ALTERNATIVAS A CANALIZAÇÃO DE CURSOS D’ÁGUA, OU QUESTIONANDO A TEORIA DE FUNDO DE VALE

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Prosseguindo com o texto de meu último post, a canalização desenfreada de corpos d’água na cidade de São Paulo, e em muitas outras Brasil afora, sempre teve como objetivos a liberação de áreas de várzea e de baixadas para a especulação imobiliária e também para a construção de vias urbanas para o tráfego de veículos, especialmente os automóveis particulares.

Alguns exemplos de famosas avenidas de São Paulo construídas a partir da canalização/retificação de rios, córregos e riachos: Avenida Pacaembu (Ribeirão Pacaembu), Avenida 9 de Julho (Rio Anhangabaú), Avenida Roberto Marinho (Córrego das Águas Espraiadas), Avenida Anhaia Melo (Córrego da Mooca), Avenida Juscelino Kubitschek (Córrego do Sapateiro), Avenida Aricanduva (Córrego Aricanduva), Avenida Jacu-Pêssego, onde eu trabalhei em um dos trechos (Córrego Jacu), Avenida Sumaré (Córrego do Sumaré), Avenida dos Bandeirantes (Córrego da Traição), Avenida Luís Dumont Vilares (Córrego do Carandiru), Avenida 23 de Maio (Córrego do Itororó), Avenida do Estado (Rio Tamanduateí), Avenida Eng. Caetano Álvares (Córrego do Mandaqui), Avenida Ricardo Jafet (Córrego do Ipiranga) e vou citar também o Córrego Anhanguera, do qual muitos nunca ouviram falar e onde foram construídos trechos de importantes ruas e avenidas da cidade: Rua da Consolação, Avenida Higienópolis, Rua General Jardim, Largo do Arouche entre outros. A concepção e a construção destas vias (e de dezenas de outras) seguiu a Teoria de Fundo de Vale, encomendada em 1927 pelo então prefeito José Pires do Rio a um grupo de urbanistas e mais tarde usada no projeto das grandes vias da cidade de São Paulo.

Na visão da época, as áreas de fundo de vale da cidade eram mal aproveitadas e, de alguma forma, apresentavam riscos para a saúde da população, especialmente como criadouros de mosquitos, pontos de acúmulo de lixo e dejetos, esgotos e, grifo meu, de gente pobre (não é de hoje que essas áreas são ocupadas por favelas ou “habitações subnormais”). Na cidade de Londrina, no Paraná, havia uma percepção semelhante e essas áreas foram transformadas em parques e áreas de lazer; em São Paulo optou-se pela canalização ou retificação dos corpos d’água e a construção de avenidas – os “obstáculos” foram transferidos para outras regiões distantes da cidade.

Em dias de fortes chuvas, não por uma mera coincidência, muitas dessas avenidas e ruas aparecerão nas televisões em notícias sobre engarrafamentos e pontos de alagamentos. “Cedo ou tarde, o rio se vinga” nas palavras de Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, engenheiro civil e arquiteto paisagista, que provavelmente lembrava o texto do escritor mato grossense Manoel de Barros:

“Assim, quando vêm as chuvas, todo ano o rio se vinga, transbordando da calha ou do duto que o aprisiona, feito o rio desbocado, mal comportado. Cheio de furos pelos lados, torneiral, ele derrama e destramela à toa. Só com uma tromba d’água se engravida. E empacha. Estoura. Carrega barrancos. Cria bocas enormes. Vaza por elas. Cava e recava novos leitos. E destampa adoidado.”

A lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade, lançou uma nova luz sobre as chamadas áreas de fundo de vale, incorporando uma perspectiva ambiental para as sustentabilidade das cidades e passando a considerar essas desprezadas regiões como Áreas de Preservação Ambiental. Com essa mudança, a solução de canalizar desenfreadamente córregos e riachos deixa de ser a regra e passa a ser vista como a exceção da exceção. O conceito de Canais Verdes, onde há toda uma preocupação de preservar as margens dos corpos d’água com o plantio de vegetação, os Parques Lineares, que transformam as várzeas em áreas de lazer para a população, e os espelhos d’água, onde é criada uma fina lâmina d’água com espaço para acumular temporariamente grandes volumes de águas das chuvas, abriram toda uma gama de novas soluções para o manejo das águas pluviais.

Continuaremos nesse assunto no próximo post.

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