O MERCÚRIO E OS PEIXES DA BACIA AMAZÔNICA 

Alguns Estados brasileiros estão enfrentando um surto da Doença de Haff, conhecida popularmente como “doença da urina preta”. Conforme comentamos em uma postagem anterior, os médicos e os pesquisadores ainda não têm certeza da origem dessa doença – pode ser uma toxina liberada na água, um vírus ou até mesmo uma bactéria. 

As populações que vivem na Bacia Amazônica, tanto no território brasileiro quanto nos países vizinhos, principalmente as mais pobres, são ávidas consumidoras de peixes e de alguns tipos de crustáceos capturados nas águas dos inúmeros rios da região. Qualquer tipo de contaminação nesses animais pode afetar uma quantidade enorme de pessoas. 

Um problema que vem tomando conta das águas de muitos rios da Bacia Amazônica é o mercúrio, um metal pesado muito usado em garimpos ilegais para separar o ouro das impurezas. Já tratamos disso em postagens anteriores. O consumo de peixes e crustáceos contaminados com mercúrio pode provocar danos graves no sistema nervoso central, normalmente irreversíveis, que comprometem os sistemas sensoriais e motores. 

Todos os anos, milhares de garimpeiros e aventureiros dos mais diferentes recantos do país seguem para os confins da Floresta Amazônica para tentar a sorte na mineração do ouro. Se valendo da grandiosidade da floresta e da fiscalização precária dos órgãos responsáveis, margens de rios, florestas nacionais, áreas de preservação e também terras indígenas são invadidas sem a menor cerimonia. 

O ouro de aluvião encontrado no fundo e nas margens dos rios é o “objeto do desejo” dessas pessoas. Dragas são instaladas nas águas, margens tem a vegetação devastada e milhares de toneladas de terra e sedimentos são revirados sem quaisquer preocupações com os graves estragos ao meio ambiente. 

Uma das etapas mais críticas dessa atividade é a separação do ouro. O metal quase sempre é encontrado misturado com sedimentos ou outros minerais e é aqui que entra em cena o mercúrio, um metal em estado líquido a temperatura ambiente e altamente tóxico.  

Aquecido pela chama de um maçarico, o mercúrio se liga aos fragmentos de ouro formando uma amálgama. Essa amálgama depois volta a ser aquecida, momento em que o mercúrio evapora e resta apenas o ouro. A primeira vítima desse processo é próprio garimpeiro, que acaba inalando parte do vapor do mercúrio. 

Conforme esse vapor vai esfriando, micro gotículas de mercúrio vão caindo sobre os solos e águas do entorno do garimpo. De acordo com os estudos mais recentes, para cada 1 kg de ouro extraído nos garimpos, cerca de 1,32 kg de mercúrio é usado. Estimativas indicam que, nos últimos anos, a produção anual de ouro no Brasil tem se situado entre 80 e 100 toneladas, o que implica num consumo total de mercúrio entre 100 e 260 toneladas

O ciclo de contaminação do mercúrio se dá em cadeia e começa com sua absorção por micro algas, insetos, vermes e pequenos moluscos, que formam as comunidades bênticas ou bentônicas dos corpos d’água. Essas criaturas formam a base da cadeia alimentar e sustentam peixes, crustáceos, anfíbios e répteis menores, que por sua vez serão predados por espécies maiores.  

O mercúrio acompanha todo o ciclo da cadeia alimentar, passando de um organismo para outro, se acumulando em quantidades cada vez maiores ao longo do tempo. O mercúrio presente no organismo de peixes fatalmente contaminará qualquer ser humano que consuma suas carnes. Esse é um problema que vem crescendo na Amazônia. 

Um estudo realizado no Estado do Amapá e divulgado no final de 2020, nos dá uma clara ideia do nível de contaminação dos peixes por mercúrio – todos os peixes analisados apresentaram níveis detectáveis de mercúrio e 28,7% das amostras excederam o nível máximo recomendado pela OMS – Organização Mundial da Saúde. As espécies de peixes com os maiores níveis de contaminação são carnívoros de topo da cadeia alimentar, incluindo o pirarucu, o tucunaré e o trairão, algumas das espécies mais consumidas pelos moradores da Amazônia. 

Esse estudo foi realizado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz, do IEPA – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá, do WWF-Brasil e Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena. O estudo foi publicado na Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública. 

As reservas de ouro na Região Amazônica são estimadas em, pelo menos, 25 mil toneladas, o que equivale a cerca de US$ 300 bilhões. Num dos anos em que a produção de ouro na região bateu recorde – 1988, se alcançou a impressionante cifra de 216 toneladas e os ganhos foram de US$ 3 bilhões, valor equivalente a 3 vezes os ganhos com a exploração de minério de ferro em Carajás.  

Com toda essa verdadeira fortuna espalhada pelos rios e terras de toda a Amazônia, é de se esperar um número cada vez maior de garimpeiros, legais e ilegais, se aventurando na região e liberando quantidades cada vez maiores de mercúrio no meio ambiente. A contaminação das águas e dos peixes, desgraçadamente, continuará aumentando cada vez mais. 

Na Amazônia brasileira vivem cerca de 28 milhões de pessoas ou 13% da população do nosso país – isso nos dá uma ideia do tamanho da catástrofe de saúde que assistiremos nos próximos anos. 

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