
Uma extensa região do Brasil Central está enfrentando a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. Conforme mostramos em postagens anteriores, a bacia hidrográfica do alto Rio Paraná é uma das mais severamente atingidas pela forte estiagem.
A barragem da Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira atingiu a poucos dias atrás o nível mínimo de operação, o que demonstra os grandes riscos de vivermos uma crise no fornecimento de energia elétrica nos próximos meses. Relembrando, o Governo Federal decretou no final do mês de maio um alerta conjunto de emergência hídrica para a área da bacia hidrográfica do rio Paraná, na região que abrange os Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná.
Mudanças climáticas globais parecem estar na raiz desse problema. As chuvas que caem sobre os continentes são formadas nos oceanos – o calor do sol faz a água evaporar e as grandes correntes de vento levam as nuvens de chuva na direção dos continentes. Com o aumento gradual das temperaturas do planeta, grandes massas de gelo nas regiões polares estão despejando grandes volumes de água doce nos oceanos, o que, por sua vez, provoca mudanças na temperatura superficial das águas, além de alterar correntes marítimas e ventos.
Essas mudanças nos oceanos têm se refletido no deslocamento das grandes massas de nuvens de chuva – algumas regiões estão recebendo volumes de chuva acima do normal, enquanto outras sofrem com a seca. A África é um grande exemplo disso – uma extensa região do continente está sofrendo com chuvas abaixo da média já a vários anos.
A região coberta pela Floresta Amazônica é destino de volumes fabulosos de chuva. Essa floresta, aliás, surgiu com a formação do Oceano Atlântico após a fragmentação do Supercontinente de Gondwana, um processo iniciado há cerca de 160 milhões de anos. Conforme a América do Sul foi se afastando da África, o Oceano Atlântico foi “crescendo” e formando volumes de nuvens de chuva cada vez maiores. Foram essas chuvas e a formação da Cordilheira dos Andes que possibilitaram a formação e o crescimento da maior floresta equatorial do mundo.
Processos de evapotranspiração na grande Floresta Amazônica geram enormes massas de nuvens, os chamados “rios voadores” que carregam umidade para outras regiões do Brasil e dos países vizinhos. Mudanças nos padrões climáticos globais podem estar alterando esse intrincado mecanismo e deixando várias regiões mais secas. Como ainda faltam estudos conclusivos para se confirmar tudo isso, não é possível se afirmar com absoluta certeza se é exatamente isso o que está acontecendo.
Além dos evidentes problemas climáticos globais, que a essa altura da história humana são inevitáveis, e que estão reduzindo as chuvas em várias regiões, existe uma enorme contribuição direta de nós brasileiros nessa crise hídrica. Desde o início de nossa colonização, estamos derrubando nossas florestas e queimando diversos biomas para a formação de campos agrícolas e pastagens para o gado. A foto que ilustra esta postagem dá uma pequena mostra dos impactos dessas ações nos rios.
Um exemplo que costumo citar com bastante frequência aqui nas postagens do blog foi a destruição pelo fogo de grande parte da vegetação da Caatinga para a formação de pastagens para a criação de gado. Como todos devem recordar das aulas de história no ensino fundamental, toda a faixa do litoral do Nordeste entre o Sul da Bahia e o Leste do Rio Grande do Norte foi transformada em um grande canavial.
Ao longo de mais de 300 anos, a Mata Atlântica foi sendo devastada e os férteis solos de massapê passaram a ser usados para o plantio da cana e seu posterior processamento para a produção do açúcar, um dos produtos mais valiosos naqueles tempos.
Além da devastação de uma das mais ricas florestas tropicais do mundo, a indústria canavieira contribui para a destruição de uma grande parte da Caatinga Nordestina. Os bois que eram criados na faixa litorânea costumavam invadir as plantações de cana e se deliciavam com os brotos adocicados da planta. As brigas entre plantadores de cana e criadores de bois resultaram na proibição de atividades pecuárias a menos de 60 km da costa. As boiadas foram expulsas para o interior nordestino.
A vegetação da Caatinga Nordestina é formada especialmente por cactáceas como o mandacaru, o xique-xique e a coroa-de-frade, plantas extremamente adaptadas ao clima semiárido. A flora local também inclui uma infinidade de árvores extremamente adaptadas as rigores do clima. O que menos existia nessa região naqueles tempos eram campos com gramíneas para sustentar as boiadas.
Os criadores de gado passaram a incendiar grandes extensões dos caatingais a fim de abrir espaço para a formação de campos. As cinzas resultantes da queima das madeiras fertilizavam os solos e a ajudavam na formação de pastagens. Essa solução, é claro, era temporária e, dentro de poucos meses, os solos se esgotavam, o que levava a queima de novos trechos da Caatinga.
O Semiárido Nordestino não é tão seco como muitos de vocês podem imaginar – a precipitação média anual de chuvas nessa região está entre 200 mm e 400 mm, superior àquela de cidades importantes como Barcelona e Paris, e muito acima da precipitação média no Deserto do Saara, que se situa entre 100 e 150 mm de chuva durante o ano. Essas águas abastecem inúmeros lençóis subterrâneos e aquíferos, que alimentam muitos rios de águas permanentes e temporárias.
Cerca de metade da vegetação nativa da Caatinga Nordestina já desapareceu, o que vem prejudicando, e muito, a recarga das reservas subterrâneas de águas. Não custa lembrar que as raízes da vegetação nativa são fundamentais no auxílio à infiltração da água das chuvas nos solos. Parte considerável da água das chuvas na região do Semiárido Nordestino acaba se perdendo por evaporação e os caudais de muitos riachos e rios definham ou até desaparecem. Muitos desses rios e rios são tributários do rio São Francisco, um dos mais degradados do país.
Outro bioma que tem sofrido com a destruição da vegetação nativa é o Cerrado, o segundo maior ecossistema do país. Existe aqui um enorme agravante: o Cerrado possui alguns dos maiores e mais importantes aquíferos do Brasil como o Guarani, o Bambuí e o Urucuia. Nada menos que oito grandes bacias hidrográficas brasileiras tem suas nascentes ou parte delas no Cerrado: Paraguai, Paraná, Parnaíba, São Francisco, Tocantins/Araguaia, Atlântico Leste, Atlântico Nordeste Ocidental e Amazônica.
Uma das características mais marcantes da vegetação do Cerrado são as grandes raízes das plantas, que evoluíram ao longo de milhões de anos para captar a água em aquíferos e lençóis profundos. Esses sistemas de raízes são fundamentais para a recarga desses depósitos de água subterrâneos no período das chuvas.
Com a transformação do Cerrado na principal fronteira agrícola do Brasil nas últimas décadas, grandes extensões da vegetação nativa vêm sendo substituídas por campos de soja, milho ou pastagens para o gado. Essas plantas tem raízes extremamente curtas quando comparadas com as espécies do Cerrado, o que dificulta, e muito, a infiltração de água nos solos.
A recuperação da cobertura vegetal em áreas do Cerrado e da Caatinga, entre outros biomas, é fundamental para a revitalização de bacias hidrográficas importantes como as dos rios São Francisco, Tocantins/Araguaia e Paraná. Já existem diversas iniciativas nesse sentido que, apesar de muito tímidas para o tamanho dos problemas, merecem ser conhecidas.
Falaremos de algumas delas nas próximas postagens.
[…] A REVITALIZAÇÃO DE GRANDES BACIAS HIDROGRÁFICAS BRASILEIRAS […]
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[…] Precisamos entender exatamente qual foi a causa desse fenômeno e, dentro do possível, buscar formas de se evitar que ele volte a se repetir. É bem provável que a recuperação ambiental de áreas degradadas pela agricultura intensa ajude a evitar a repetição do problema. E mesmo que não resolva esse problema específico, isso vai ajudar bastante na recuperação dos rios da região. […]
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