
Quem está acompanhando os noticiários já deve ter percebido que o clima na Ucrânia está ficando cada vez mais quente. Tropas da Rússia ameaçam invadir duas províncias separatistas com maioria da população de etnia russa. Enquanto isso, Os Estados Unidos tem subido o tom e estão ameaçando a Rússia com uma série sanções de ordem econômica, além de estar mobilizando tropas para uma possível reação militar.
Um leitor médio talvez se pergunte: qual a importância de um embate entre países que ficam do lado outro lado do mundo? Sem nos perdermos em inúmeras questões geopolíticas, corremos o risco de sentir um pesado aumento no custo do pão nosso de cada dia. Explicando:
A Rússia é um grande produtor de trigo – de acordo com dados da CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento, o país produz cerca de 74 milhões de toneladas de trigo a cada ano. A Ucrânia produz cerca de 33 milhões de toneladas ano. O maior produtor mundial é a União Europeia, com uma produção de mais de 150 milhões de toneladas.
Um conflito entre a Rússia e a Ucrânia tem potencial para abalar o abastecimento de trigo em todo o mundo. O Brasil não é um grande produtor de trigo – nossa produção é suficiente para atender cerca de metade do nosso consumo. A diferença é importada de países como Argentina, Canadá e Estados Unidos, com pagamento feito em dólar.
A produção mundial de trigo não vem andando muito bem nesses dois últimos anos, principalmente na União Europeia. Com o início da epidemia da Covid-19 em 2020, muitos dos trabalhadores da agricultura foram obrigados a voltar para seus países de origem por causa das políticas de restrição à circulação de pessoas. A maior parte desses trabalhadores vem de países do Leste Europeu como a Polônia, Bulgária e Geórgia.
Com a redução da oferta de trigo no mercado internacional, os preços vêm subindo fortemente – essa é a famosa lei da oferta e da procura. Num mercado que já vive com escassez, a perspectiva de uma redução ainda maior na oferta por causa do conflito na Ucrânia produz mais nervosismo e mais aumentos de preços.
E as preocupações com os preços dos grãos não se limitam apenas ao trigo. A cotação da saca de soja fechou hoje, 23 de fevereiro, a R$ 194,00. A demanda internacional pelo grão, que é usado em sua maior parte para a produção de ração para aves e suínos, está sendo muito forte. A China é um dos maiores consumidores de soja do mundo.
Aqui na América do Sul, como todos devem estar acompanhando pelos noticiários, acabamos de passar por um período de forte seca em várias regiões do Brasil, do Paraguai e da Argentina. Depois, muitas regiões produtoras – especialmente no Centro-oeste brasileiro, passaram a enfrentar fortes chuvas justamente no momento da colheita. Valendo a mesma lei da oferta e da procura – a redução na oferta do grão resulta num aumento dos preços.
Apesar dos altos preços serem um grande negócio para os produtores, que lucram muito com a exportação da soja, para os consumidores do mercado interno a situação é problemática. Com os preços do grão mais altos, as rações usadas pelos criadores de aves e de suínos também sobe, o que vai resultar em altas nos preços das carnes e dos ovos.
Outro grão essencial para a produção de rações é o milho, produto que também está escasso no mercado. No último inverno, muitos de vocês irão se lembrar, uma poderosa frente fria entrou pelo Sul do Brasil e causou fortes geadas, resultando na destruição de parte importante das lavouras de milho da região. Nos Estados Unidos, maior produtor mundial de milho, os problemas foram provocados pela seca no Meio-oeste.
Um grão importante para a vida dos brasileiros e que sofreu uma forte alta nos últimos tempos foi o café. O produto fechou o ano de 2021, com uma alta de 50% em seu preço. De acordo com os especialistas da área, a alta no preço do café foi uma consequência da forte estiagem que atingiu parte das regiões produtoras.
Também não podemos deixar de falar da alta de cerca de 40% no preço do arroz ao longo de 2021. As causas aqui são diversas: o aumento no consumo mundial, a redução das exportações de grandes produtores como a China, a Índia e o Vietnã, a alta do dólar e também os aumentos de insumos agrícolas como os fertilizantes.
Até algumas décadas atrás, o caminho entre as lavouras e os consumidores era bem mais simples. O feijão e o arroz, alimentos dos mais tradicionais da mesa dos brasileiros, saiam do campo e iam diretamente para as cidades, sem muitos intermediários. Atualmente, com a internacionalização cada vez maior da economia dos países, as coisas ficaram bem mais complicadas.
Se os chineses querem comer mais carne de porco, eles passam a importar volumes cada vez maiores de soja. Sobra para os moradores das regiões mais pobres das cidades brasileiras, que tradicionalmente sempre tiveram os ovos como a principal proteína de suas mesas – a soja mais cara eleva o preço da ração, o que vai se refletir em ovos mais caros.
Uma nevasca fora de época no Meio-oeste dos Estados Unidos ou uma seca mais forte no Centro-oeste do Brasil são suficientes para mexer com o mercado mundial do milho e da soja. Ou então, chuvas da Monção mais forte no Sul e no Sudeste da Ásia podem comprometer o fornecimento mundial de arroz e mandar os preços para as nuvens.
A pior parte dessa história: gente que nem imagina onde fica a Ucrânia ou o Vietnã, está sentindo no bolso a alta nos preços do trigo e do arroz, além de muitos outros alimentos que estão tendo seus custos pressionados por outros problemas climáticos e políticos pelo mundo afora.
Esse nosso mundo está ficando mesmo muito complicado…
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