AINDA FALANDO DO SISTEMA REPRESA BILLINGS / USINA HIDRELÉTRICA HENRY BORDEN

Na última postagem fizemos uma rápida apresentação do sistema de geração de energia elétrica Represa Billings / Usina Hidrelétrica Henry Borden. Esse sistema começou a ser construído na década de 1920 e foi fundamental para o processo de industrialização da Região Metropolitana de São Paulo. 

O projeto desse sistema considerou o aproveitamento do enorme desnível da Serra do Mar entre a região da Baixada Santista e o Planalto de Piratininga – são mais de 720 metros. As águas da Represa Billings, localizada no alto da Serra do Mar, são canalizadas através de um sistema de tubulações para a Usina Henry Borden em Cubatão, município no litoral de São Paulo, onde chegam com uma enorme energia e movem as turbinas da hidrelétrica. São 16 grupos geradores, com uma potência total instalada de 890 MW

Para alimentar a Represa Billings, o projeto previu o aproveitamento das águas de diversos rios da região, conhecida como Alto da Serra, como o rio Grande, principal formador do rio Pinheiros, Pequeno, Alvarengas, Bororé, entre muitos outros. Outro manancial importante era o rio Tietê, que tinha suas águas transpostas na direção da Represa Billings através de duas estações de bombeamento ou de traição, instaladas no canal do rio Pinheiros. 

Um dos argumentos usados pelos projetistas foi que esse sistema de transposição entre bacias hidrográficas ajudaria a amenizar os graves problemas criados pelas enchentes do rio Tietê, que há muito já criavam problemas para a população da cidade de São Paulo. Conforme já tratamos em inúmeras postagens aqui do blog, a cidade de São Paulo cresceu ocupando as várzeas e as margens dos seus rios – as grandes enchentes são uma resposta da natureza a todas essas agressões históricas. 

Esse sistema de bombeamento das águas do rio Tietê para a Represa Billings funcionou até o início da década de 1990. A intensa poluição das águas do rio Tietê, que foi transformado em uma vala de esgotos a céu aberto ao longo do crescimento das cidades da Região metropolitana, era transferida para a Represa Billings. Foi a nova Constituição Paulista de 1992 que proibiu essa transferência de águas, exceto em situações de emergência nos casos de chuva forte.  

Nas áreas de entorno da Represa Billings a situação dos mananciais também nunca foi das melhores. A conhecida Região do ABC Paulista, sigla dos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano, foi escolhida para sediar as fábricas da nascente indústria automobilística do Brasil. Além da energia elétrica gerada pela Usina Hidrelétrica Henry Borden, a Região do ABC tinha uma ligação fácil com o Porto de Santos através da Via Anchieta e de ferrovias, além da proximidade com grandes centros urbanos como a cidade de São Paulo. 

Uma das consequências diretas da abertura das indústrias automobilísticas na Região do ABC foi a atração de grandes contingentes de migrantes de outras regiões brasileiras, principalmente nordestinos, que buscavam melhores condições de vida. Além de empregos, esses migrantes precisam de moradias a “preços populares” e grandes terrenos próximos das margens da Represa Billings passaram a ser loteados

Aqui é preciso fazermos um parêntese importante – após a construção da Represa Billings a partir da década de 1920, as bucólicas e tranquilas paisagens das margens do reservatório foram transformados em sítios e chácaras de fim de semana para as famílias mais abastadas da Região Metropolitana de São Paulo, algo muito semelhante ao que aconteceu nas áreas de entorno da Represa Guarapiranga. Foram justamente esses grandes terrenos que foram transformados em loteamentos a partir do final da década de 1950 e começo dos anos 1960. 

Um grande exemplo de ocupação que surgiu às margens da Represa Billings é Eldorado, um dos maiores bairros do município de Diadema. Com uma população atual da ordem de 42 mil habitantes, o bairro é uma sucessão de construções improvisadas e com pouca infraestrutura urbana. A maior parte dos esgotos gerados no bairro correm diretamente para a Represa Billings. Estão sendo feitos grandes esforços para mudar essa situação, mas ainda falta muito. 

O movimento de ocupação ganhou muita força na década de 1970 e já no final da década de 1980, a população que vivia nas áreas de entorno da Represa Billings superou a marca de 1 milhão de habitantes, a grande maioria vivendo em casas sem abastecimento de água potável e sem coleta de esgotos (vide foto). Os despejos de esgotos de toda essa população tinham como destino final as águas da Represa Billings

Além de receber despejos de esgotos, domésticos e industriais, as águas da Billings também passaram a receber grandes volumes de resíduos sólidos. A mesma falta de cuidados com o destino final dos esgotos da população também se entendeu aos resíduos sólidos. Lixões e aterros improvisados passaram a surgir por todos os cantos – em períodos de chuvas fortes, partes desses resíduos acabavam sendo carreados na direção das águas da Represa.  

As águas das chuvas também provocam a percolação (na geologia se refere a passagem de água pelo solo e rochas permeáveis fluindo para reservatórios subterrâneos) de grandes quantidades de chorume, efluentes líquidos resultantes da decomposição de resíduos orgânicos desses lixões, que correm na direção do lençol freático e das águas da Represa. Mesmo sem receber mais as águas poluídas do rio Tietê, a Represa Billings continuava com suas águas altamente contaminadas.  

Aqui há um detalhe importante, que ilustra claramente como tratamos mal nossas fontes de água – cerca de 1,5 milhão de habitantes dos municípios do ABC Paulista já eram e ainda são abastecidos com as águas da Represa Billings e foi necessária a construção de uma barragem em um dos braços do reservatório para evitar a contaminação dessas águas com a poluição crescente. Essa barragem foi construída no início da década de 1980 e forma o Sistema Rio Grande

A intensa poluição que tomou contas das águas da Represa Billings forçou a redução da geração de energia elétrica na Usina Henry Borden em 75%, ficando limitada a 200 MW. O volume de energia elétrica que deixou de ser gerado na Usina corresponde a 50% da produção da Usina Hidrelétrica de Furnas. É importante se explicar por que isso aconteceu. 

Após passar pelas turbinas da Hidrelétrica Henry Borden, as águas vindas da Represa Billings são despejadas no rio Cubatão, que até poucas décadas atrás era um dos rios mais poluídos do Brasil. O município de Cubatão sediava um grande polo com indústrias altamente poluidoras do meio ambiente, sobretudo dos ramos químico e petroquímico. Por causa da intensa poluição, Cubatão ganhou a alcunha nada agradável de “Vale da Morte”. 

Em 1984, foi criado o Programa de Controle da Poluição de Cubatão e também a Comissão Especial da Serra do Mar, que faria a articulação entre os setores público, industrial e privado. Um dos principais objetivos dessas ações foi a reversão da poluição ambiental de Cubatão, que ficou a cargo da CETESB – Companhia Ambiental de São Paulo, com a participação das indústrias e da população local de Cubatão.  

Esse exitoso conjunto de ações mudou radicalmente os rumos de Cubatão, transformando o município em uma referência mundial no combate à poluição do ar, das águas e dos solos. E foi dentro desse contexto de combate à poluição que as águas poluídas vindas da Represa Billings passaram a ser um grande problema, daí a redução da produção de energia elétrica na Usina Henry Borden

Em tempos em que os reservatórios de grandes usinas hidrelétricas por todo o Brasil estão com baixos níveis e há riscos para a geração de energia elétrica, não poder usar integralmente todo o potencial de geração da energia da hidrelétrica Henry Borden por causa da poluição das águas da Represa Billings é uma grande ironia e um grande problema para todos nós.

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