A MINERAÇÃO DO OURO E O MERCÚRIO

Queima da amálgama

Serra Pelada, conforme comentamos em nossa última postagem, foi o maior garimpo de ouro a céu aberto do mundo entre 1980 e 1992, chegando a abrigar cerca de 100 trabalhadores no seu auge. Este verdadeiro “fenômeno” da mineração começou em 1979, quando um agricultor da região encontrou uma pepita de ouro com 13 kg de peso. A notícia rapidamente se espalhou por todos os cantos do país e, em poucos meses, a fazenda onde foi feita a primeira descoberta foi invadida por milhares de aventureiros contaminados pela “febre do ouro”.  

Até o fechamento da cava em 1992, por razões de segurança, os dados governamentais registraram que cerca de 50 toneladas de ouro saíram dos barrancos de Serra Pelada. Segundo outras fontes, que consideram também o ouro que foi desviado por outros “caminhos”, o volume de ouro total produzido no garimpo se situa entre 100 e 400 toneladas. Retirar toda essa riqueza dos solos da Amazônia teve custos ambientais e sociais altíssimos. Vamos começar falando dos problemas ambientais e de um dos mais terríveis legados da mineração: o mercúrio. 

O ouro é um dos metais mais raros e mais preciosos que existem em nosso planeta. Assim como ocorre com outros metais, o ouro é normalmente encontrado misturado com outros minerais, sendo necessária a realização de diversos processos para a sua separação. Nos garimpos, o ouro pode ser encontrado na forma de pepitas ou, na maior parte dos casos, é encontrado misturado com rochas e sedimentos. Nesses casos, os garimpeiros usam o mercúrio para separar o ouro das principais impurezas. O mercúrio, que é um metal em estado líquido, é misturado com os sedimentos e se liga os fragmentos de ouro, formando uma amálgama. Essa amálgama depois é exposta ao calor de um maçarico, que evapora o mercúrio e deixa apenas o ouro. É aqui que os problemas ambientais começam. 

De acordo com estudos recentes, para se produzir 1 kg de ouro nos garimpos é necessário, na média, o uso de 1,32 kg de mercúrio – estimativas anteriores falavam de quantidades entre 2 e 4 kg de mercúrio. Considerando-se a estimativa oficial de produção de ouro em Serra Pelada – 50 toneladas, chegamos rapidamente a conclusão que 66 toneladas de mercúrio foram usadas pelos garimpeiros. Porém, como já falamos, grandes volumes de ouro fugiram dos controles oficiais e o volume de mercúrio usado em Serra Pelada pode se situar entre 132 e 528 toneladas

Quando a amálgama é queimada pelos garimpeiros (vide foto), o mercúrio evapora rapidamente e entre 65 e 83% desse vapor é lançado na atmosfera e espalhado pelos ventos; entre 2 e 7% do mercúrio permanece ligado ao ouro, só sendo eliminado no processo de purificação do metal em fornos de altas temperaturas; o restante do mercúrio volta ao estado líquido, caindo sobre solos e águas na forma de micro gotículas. Uma parcela pequena, mas mortal desse mercúrio é inalada pelo garimpeiro que executa a queima da amálgama. Esse mercúrio se acumula no organismo humano e pode provocar danos graves no sistema nervoso central, normalmente irreversíveis, que compromentem os sistemas sensoriais e motores. 

Segundo alguns estudos ambientais, a concentração de mercúrio na atmosfera aumentou 3 vezes nos últimos 100 anos. Os principais responsáveis por esse aumento são as emissões de indústrias de todos os segmentos, que usam o mercúrio e/ou materiais que contém o metal em seus processos de produção e as erupções vulcânicas, além de uma razoável contribuição dos garimpos. Um estudo feito em toda a Amazônia para se determinar a distribuição do mercúrio no meio ambiente, encontrou resultados problemáticos – testes feitos com os cabelos de moradores do Alto Rio Negro, uma região onde não existem garimpos, encontrou concentrações de mercúrio 7 vezes maiores do que as encontradas em moradores de regiões ao longo dos rios Madeira e Tapajós, onde existem grandes concentrações de garimpos. Isso demonstra a perigosa propagação do mercúrio através da atmosfera e dos ventos

Os corpos d’água – represas, lagos, riachos e rios, são os principais receptores do mercúrio que “decanta” da atmosfera. O ciclo de contaminação do mercúrio se dá em cadeia e começa com a absorção por micro algas, insetos, vermes e pequenos moluscos, que formam as comunidades bênticas ou bentônicas dos corpos d’água. Essas criaturas formam a base da cadeia alimentar e sustentam peixes, crustáceos, anfíbios e répteis menores, que por sua vez serão predados por espécies maiores. O mercúrio acompanha todo o ciclo da cadeia alimentar, passando de um organismo para outro, se acumulando em quantidades cada vez maiores ao longo do tempo. O mercúrio presente no organismo de peixes fatalmente contaminará qualquer ser humano que consuma suas carnes. 

Todo o mercúrio utilizado no Brasil é importado, especialmente do México, Estados Unidos, Canadá e alguns países da Europa. A evolução do consumo de mercúrio ao longo das últimas décadas nos dá uma ideia dos impactos provocados pela mineração do ouro – entre 1972 e 1984, o consumo de mercúrio no Brasil permaneceu estável, na casa de 160 toneladas anuais. A partir desse ano, o consumo começou a crescer e em 1989 atingiu a marca de 340 toneladas. Esse crescimento abrupto no consumo do mercúrio coincide com o crescimento da mineração e da produção de ouro em Serra Pelada.  

Mesmo com o fim do garimpo em larga escala em Serra Pelada (o garimpo foi mecanizado e produz cerca de 2 toneladas de ouro por ano), o consumo de mercúrio por garimpos de todo o Brasil continua alto. Estimativas indicam que, nos últimos anos, a produção anual de ouro no país tem se situado entre 80 e 100 toneladas, o que implica num consumo total de mercúrio entre 100 e 260 toneladas. Uma das consequências mais evidentes do alto consumo deste metal tóxico são os altos índices de contaminação da água dos rios, especialmente na região amazônica. Milhares de garimpeiros, que lidam diariamente com a separação do ouro, estão se expondo a uma contaminação cumulativa que, com toda a certeza, vai lhes provocar uma série de doenças fatais. Finalmente, o mercúrio da atmosfera está contaminado pessoas que nunca colocaram os pés em um garimpo. 

Para encerrar, as reservas de ouro estimadas na Região Amazônica são de, pelo menos, 25 mil toneladas, o que equivale a cerca de US$ 300 bilhões. Num dos anos em que a produção de ouro na região bateu recorde – 1988, se alcançou a impressionante cifra de 216 toneladas e os ganhos foram de US$ 3 bilhões, valor equivalente a 3 vezes os ganhos com a exploração de minério de ferro em Carajás. Com esses números, é de se esperar um número cada vez maior de garimpeiros, legais e ilegais, se aventurando na região e liberando quantidades cada vez maiores de mercúrio no meio ambiente. 

Projeções nem um pouco saudáveis ou animadoras para a natureza. 

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