OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NAS CORRENTES MARÍTIMAS

As correntes marítimas são fundamentais para a regulação da temperatura da água dos oceanos, para a salinidade dessas águas, na distribuição de nutrientes que sustentam toda a cadeia alimentar na sua área de influência, na regulação do clima global, entre outras importantes funções. Falamos rapidamente sobre isso na postagem anterior

Uma das grandes preocupações entre os especialistas é o tamanho do impacto do aquecimento global e das mudanças climáticas sobre as correntes marítimas. Existem muitos estudos em andamento, com inúmeras perguntas sem uma resposta adequada. Já existem fortes evidências sobre alterações em algumas dessas correntes – o Oceano Índico é um desses casos. 

Um estudo de pesquisadores da Universidade de Washington e que foi publicado em 2018, indicou que houve uma desaceleração na AMOC – Circulação Meridional do Atlântico, na sigla em inglês, também conhecida como Corrente do Golfo, uma corrente marítima que leva água quente dos trópicos na direção do Polo Norte.  

Segundo os pesquisadores, o evento está ligado ao excesso de água doce resultante do degelo do manto do Ártico, especialmente na Groenlândia, e que está sendo despejada no Oceano Atlântico. As evidências paleoclimáticas sugerem que isso pode estar por trás de eventos abruptos de frio extremo no Hemisfério Norte. Qualquer semelhança com o enredo do filme “O dia depois de amanhã” não é mera coincidência. 

Os dados analisados compreenderam o período entre 1975 e 1998, e indicam que o evento deve durar cerca de duas décadas. Também há fortes indicações de que esse é um evento climático normal e cíclico, e que uma tragédia climática global como a mostrada no filme está muito longe de ocorrer. 

Corrente do Golfo se forma na altura da Flórida, no Sul dos Estados Unidos, a partir da junção das águas quentes de outras correntes vindas do Mar do Caribe. A corrente segue primeiro na direção das Ilhas Britânicas. Depois ela se divide e segue nas direções da Islândia, da Escandinávia e do Polo Norte.  

Essa corrente marítima é de extrema importância para a regulação do clima da Europa Ocidental, com destaque aqui para as Ilhas Britânicas. Sem a Corrente do Golfo, citando um exemplo, os invernos nessas ilhas seriam muito mais rigorosos. A largura dessa corrente é de aproximadamente 90 km e sua velocidade é de 2 metros/segundo, o que resulta na movimentação de 20 milhões de m³ de água por segundo. 

Um outro estudo publicado em 2020, trouxe uma conclusão diferente – as correntes marítimas estão acelerando. De acordo com os pesquisadores, os ventos que circulam sobre os oceanos estão aumentando a sua velocidade a uma taxa de 1,9% a cada década. Parte da energia dos ventos é transferida para as águas da superfície, que depois influenciam a velocidade das águas mais profundas.  

Desde a década de 1990, se observaram aumentos na velocidade cinética em cerca de 76% das águas dos oceanos a 2 mil metros de profundidade. De acordo com as conclusões desse estudo, as velocidades das correntes oceânicas aumentaram cerca de 5% desde o início da década de 1990. 

A diferença nas conclusões dos dois estudos mostra o quanto precisamos entender sobre os impactos das mudanças climáticas sobre os oceanos e suas correntes. Como todos devem saber, os oceanos cobrem cerca de 2/3 da superfície do planeta e, devido ao seu tamanho, eles são fundamentais para o armazenamento e distribuição do calor gerado pelo Sol em todo o mundo. As correntes marítimas locais e globais transportam esse calor pelas diferentes partes do mundo, sendo fundamentais para a regulação do clima em todo o planeta. 

Entre muitas perguntas sem respostas, já existe pelo menos uma certeza – se as temperaturas globais continuarem aumentando, a velocidade dos ventos também aumentará e, como consequência, resultará em maiores aumentos na velocidade das correntes marítimas. Trata-se de um grande quebra-cabeças ainda a ser montado. Entender corretamente esse mecanismo é vital para se determinar quais serão suas consequências no clima e nas temperaturas em diversas regiões, além é claro da compreensão dos impactos para a vida marinha. 

Outra importante corrente marítima que está seriamente ameaçada pelo aquecimento global é a Corrente de Humbolt, que se forma no Sul do Oceano Pacífico próximo ao Oceano Antártico e segue ao longo da costa Oeste da América do Sul. A FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, é um dos organismos internacionais que tem demonstrado as maiores preocupações com essa possibilidade. 

De acordo com dados da FAO, as águas frias e ricas em nutrientes da Corrente de Humbolt produziram, em média, 9,35 milhões de toneladas de peixes, moluscos e crustáceos no período entre 2005 e 2015. O Chile, o Peru e também o Equador foram os grandes beneficiados com toda essa produção. Entretanto, há um, porém aqui: o organismo identificou uma tendência de redução no volume de pescados. As causas são os planos de manejo dos países, a superexploração em algumas áreas e também as mudanças climáticas

Segundo as projeções da FAO, o aumento das temperaturas do planeta poderá desencadear uma redução do volume de nutrientes que são carregados pela Corrente de Humbolt, o que implicará diretamente numa redução dos estoques de fitoplâncton e de zooplâncton, micro-organismos que formam a base da cadeia alimentar dos oceanos. Essa redução é estimada em 33% nas áreas Norte e Central da Corrente, e em 14% na área Sul

Reduções dessa magnitude nos estoques de alimentos, é claro, terão como consequência uma redução na produção pesqueira (vide foto). Para uma parte importante das populações desses países, as proteínas dos pescados são fundamentais para a dieta alimentar, em especial para as faixas mais pobres. Também haverá impactos econômicos para os países uma vez que parte do que é pescado é exportado.  

Mudanças na Corrente de Humbolt também poderão resultar em graves consequências para o clima global. Os fenômenos climáticos El Niño e La Niña são decorrentes de variações na temperatura das águas superficiais de uma extensa área no Centro do Oceano Pacífico – essas temperaturas são influenciadas em parte pelas águas da Corrente de Humbolt

Correntes marítimas são complexas – algumas estão localizadas na superfície, outras em profundidades abaixo dos 300 metros. Elas podem se mover tanto horizontalmente quanto verticalmente, podendo ter abrangência local ou global. Muita coisa ainda precisa ser descoberta e avaliada para que se possa entender de verdade o que está acontecendo e o que poderá acontecer. 

Como diz um velho ditado – só quem viver, verá… 

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