenida Marginal (pista Direita e Esquerda).
Na Zona Sul do Município de São Paulo, o rio Pinheiros teve a sua história mudada após a decisão pela construção da Represa Billings e da Usina Hidrelétrica Henry Borden em Cubatão na década de 1930. O audacioso projeto desse complexo hidrelétrico dependeria de um reforço das águas da bacia hidrográfica do rio Tietê, que seriam transpostas através do rio Pinheiros por meio de duas estações de bombeamento ou de traição. O sinuoso canal do rio Pinheiros (vide foto abaixo) foi transformado em um canal retilíneo, o que liberou grandes áreas de várzea para a especulação imobiliária, onde surgiram bairros elegantes como o Alto de Pinheiros, trechos do Butantã e do Brooklin Novo, entre muitos outros. Às margens do novo canal do rio Pinheiros foi construída a Marginal Pinheiros.
Além da construção de imponentes avenidas nas várzeas desses grandes rios, a cidade também ocupou as várzeas e vales de centenas de córregos e ribeirões. Citando alguns exemplos: Avenida Pacaembu (Ribeirão Pacaembu), Avenida 9 de Julho (Rio Anhangabaú), Avenida Roberto Marinho (Córrego das Águas Espraiadas), Avenida Anhaia Melo (Córrego da Mooca), Avenida Juscelino Kubitschek (Córrego do Sapateiro), Avenida Aricanduva (Córrego Aricanduva), Avenida Jacu-Pêssego (Córrego Jacu), Avenida Sumaré (Córrego do Sumaré), Avenida dos Bandeirantes (Córrego da Traição), Avenida Luís Dumont Villares (Córrego do Carandiru), Avenida 23 de Maio (Córrego do Itororó), entre muitos outros.
Completando o quadro de preparação para uma grande tragédia ambiental, áreas em encostas de morros foram desmatadas e ocupadas por construções, grandes áreas do solo dsa cidades foram impermeabilizadas por grossas camadas de concreto e asfalto; grandes construções passaram a ocupar os terrenos, restando poucas áreas com vegetação e solos permeáveis. Basta uma chuva mais forte para inundar e alagar grandes áreas da urbe. Com uma chuva torrencial como essa que castigou a cidade de ontem para hoje, a cidade passa a conviver com o caos.
Para encerrar, o Prefeito da cidade de São Paulo, Bruno Covas, em entrevista a jornalistas no final da tarde, disse que a responsável por todas essas tragédias foi “a forte chuva das últimas horas”.
Tire suas próprias conclusões.
[…] UM DIA DE CAOS EM SÃO PAULO, OU CHUVA, MUITA CHUVA […]
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[…] último dia 9 de fevereiro, enquanto noticiávamos aqui no blog os sofrimentos de grandes cidades brasileiras com as enchentes de verão, grande parte da Europa sofria com uma das maiores tempestades do século, comparável somente a […]
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[…] Também podemos citar o volume recorde de chuvas na cidade de São Paulo neste mês de fevereiro. De acordo com dados do INMET – Instituto Nacional de Meteorologia, o volume de chuvas acumulado na cidade em fevereiro chegou a 449 mm, o maior valor já registrado em 77 anos. Não é a toa que São Paulo sofreu, como nunca, com as enchentes deste ano. […]
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[…] somatória de todo esse conjunto de agressões ambientais leva às grandes enchentes. Cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife, entre muitas outros, fizeram exatamente isso e sofrem […]
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