FALANDO UM POUCO SOBRE AS CORRENTES MARÍTIMAS

Localizada a pouco mais de 150 km ao Leste da cidade do Rio de Janeiro, a região de Cabo Frio surpreende pela beleza. Em um belíssimo trecho de litoral de menos de 40 km, você encontra Arraial do Cabo, Cabo Frio (vide foto), a Lagoa de Araruama, a Praia do Peró (meu cantinho favorito na região) e a sofisticada Armação de Búzios mais ao Norte, entre muitos outros lugares legais.  

As águas do mar costumam ser cristalinas e cheias de vida. Os entendidos afirmam que esse é um dos três melhores trechos do litoral do Brasil para a prática do mergulho. As reclamações que eu tenho do lugar são duas: nos feriados prolongados a região fica lotada demais e as águas do mar são muito geladas para o “meu gosto”. Foram justamente essas águas frias que motivaram a escolha do nome do lugar – Cabo Frio.

Em relação à primeira reclamação, não há muito o que fazer. Já a segunda, essa tem uma explicação científica que muito interessa ao blog: esse trecho do litoral brasileiro é propício para o afloramento de águas frias de uma grande massa conhecida como Água Central do AtlânticoEsse fenômeno é conhecido como ressurgência

A origem desse processo oceanográfico de afloramento da massa de águas frias é a Corrente das Malvinas, que em muitos manuais estrangeiros será apresentada como Corrente das Ilhas Falklands, que se estende desde o Oceano Antártico até a região Sudeste do Brasil. Entre os meses de setembro e março, o regime de ventos alísios da Região Nordeste afasta a Corrente do Brasil, uma grande massa de águas quentes e pobres em nutrientes para longe da costa brasileira, o que permite que as águas frias e ricas em nutrientes aflorem junto ao litoral. 

As correntes marítimas de águas frias são extremamente ricas em nutrientes e costumam circular em regiões afóticas (onde a profundidade impede a penetração de luz solar), locais onde existe pouca vida marinha para consumir esses nutrientes. Quando essas águas fluem para locais com baixa profundidade ocorre uma intensa proliferação de fitoplanctonsmicroorganismos aquáticos microscópicos que têm capacidade fotossintética e que vivem dispersos flutuando na coluna de água. Esses micro-organismos formam a base da cadeia alimentar dos oceanos. 

Os consumidores primários dos fitoplântons são micro-organismos microscópicos conhecidos como zooplâncton, que por sua vez são alimentos consumidos por pequenos peixes, crustáceos e vermes, que alimentarão peixes cada vez maiores sucessivamente. A pesca comercial é uma das atividades econômicas mais importantes da região de Cabo Frio. 

Um outro exemplo de corrente marítima importante aqui na América do Sul é a Corrente de Humbolt, que é formada nas proximidades do Oceano Antártico e segue pelo Oceano Pacífico na direção Norte, percorrendo toda a costa do Chile até chegar na faixa central da costa do Peru. Essa corrente é superficial e deixa todo esse trecho da costa com águas geladas. Rica em nutrientes, a corrente de Humbolt torna essas águas uma das mais piscosas do mundo. 

Outra corrente marítima importante que podemos citar aqui é a Corrente de Benguela. Essa corrente se forma ao Sul do Oceano Atlântico em paralelo à Corrente das Malvinas e segue em direção ao Sudoeste da África, mais precisamente no entorno da região de Benguela, em Angola. A partir desse ponto as águas são desviadas para o Noroeste, acompanhando o sistema de ventos conhecido como Giro Oceânico do Atlântico Sul, que também é conhecido como Anticiclone do Atlântico Sul e Anticiclone de Santa Helena. As águas dessa corrente chegam até o litoral do Nordeste Brasileiro. 

Uma curiosidade: em 1984, o navegador brasileiro Amyr Klink realizou a travessia do Oceano Atlântico em um barco a remo, percorrendo cerca de 7 mil km desde a Namíbia até chegar no litoral da Bahia. A estratégia usada por Amyr foi a de seguir a Corrente de Benguela. Há época eu trabalhava na empresa que fez a instalação dos equipamentos eletrônicos e do sistema de radiocomunicação do Paratii (nome do barco) e fiquei impressionado com a coragem do navegador em enfrentar essa travessia com aquele “barquinho feito de chapas de madeira compensada”. Graças a Deus e a Corrente de Benguela, tudo acabou dando certo. 

Além dessas correntes marítimas citadas, todos os oceanos e mares do nosso planeta são atravessados por outras inúmeras correntes marítimas. As correntes marítimas podem ser definidas como fluxos de água com características comuns: águas quentes, águas frias, salinidade, presença de nutrientes, etc. Existe uma relação direta entre as correntes marítimas, o clima e a distribuição de calor na superfície dos mares e oceanos, o que torna essas grandes massas de água em um importante fator climático

Em função do movimento de rotação do planeta e do Efeito Coriolisuma força inercial que atua sobre um corpo cujo sistema de referência encontra-se em rotação, as correntes marítimas têm diferentes sentidos de circulação nos dois hemisférios: no Hemisfério Norte as correntes marítimas tendem a circular no sentido horário – já no Hemisfério Sul, o sentido de rotação tende a ser anti-horário, a exemplo do que ocorre com a Corrente de Benguela

O sentido de rotação ou a direção que uma determinada corrente marítima segue organiza toda a vida das espécies marinhas que habitam dentro de sua área de influência. Exemplos são as rotas de migração e o ciclo de vida das espécies que são regidos pelos fluxos de alimentos carreados pelas correntes marítimas. As atividades pesqueiras seguem essas espécies ao longo do ano. 

Outros fatores determinantes para a formação das correntes marítimas são os deslocamentos dos ventos e das massas de ar, a pressão atmosférica, as diferentes temperaturas das águas, a salinidade, a configuração do relevo no fundo do oceano e até mesmo o formado dos continentes e das ilhas oceânicas. Todo esse conjunto de fatores, que modelaram as correntes oceânicas existentes em nosso planeta, foram se consolidando e se estabilizando ao longo das eras e acompanhando a formação da Terra – falamos aqui de alguns bilhões de anos. 

Uma das grandes preocupações que derivam do aquecimento global e do aumento das temperaturas planetárias é o quanto essas mudanças ambientais poderão influir na dinâmica das correntes marítimas. Um exemplo real dessas preocupações é o que está acontecendo no Oceano Índico. 

De todos os oceanos do planeta, o Índico é o que vem apresentando um aquecimento mais acelerado de suas águas. Esse aquecimento está provocando mudanças climáticas nas correntes marítimas, nos ventos e na formação das massas de chuva. Na África, essas mudanças se refletem em chuvas irregulares na faixa Leste e Sul do continente, o que vem provocando chuvas abaixo da média na África do Sul e secas em várias regiões. No Subcontinente Indiano e em todo o Sudeste Asiático essas alterações vêm afetando o ciclo das Chuvas da Monção, com alterações nos períodos e nos volumes das chuvas, além de provocar uma rápida elevação no nível do mar em algumas regiões. 

Além de todo um conjunto de mudanças climáticas no planeta, eventuais mudanças nos padrões das correntes marítimas poderão prejudicar ainda mais os estoques pesqueiros dos oceanos, que já sofrem intensamente com a sobrepesca. Centenas de milhões de pessoas, especialmente das camadas mais pobres das populações, dependem da proteína dos pescados para complementar sua dieta alimentar. A perda dessa importante fonte de alimentos poderá amplificar os efeitos da fome e da subnutrição em muitas regiões do mundo. 

As mudanças climáticas já estão em andamento e são irreversíveis – muitos líderes mundiais e alguns países estão se empenhando para reduzir ao máximo o aumento da temperatura planetária e assim conseguir minimizar os efeitos dessas mudanças no clima mundial. Resta saber quais serão seus impactos nas correntes marítimas. 

Torçamos sempre pelo menor dos males… 

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6 Comments

  1. […] Em dezembro de 2020, um peixe-leão foi capturado por mergulhadores em Fernando de Noronha, arquipélago que fica a mais de 350 km do litoral de Pernambuco. Três outros exemplares foram capturados em agosto de 2021. Segundo os especialistas, é provável que ovas fecundadas da espécie tenham sido arrastadas até o arquipélago pelas correntes marítimas.  […]

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