
Estamos a poucos dias do início oficial do verão na Região Centro Sul do Brasil. No imaginário popular verão é tempo de férias, praia, muita cerveja gelada e um bocado de ócio. Por outro lado, esse é o período do ano em que mais chove em uma grande parte do país.
A temporada das chuvas, desgraçadamente, é também sinônimo de enchentes, alagamentos e deslizamentos de encostas, especialmente nas regiões urbanas. Conforme já comentamos em inúmeras postagens, vivemos em um país de climas predominantemente equatorial e tropical, sujeitos a fortes temporadas chuvas, porém, com cidades que não estão preparadas para fortes precipitações.
Ao longo dos últimos anos, as postagens que publicamos aqui no blog nesses períodos costumam estar repletas de notícias falando de tragédias provocadas por fortes chuvas, desmoronamentos de casas, bloqueios de rodovias, entre outros problemas.
Fico feliz em dizer que, pelo menos aqui na minha cidade, alguns projetos simples e baratos para o controle das águas pluviais estão saindo do papel. Ainda são bastante tímidos para revolver uma série de problemas que vem se acumulando há vários séculos aqui no Planalto de Piratininga, mas já nos dão alguma esperança de um futuro melhor.
Um dos projetos mais interessantes é o que foi batizado de jardins de chuva, uma ideia bastante simples e funcional. Trata-se da criação de áreas bastante permeáveis em pequenas praças, baixios de viadutos, sarjetas ou até mesmo em trechos das ruas destinados ao estacionamento de veículos. A foto que ilustra essa postagem mostra bem um desses casos.
A técnica de construção é ridiculamente simples – o terreno é escavado e transformado em um fosso profundo. Esse fosso é preenchido com pedras do tipo rachão, mesmo tipo utilizado para fazer a sub base de rodovias. Essas pedras são grandes e bastante irregulares, criando assim grandes espaços vazios entre elas.
Para finalizar, as pedras são cobertas com uma manta de drenagem, sobre a qual é colocada uma camada de solo fértil onde será feito o plantio de arbustos, flores e até mesmo de árvores. Qualquer um dos leitores que goste de jardinagem já percebeu que o processo é idêntico ao usado na preparação de vasos para plantas.
Agora vamos ao ovo de colombo – os jardins de chuva, estão conectados às sarjetas e outras áreas de drenagem através de canaletas, de modo que as águas das chuvas possam correr na sua direção e serem absorvidas rapidamente pelo solo poroso.
De acordo com informações da Subprefeitura da Sé, região central da Cidade de São Paulo onde o projeto foi iniciado, essas estruturas de drenagem permitem captar as águas dos primeiros 15 minutos da chuva, o chamado fisrt flush. Essa é uma água suja, repleta de sedimentos e resíduos de poluição. Somente depois que a área do jardim de chuva fica saturada de água é que o fluxo pluvial passa a escoar para as galerias de drenagem e outros sistemas de controle de águas pluviais.
O princípio básico de funcionamento dos jardins de chuva é o mesmo dos grandes piscinões já implantados na cidade. A diferença está na capacidade de armazenamento de água e, principalmente no custo, infinitamente menor. Com a simplicidade de construção e o baixo custo, a ideia da Prefeitura de São Paulo é encher a cidade com centenas desses jardins.
De acordo com informações da Prefeitura, a cidade de São Paulo já conta com mais de 230 jardins de chuva entre outros dispositivos de retenção como calçadas e escadarias verdes, sarjetas permeáveis, bosques de conservação urbana, vagas verdes, entre outros. A meta é atingir a marca de 400 jardins de chuva até o ano de 2024. O projeto foi iniciado em 2019.
O projeto paulistano vem colecionando prêmios, com destaque para o Certificado de Mérito no World Green City Awards, uma premiação bianual que reconhece iniciativas que recorrem a um maior uso de plantas e da natureza para ambientes urbanos. Segundo os organizadores da premiação, o projeto se destaca pela inovação e pelo potencial para ser replicado em outras grandes cidades do mundo.
São Paulo e outras grandes e médias cidades sofreram de um mal comum – um crescimento desordenado que resultou na destruição de áreas verdes e de uma intensa impermeabilização dos solos. Sempre que chega a temporada das chuvas, as populações dessas cidades passam a conviver com alagamentos de ruas e avenidas, além de sofrer com o risco do desmoronamento de encostas.
No caso de São Paulo, um dos maiores crimes ambientais cometidos foi um avanço desmedido contra as importantes áreas de várzea dos grandes rios da cidade como o Tietê, Pinheiros e Tamanduateí. Essas áreas alagáveis acomodavam com folga todos os excedentes de água das chuvas, se transformando em ambientes muitos parecidos com os chamados pantanais.
Com o rápido crescimento que a cidade experimentou a partir da década de 1860 com o Ciclo do Café, importantes áreas de várzea na região central da cidade passaram a ser aterradas e transformadas em lotes para a expansão imobiliária. Um desses casos foi o da Várzea do Carmo, que margeava o rio Tamanduateí e que despareceu para abrir espaços para a construção de trechos dos bairros do Cambuci, do Brás e do Parque Dom Pedro.
Nas primeiras décadas do século XX foi a vez de se transformar muitas dessas várzeas em “avenidas de fundo de vale”. Muitas das grandes avenidas de São Paulo foram construídas sobre córregos canalizados e/ou ao largo de suas margens. Exemplos são a Avenida do Estado, dos Bandeirantes, 23 de Maio, Tiradentes, Pacaembu, Anhaia Melo, as Marginais Tietê e Pinheiros, entre muitas outras.
E não foram só os grandes rios e córregos que sofreram com esse avanço – pequenos córregos por toda a cidade foram canalizados e depois aterrados, sumindo para sempre sob casas, galpões e edifícios. De vez em quando, durante alguma reforma ou construção de novos imóveis, trechos desses antigos cursos d’água são redescobertos.
Outro caso que precisamos citar foi a construção da Represa Billings a partir do final da década de 1920. Para alimentar a represa com as águas da bacia hidrográfica do rio Tietê, o rio Pinheiros passou por um intenso processo de retificação do seu curso, que antes era extremamente sinuoso e passou a ser retilíneo. O rio recebeu duas estações de traição ou de bombeamento, que passaram a desviar parte das águas da calha do rio Tietê para a Represa Billings.
A retificação do leito do rio Pinheiros “secou” grandes áreas de várzea, que depois foram transformadas em bairros. Esses são casos dos elegantes bairros do Alto de Pinheiros e do Jardim Paulistano, dois dos endereços mais caros de São Paulo.
O somatório de todos esses avanços da cidade sobre seus rios e córregos está na origem das sucessivas mega enchentes que, ano após ano, tomam conta da cidade nos meses de verão. A ideia dos jardins de chuva e de outros sistemas de drenagem localizados vão ajudar a minimizar esses impactos.
É claro que ainda é muito pouco para uma cidade gigantesca como São Paulo, mas é um bom caminho a ser seguido.
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[…] OS JARDINS DE CHUVA DA CIDADE DE SÃO PAULO […]
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