O ARCO MINEIRO DO ORINOCO, OU A AMAZÔNIA VENEZUELANA SOB RISCO

Em um comunicado recente, o FMI – Fundo Monetário Internacional, indicou que a Venezuela deverá encerrar o ano de 2021 com a menor renda per capita das Américas, ficando atrás do, até então, país mais pobre da região – o Haiti. Segundo as projeções do FMI, a renda anual dos venezuelanos ficará em US$ 1,627.00. 

Com 28 milhões de habitantes e dona das maiores reservas mapeadas de petróleo do mundo, a Venezuela foi, até poucas décadas atrás, uma das nações mais ricas da América Latina. Com a ascensão de Hugo Chaves ao poder em 1999, e com a implantação de sua Revolução Bolivariana, o país entrou num ciclo contínuo de decadência econômica e social

De acordo com pesquisa da UCAB – Universidade Católica Andrés Bello, e de outras duas importantes instituições de ensino do país, 94,5% da população da Venezuela vive na pobreza, com uma renda inferior a US$ 3.20/dia. Desse total, 76,6% vive abaixo da linha da pobreza com uma renda inferior a US$ 1.20/dia. A inflação deverá fechar o ano numa taxa de 2.700%

Parte dessa verdadeira tragédia social é bastante visível. Milhares de venezuelanos fogem do país em busca de melhores condições de vida em países vizinhos. A cidade de Pacarana, no Norte do Estado de Roraima exemplifica essa tragédia. A região é a porta de entrada desses imigrantes no Brasil – até 800 venezuelanos chegam a cada dia e as estimativas do Governo Federal indicam que mais de 260 mil já vivem como refugiados no país. 

Um dos lados menos visíveis da tragédia da Venezuela é o que está se passando em áreas do Centro e do Sul do país, onde milhares de garimpeiros estão devastando áreas naturais em busca de minerais preciosos como ouro, coltan, bauxita e cobre, além de diamantes. Muito pior – essa enorme tragédia ambiental está sendo patrocinada e estimulada pelo Governo central do país. 

O Governo da Venezuela vinha anunciando desde, 2011, um megaprojeto de mineração: o AMO – Arco Mineiro do Orinoco. O projeto abrangia uma área poligonal de 112 mil km2 no Estado de Bolívar, onde as estimativas preliminares indicam a existência de mais de 7 mil toneladas em reservas de ouro, diamantes e outros minerais

Diversos grupos mineradores internacionais demonstraram interesse inicial, porém, devido à degradação das condições políticas do país, nenhum contrato foi fechado. Com o colapso da exploração petrolífera, que caiu de mais de 4 milhões de barris/dia para pouco mais de 300 mil barris/dia, o Governo da Venezuela resolveu partir para o vale-tudo: foram feitas mudanças na legislação para permitir a exploração mineral em praticamente todo o país. 

Oficialmente, o Plano Nacional de Mineração 2019-2025, do Governo da Venezuela, estabeleceu a mineração como uma prioridade para a “diversificação da economia” do país. Além da Região Amazônica, esse plano apresenta excelentes “oportunidades de negócios” na faixa Norte do país, onde se incluem reservas de feldspato, cal, areia e também áreas para a produção de carvão vegetal – inclusive, foi criada uma empresa para esse fim subordinada ao Exército venezuelano. 

De acordo com informações da RAISG – Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georrefenciada, já existem mais de 2 mil pontos de mineração “legalizada” pelo Governo venezuelano na Amazônia local, onde se estima que mais de 189 mil pessoas estejam trabalhando. Essas áreas de mineração são altamente predatórias ao meio ambiente, sendo que muitas delas estão dentro de áreas indígenas (ao menos 16 áreas). 

As maiores concentrações dessas áreas de mineração ou de garimpo estão concentradas nas bacias hidrográficas dos rios Cuyuni, Caroni, Paragua e Caura, no Estado de Bolívar, e dos rios Ventauri, Sipapo e Negro, nas cabeceiras do rio Orinoco, no Estado do Amazonas, todas dentro do território da Venezuela. 

A Floresta Amazônica ocupa uma área total de mais de 458 mil km2 na Venezuela, o que corresponde à metade do território do país. A maior parte da Amazônia venezuelana está concentrada ao Sul do rio Orinoco, justamente nos Estados do Amazonas e de Bolívar, os maiores do país. 

De acordo com estimativas do Governo da Venezuela feitas em 2019, esses garimpos produziram 25,4 toneladas de ouro, a maior produção anual já contabilizada no país. Porém, de acordo com analistas ligados à oposição, essa produção superou a cifra das 80 toneladas. Desvios de ouro nessas operações, a exemplo do que vimos em Serra Pelada aqui no Brasil, são comuns. 

Classificada como estratégica para a Venezuela, essa mineração foi colocada “sob controle” das Forças Armadas do país. Os militares, segundo relatos de muitos refugiados, têm ordens para eliminar qualquer fonte de problemas que impeçam o avanço das atividades mineradoras. Existem inúmeros postos do Banco Central da Venezuela por todas essas regiões, onde o ouro pode ser vendido “sem perguntas”. 

Grupos armados, inclusive antigos guerrilheiros da Colômbia, estão no controle dessas áreas de garimpo sob a proteção dos militares venezuelanos. Notícias de torturas, assassinatos e mortes de garimpeiros são praticamente diárias, porém, desde que o ouro e outros minerais valiosos continuem sendo produzidos, os militares e as autoridades da Venezuela continuarão a fazer vista grossa. 

Atividades de mineração, conforme já tratamos inúmeras vezes em postagens aqui no blog, são danosas ao meio ambiente, mesmo quando realizadas por empresas sérias com profissionais qualificados. No vale-tudo dos garimpos “legalizados” da Venezuela, essa extração vem sendo feito da maneira mais selvagem possível. 

O pacote inclui a devastação da cobertura florestal, dragas no leito e nas margens dos rios, uso de grandes volumes de mercúrio nos processos de separação do ouro de outros metais, confrontos e mortes de indígenas, torturas e muita violência. Estudos preliminares feitos por biólogos na região indicam altos níveis de contaminação nos rios por mercúrio. Como não existe, porém, o menor interesse do Governo em apoiar esse tipo de estudo, as informações disponíveis são muito limitadas. 

Com o salário mínimo na Venezuela valendo o equivalente a US$ 3.50/mês, milhares de pessoas tem abandonado a vida nas cidades e saído na direção desses garimpos para tentar a sorte. Além da extrema violência dos grupos que controlam essas áreas, essas populações se expõem aos riscos de doenças tropicais como a malária e a febre amarela, a falta de saneamento básico e de assistência médica, dificuldades para adquirir alimentos, escassez de transportes, entre outras dificuldades para as condições mínimas de vida. 

Nessa luta pela simples sobrevivência diária, quem é que se importa com a destruição do meio ambiente ou com a conservação da Floresta Amazônica? 

Publicidade

4 Comments

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s