A CAÓTICA MINERAÇÃO DO OURO EM SERRA PELADA

Serra Pelada

A mineração está no topo da lista das atividades humanas mais agressivas ao meio ambiente, especialmente quando se trata da degradação dos corpos d’água. Em uma longa série de postagens anteriores, tratamos dos problemas criados pelos mais diferentes tipos de atividades mineradoras em diferentes partes do mundo. Um dos destaques dessas postagens foi a “Ruina Montium”, a devastadora técnica criada pelos romanos – na falta de explosivos para desmontar e escavar as rochas, os engenheiros romanos se valiam da força hidráulica da água de rios represados. 

Um exemplo das consequências da Ruina Montium pode ser visto em Las Médulas, na província de León, na Espanha. A mineração nessas montanhas foi iniciada por volta do ano 25 a.C. e, ao longo de dois séculos seguintes, os romanos empregaram cerca de 60 mil trabalhadores livres em operações de lavra, retirando cerca de 1,65 milhão de quilos de ouro da região. O que restou no lugar faz lembrar as crateras da superfície da lua. Algo parecido aconteceu na Amazônia em um lugar que ficou conhecido como Serra Pelada, no Pará. Ao invés do uso da força da água, a antiga serra foi desmontada palmo a palmo pela força bruta de dezenas de milhares de homens.

Segundo conta a história oficial (que pode não ser necessariamente a história real) o agricultor Genésio Ferreira da Silva encontrou uma pepita de ouro com 13 kg de peso em suas terras, uma fazenda chamada Três Barras, no final de 1979. Em uma localidade pequena nos confins da Amazônia, onde quase nada de especial acontece, uma notícia como essa acabou correndo de “boca em boca” numa velocidade impressionante. Cerca de cinco semanas depois da descoberta, a fazenda Três Barras já havia sido invadida por cerca de 3 mil pessoas; no primeiro semestre de 1980, já se contavam 5 mil garimpeiros vindos de todo o Brasil, especialmente da Região Nordeste. Não tardou muito para o número de garimpeiros atingir a impressionante marca de 100 mil pessoas no auge das atividades.  

Entre essa verdadeira massa de aventureiros, temos de destacar a figura de Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Major Curió, um militar que fez “carreira” na chamada Guerrilha do Araguaia, ocasião onde militares do Exército brasileiro combateram militantes radicais de esquerda na década de 1970. Alçado à condição de líder do garimpo de Serra Pelada, o Major Curió passou a ser o representante do Regime Militar (1964-1985) no controle da situação. Em 1982, o Major Curió foi eleito Deputado Federal e, no mesmo ano, seu nome foi dado a cidade que se formou com a mineração em Serra Pelada – Curionópolis.  

Armados de pás, enxadas e picaretas, esse verdadeiro formigueiro humano escavou Serra Pelada entre 1980 e 1992, data em que a mineração a céu aberto foi proibida devido à falta de segurança. O morro com 150 metros de altura que existia no lugar desapareceu e no seu lugar foi deixado um lago com 24 mil m² de superfície e 200 metros de profundidade. Oficialmente, a produção de ouro em Serra Pelada foi próxima de 50 toneladas. O Governo Militar instalou uma agência da Caixa Econômica Federal junto ao garimpo, com o claro objetivo de controlar a produção e compra do ouro. Mesmo assim, muito ouro acabou seguindo por outros caminhos e não há como se ter certeza do volume total das descobertas – diferentes fontes de consulta falam de  volumes entre 100 e 400 toneladas do metal.  

A Companhia Vale do Rio Doce, na época uma empresa estatal, era quem detinha os direitos de lavra na Serra Pelada. Após a invasão da área do garimpo por dezenas de milhares de pessoas, as autoridades ponderaram sobre a viabilidade de uma intervenção de reintegração de posse, o que felizmente acabou não acontecendo – imagine-se os riscos de um confronto entre um verdadeiro “exército” de garimpeiros enlouquecidos pela “febre do ouro” e forças regulares do Governo. A Vale do Rio Doce desistiu de Serra Pelada e foi indenizada pelo Governo Federal.  

As escavações em Serra Pelada, ao contrário do que podemos supor ao ver fotografias da época que mostram um verdadeiro “formigueiro humano” (a imagem que ilustra essa postagens é de autoria do excepcional fotográfo Sebastião Salgado), eram extremamente organizadas, com trabalhadores divididos em funções muito específicas e sincronizadas. O terreno foi inicialmente dividido em “lotes” de 2 x 3 metros, que contavam inclusive com uma “escritura” de posse. Esses lotes foram disputados à força no início da mineração, mas, com a ação firme do Major Curió no controle do garimpo, esses lotes passaram a ser sorteados. Os donos desses lotes, chamados popularmente de “barrancos”, eram os “capitalistas – Serra Pelada chegou a possuir 300 “barrancos”.  

Na estrutura hierárquica do garimpo, a segunda posição era ocupada pelo “meia-praça”, uma espécie de mestre de obras responsável por organizar os trabalhos de escavação nos “barrancos”, recebendo uma comissão entre 2 e 5% sobre o volume de ouro encontrado. Respondendo ao “meia-praça” se encontravam o cavador, o apontador, o apurador e o “formiga”. O “formiga”, como o próprio nome diz, era o trabalhador responsável pela escavação do solo até que se encontrasse as rochas. Os sedimentos eram colocados em uma espécie de mochila, com peso de até 35 kg, que era transportada para fora da cava. Essa operação era feita subindo-se pelas escadas improvisadas nas encostas do morro, que recebiam o apelido de “adeus-mamãe”.  

O cavador era o profissional responsável pelo desmonte das rochas, o que era feito a golpes de picareta. Essa é uma das etapas mais importantes da mineração pois as pepitas de ouro ficam escondidas nas rochas. Contam as histórias dos garimpeiros que era comum se encontrar pepitas grandes, do tamanho de um limão galego. Além das pepitas, que eram facilmente identificadas, os sedimentos de rocha continham pequenos fragmento e pó de ouro. Por isso, esses sedimentos eram transportados para as áreas de lavagem. Nesses locais era montada uma calha coberta por mercúrio, onde a terra e os sedimentos escavados eram lavados pelo apurador. O mercúrio se liga ao ouro formando uma liga, que depois é submetida a um processo de aquecimento, onde o mercúrio evapora e só resta o ouro na bateia.  

Aqui vale uma nota: o mercúrio é um metal pesado altamente tóxico para os seres vivos. Os problemas começam durante o aquecimento, quando o apurador respira diretamente o vapor de mercúrio, que vai se acumulando no organismo até desencadear numa série de doenças, especialmente danos graves e irreversíveis no sistema nervoso central. Outro problema é a contaminação ambiental – o vapor de mercúrio se esfria rapidamente e o metal volta ao estado líquido, caindo sobre os solos. Carreadas pelas fortes chuvas da Amazônia, centenas de toneladas de mercúrio passaram a poluir os rios e a contaminar todos os seres vivos aquáticos em cadeia, começando com plantas e criaturas microscópicas, passando por peixes e chegando depois aos seres humanos que comiam peixes capturados nesses rios.  

Ao final de todo esse penoso processo, os ganhos com a venda do ouro, minuciosamente controlados pelo apontador, eram distribuídos entre toda a estrutura hierárquica dos “barrancos”, sendo transformado em uma espécie de moeda corrente, usada desde o pagamento de bebidas e refeições, até os “serviços” prestados por profissionais do sexo. Alguns poucos fizeram verdadeiras fortunas a partir desses ganhos. A grande maioria dos aventureiros de Serra Pelada mal conseguiu sair da miséria.  

A “febre do ouro” passou e a cruel realidade se mostra com toda a sua força. O que restou da Serra Pelada faz lembrar uma área de testes de armas nucleares – um grande buraco cercado de lembranças (boas e ruins) por todos os lados. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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