Há poucos dias atrás, o Governo do Estado de São Paulo anunciou um investimento de mais de R$ 55 milhões para a realização de obras de desassoreamento e limpeza da calha do rio Tietê na Região Metropolitana da capital paulista. Esse valor é cerca de 10% maior do que os investimentos destinados a essas obras em 2019. Os trabalhos serão realizados ao longo de um trecho de 41 km, entre a Barragem da Penha, na Zona Leste da cidade de São Paulo, até a barragem Edgard de Souza, em Santana do Parnaíba.
À primeira vista, essa é uma notícia que, muito provavelmente, não chamaria a sua atenção numa página de jornal ou em uma nota de um telejornal. Entretanto, esse é o tipo de trabalho “invisível” que pode fazer toda a diferença no combate às famigeradas enchentes de verão. De acordo com a nota do DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica, autarquia do Governo do Estado de São Paulo responsável pela área, serão removidos perto de 500 mil m³ de sedimentos da calha do rio Tietê neste trecho. Esse volume convertido em água corresponde a aproximadamente 500 bilhões de litros ou 200 piscinas olímpicas. Quando chove, é esse o volume de água que não encontra espaço na calha do rio e passa a ocupar as rua e avenidas da Região Metropolitana.
O assoreamento é o resultado final de um processo de alteração ou degradação da calha de um curso d’água, geralmente em virtude do grande acúmulo de sedimentos. Dependendo da intensidade do assoreamento, a calha de um corpo d’agua pode, literalmente, desaparecer ao longo do tempo. Já a sedimentação é o processo de retirada de sedimentos dos solos, que são arrastadas e acumulados no leito de cursos d’água por força das chuvas.
Falando de uma forma bem simplificada e muito resumida, sedimentos são fragmentos de rochas resultantes dos mais diversos processos erosivos. Ao longo de milhões de anos, as rochas ficaram expostas ao sol, chuvas, gelo e ventos. Essas diferentes “forças” da natureza foram degradando a superfície das rochas e gerando fragmentos de diferentes tamanhos – argila, silte, areia, cascalho e seixos, entre outros. Os diferentes tipos de solos, essenciais para a existência da maior parte da vida vegetal do planeta e base da cadeira alimentar da maioria das espécies animais, surgiram a partir dessa degradação das rochas. Solos combinam sedimentos de rochas, matéria orgânica, água e ar.
Grandes volumes de sedimentos, principalmente os mais finos, são arrastados pelas chuvas e acabam se depositando no leito de córregos, riachos e rios. Esses sedimentos são carreados pela correnteza dos rios e depositados em áreas planas como as bacias sedimentares, onde ao longo das eras formarão novos tipos de rochas como os arenitos e os calcários. Parte dos sedimentos, especialmente os mais finos como a argila, o silte e a areia, serão levados cada vez mais longe, chegando por fim até aos oceanos – a areia das praias tem origem em rochas degradadas que estão localizadas a centenas ou milhares de quilômetros dos oceanos.
Esses importantes mecanismos naturais, responsáveis pela formação de grande parte das paisagens que nos cercam, sofrem constantemente em consequência das ações humanas. Os desmatamentos, citando um exemplo, expõem os solos à ação erosiva das chuvas, o que resulta no assoreamento descontrolado dos corpos d’água. Com a tomada da calha dos rios com sedimentos, as águas excedentes das chuvas de verão avançam contra os barrancos das margens, aumentando gradativamente os problemas ambientais.
Nas áreas urbanas, os problemas são semelhantes – desmatamentos, impermeabilização de solos e obras de infraestrutura provocam mudanças na dinâmica das águas pluviais, que tem como consequências enchentes e alagamentos. Esses problemas são amplificados pelo assoreamento do leito dos canais de drenagem, tanto naturais quanto os artificiais, sendo os causadores de grandes transtornos para a população.
Areia e cascalho, dois aglomerados largamente utilizados na construção civil, são os sedimentos de origem mineral encontrados em maiores quantidades nos leitos de córregos, riachos e rios urbanos. A disseminação desses sedimentos nos ambientes urbanos já começa durante o transporte desde as fontes de produção até os canteiros de obras. As cargas são acondicionadas de maneira improvisada nos caminhões, que saem espalhando pedras e areia pelo caminho.
Outra fonte de problemas está nos próprios canteiros de obras – essa indústria é famosa pelos seus níveis de perdas de materiais e componentes, o que em muitos casos chega à casa dos 30%. Os materiais “perdidos” acabam se transformando em resíduos sem utilidade nos canteiros de obra, que depois precisarão ser descartados no meio ambiente.
Os resíduos da construção civil respondem por 70% de todos os resíduos gerados por uma cidade e são a principal fonte dos sedimentos carreados para os corpos d’água nas áreas urbanas. Apesar da maior parte desses resíduos poderem ser reutilizados, principalmente pela própria indústria da construção civil, é comum encontrarmos entulhos abandonados em ruas, calçadas e terrenos baldios. Basta uma chuva mais forte para os problemas começaram – o acúmulo desses resíduos bloqueia o escoamento das águas pluviais e causam diversos problemas de alagamentos.
Os fragmentos mais finos, especialmente a areia e o cascalho, são arrastados pelas enxurradas na direção dos canais de córregos e riachos, onde vão se acumulando. Tubulações da rede de águas pluviais também acabam sendo o destino final de grande parte desses resíduos. Sem um trabalho regular de limpeza, a camada de sedimentos vai ficando cada vez mais espessa e esses canais de drenagem vão ficando cada vez mais rasos, comportando cada vez quantidades menores de água. O resultado são as enchentes.
A foto que ilustra essa postagem, que é uma imagem comum na paisagem das cidades, mostra o canal de um córrego na periferia completamente assoreado e exposto ao carreamento de grandes volumes de resíduos descartados incorretamente pela população.
Como se essa situação já não fosse suficientemente complicada, resíduos sólidos dos mais diferentes tipos acabam chegando ou são jogados nesses canais. Falamos aqui de resíduos plásticos e embalagens, pneus, móveis, eletrodomésticos como fogões e geladeiras, carcaças de carros velhos, entre outros resíduos. Cito um exemplo desse descaso com as águas – na década de 1990, durante as obras de aprofundamento da calha do rio Tietê na cidade de São Paulo, foram retirados 20 mil pneus velhos do leito do rio, entre outras milhares de toneladas de resíduos de todos os tipos. Eu nunca me esqueci das montanhas de pneus velhos que podiam ser avistadas nas margens do rio durante as obras.
O assoreamento dos canais de drenagem de águas pluviais urbanos é um processo contínuo e, em grande parte, inevitável. As autoridades municipais e estaduais, conforme o caso, precisam realizar trabalhos de limpeza dos canais, evitando assim a redução da capacidade de drenagem. A boa gestão dos resíduos sólidos urbanos também é fundamental – as cidades precisam contar com bons serviços de coleta e destinação dos resíduos sólidos domiciliares, assim como para o encaminhamento, armazenagem e reciclagem dos resíduos da construção civil.
Acima de qualquer coisa, as populações precisam ter consciência do seu papel como agentes ambientais e devem descartar seus resíduos corretamente, evitando que as águas pluviais os arrastem para os canais de drenagem naturais e artificiais. Enchentes e alagamentos não são processos exclusivamente naturais – as mãos humanas estão por trás de grande parte dos problemas criados pelas chuvas de verão. Os resíduos que geramos em nosso dia a dia são grande parte do problema.
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