OS RESÍDUOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL E SEUS IMPACTOS NAS ENCHENTES

Resíduos da construção civil

Resíduos sólidos e águas pluviais são coisas que, definitivamente, não combinam. Grande parte das enchentes de verão que temos assistido nas cidades brasileiras nestas últimas semanas estão ligadas diretamente aos resíduos sólidos descartados de forma incorreta pela população. Arrastados pelas enxurradas, esses resíduos obstruem as bocas de lobo e as tubulações de drenagem das águas pluviais. Também acabam entulhando os canais de córregos e riachos, onde se misturam com areia, cascalho e outros “materiais” jogados pela população, onde se incluem carcaças de automóveis, geladeiras, fogões, móveis, entre outros. 

Uma parte considerável dos resíduos sólidos gerados pelas cidades tem origem na construção civil. Em cidades grandes como São Paulo, o volume total de resíduos da construção civil chega a representar 70% do total de resíduos sólidos e são um dos grandes desafios ambientais urbanos. Boa parte dos resíduos pode ser reciclada e reaproveitada na própria construção civil, porém, grandes volumes desses materiais costumam ser abandonados em calçadas, ruas e terrenos baldios.  

Com a chegada do período de chuvas, parte desses resíduos é arrastada pelas enxurradas e vai causar inúmeros problemas na drenagem de águas pluviais. Também é preciso lembrar que existem muitos resíduos perigosos no meio destes materiais – restos de tintas, produtos químicos, solventes e óleos, que misturados a água podem causar intoxicações em pessoas e animais. 

A construção civil é fundamental em nossas vidas. Dependemos dela para a construção de nossas casas, fábricas, empresas, prédios públicos e infraestrutura. Ao mesmo tempo, a construção civil é uma grande consumidora de recursos naturais e causadora de grandes impactos ao meio ambiente. Todos os materiais e insumos usados na construção civil vêm, direta ou indiretamente, da natureza – nem sempre a retirada ou extração desses materiais e insumos é feito da maneira mais adequada. 

Um grande exemplo é a extração da areia, um dos insumos mais importantes da construção civil. No Brasil, o consumo anual de areia gira em torno de 400 milhões de toneladas por ano, o que corresponde a aproximadamente 2 toneladas de areia por habitante a cada ano. A extração da areia é feita em áreas de várzeas, margens de rios e em antigas bacias sedimentares. Todas as cavas de areia têm uma característica comum – quando o recurso se esgota, a área é abandonada e ficam para trás imensas crateras cheias de água.  

Um grande exemplo desse tipo de destruição pode ser visto ao longo das margens do rio Paraíba do Sul, o principal fornecedor de areia para as Regiões Metropolitanas de São e de Campinas, e também no Distrito Areeiro de Seropédica, de onde sai a maior parte da areia usada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. 

Na cidade de São Paulo, a antiga várzea do rio Tietê foi, durante muito tempo, a principal fornecedora da areia usada na construção da cidade. Com o aterramento das várzeas para a ampliação das áreas para a expansão urbana, a cidade foi perdendo a sua fonte desse insumo e criando as “bases” para as futuras mega enchentes que vivemos em nossos dias. Dois marcos da antiga exploração de areia dentro do município de São Paulo ainda podem ser vistos em nossos dias: o Parque do Ibirapuera e a Raia Olímpica da Cidade Universitária. 

A areia é um componente fundamental do concreto, material estrutural largamente utilizado em construções de todos os tipos. A areia também é usada na construção de blocos, no preparo de argamassa para assentamento e reboco, peças pré-fabricadas, no calçamento de quintais e passeios públicos, entre outros usos. Quando uma construção é demolida ou precisa passar por uma grande reforma, grandes volumes de areia são liberados, juntamente com cascalhos, restos de tijolos e de concreto, cerâmicas, entre outros materiais. Quando esses resíduos são descartados de maneira irregular, grandes quantidades de areia e cascalho, entre outros resíduos mais finos, acabam sendo carreadas para os canais de córregos, riachos e rios, causando uma série de problemas na drenagem de águas pluviais.

Uma das formas mais adequadas (do ponto de vista ambiental) para o descarte de resíduos da construção civil é a contratação de empresas especializadas nessa área. Essas empresas disponibilizam caminhões e caçambas para o transporte dos materiais e normalmente contam com áreas de descarte regularizadas e licenciadas pelos órgãos ambientais. Os resíduos da construção civil são, em sua maior parte, recicláveis. Existem empresas especializadas na produção de areia, brita e peças pré-fabricadas a partir desses resíduos, insumos que podem ser usados em várias etapas de uma obras, exceto para a produção de concreto estrutural

Esse serviço tem um alto custo, o que acaba gerando descartes clandestinos desses resíduos, especialmente em pequenas obras nas periferias. Recentemente, eu realizei obras de reforma no apartamento de minha irmã, o que resultou em aproximadamente 3 m³ de resíduos como restos de piso laminado e cerâmicas, madeiras, tijolos e louças sanitárias. Consultando a administração do condomínio, recebi a indicação de várias empresas que trabalhavam com a remoção de entulho, cobrando valores entre R$ 300,00 e R$ 400,00 por caçamba. Por sorte, acabei descobrindo um ecoponto da Prefeitura que recebe esse tipo de resíduo a pouco mais de 1 km do apartamento e carreguei os resíduos ensacados em várias viagens de carro. 

Infelizmente, não são todos que agem assim, principalmente nas regiões periféricas das cidades.  Nesses bairros encontramos a famosa “auto construção”, onde as próprias famílias e vizinhos se juntam nos esforços para a construção de suas casas. Pela falta de recursos financeiros e sem a ajuda de profissionais especializados, essas construções são feitas aos pedaços ou ficam inacabadas. Na retomada das obras, sempre existem ajustes a serem feitos, o que fatalmente resulta em grandes volumes de entulhos. A solução encontrada para dar um fim nesses resíduos são as beiradas dos córregos, os terrenos baldios (vide foto) ou até mesmo calçadas e ruas próximas, com as consequências que todos conhecemos. 

Esse verdadeiro exército de “formigas construtoras”, que encontramos na maioria das cidades, acaba gerando um problema secundário – muitas dessas construções estão localizadas em áreas de mananciais ou em encostas de morros e, normalmente, são invasões de áreas públicas e de preservação permanente. Essas áreas, conforme já comentamos em outras postagens, são as que apresentam os maiores riscos de enchentes e deslizamentos. Segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, cerca de 8 milhões de brasileiros vivem nessa situação de risco. 

Somando-se o crescimento desordenado das cidades e a impermeabilização de grandes áreas de solo, com a derrubada de remanescentes florestais, a ocupação das encostas de morros, de áreas de várzeas e de mananciais com construções, além do descarte irregular de milhares de toneladas de resíduos sólidos, já temos uma situação complicada. Quando incluímos nessa “equação” os grandes volumes de entulhos e restos de materiais de construção descartados sem qualquer critério, chegamos à situação caótica que vemos atualmente em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, todas altamente vulneráveis a grandes enchentes.

Ao contrário do que muitos de vocês pensaram durante grande parte das suas vidas, as chuvas não são as únicas responsáveis pelas enchentes que transtornam a vida dos moradores das grandes cidades – elas causam sim muitos problemas, mas contam com uma grande ajuda das nossas ações. 

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