
Estamos vivendo um período complicado da história da humanidade. Existem sinais por todos os lados que indicam que o mundo inteiro vai enfrentar uma profunda recessão econômica. Ondas de calor e seca em todo o Hemisfério Norte estão ameaçando o abastecimento de populações, a produção agropecuária, os transportes fluviais e a geração de energia elétrica.
O conflito regional entre a Rússia e a Ucrânia está tendo fortes consequências em grande parte do mundo. Os dois países são grandes produtores agrícolas e o conflito ameaça parte do abastecimento mundial de grãos. Nessa equação também entram os fertilizantes produzidos na Rússia e que estão sob embargo internacional.
Também precisamos falar da crise energética, que tem como um dos pivôs o fornecimento de gás natural da Rússia para grande parte da Europa. Parte considerável da geração de energia elétrica dos países europeus utiliza gás natural vindo da Rússia, fonte que literalmente “secou” nos últimos dias.
Momentos de crise para muitos sempre significam possibilidades de ganhos para uns poucos. E falando especificamente da produção de alimentos, o Brasil está se dando bem. Com a valorização de grãos como a soja, o milho, o açúcar e o café, os produtores brasileiros estão vendo a possibilidade de bons lucros.
O país também está se dando bem nas exportações de proteína animal, especialmente a carne suína e de aves. Quem se preparou e tem excedentes de alimentos para vender nesse momento em que o mercado está comprando, está se dando muito bem.
Uma situação paradoxal é a que está se passando na nossa vizinha Argentina. O país, que desde das últimas décadas do século XIX, sempre foi um grande exportados de grãos e de carnes, entrou numa espiral de desmonte da sua importante agropecuária.
Em primeiro lugar, precisamos falar que a Argentina vem enfrentando problemas com a falta de chuvas e/ou chuvas abaixo da média, com baixos níveis em muitos rios importantes. Essa situação se repete há cerca de 3 anos. Há pouco mais de um ano, inclusive, publicamos uma postagem aqui no blog falando da seca no trecho argentino do rio Paraná e dos transtornos para o escoamento da safra agrícola por via fluvial.
A seca não é um problema exclusivo dos nossos “hermanos” – Estados brasileiro da Região Sul, que ficam nas mesmas latitudes da Pampa Argentina, a grande área de produção agropecuária do país, também vem enfrentando problemas semelhantes.
Os argentinos, desgraçadamente, conseguiram piorar o tamanho dos problemas desses setores. Vivendo uma profunda crise econômica e social, o Governo do país aumentou as alíquotas de impostos de vários produtos agrícolas ainda em 2020. A soja, o farelo e o óleo de soja, três dos principais produtos agrícolas o país, tiveram as alíquotas aumentadas de 30 para 33%, o que desestimula os produtores.
Uma outra medida desastrosa foi a imposição de limites para a exportação de carne, com muitos tipos de cortes tendo a sua exportação proibida. Segundo o Governo, essa medida tinha como objetivo garantir o abastecimento do mercado interno, o que acabou não acontecendo. Esse tipo de medida, como nos ensinou a nossa própria história, acaba gerando desabastecimento no médio e longo prazo.
Quem é um pouco mais velho deve se lembrar dos malfadados planos econômicos criados durante o Governo do Presidente José Sarney. Em março de 1986, o Governo lançou o Plano Cruzado, um conjunto de medidas econômicas concebidas para controlar a inflação galopante que atormentava os brasileiros na época.
Entre outras medidas, o Plano Cruzado criou um tabelamento de preços. Bastaram poucas semanas para muitos produtos desaparecerem das prateleiras dos supermercados – especialmente os alimentos. Sugiram os “fiscais do Sarney” que, entre outras atividades, vasculhavam as fazendas em busca dos bois em pé. Preços congelados desestimulam os produtores, que simplesmente preferem encerrar ou reduzir a sua produção.
Os problemas argentinos ganharam um “fôlego extra” com a crise dos fertilizantes desencadeada pelo conflito entre a Rússia a Ucrânia. Os preços destes insumos no mercado internacional aumentou muito em dólar, o que atingiu em cheio um país que está tendo enormes dificuldades com a sua balança de pagamentos.
A agropecuária responde por metade das exportações da Argentina, em especial com produtos como o trigo, a soja e as carnes. A seca, o aumento dos impostos e as cotas para o volume de exportações de carne funcionaram com uma espécie de “tiro no pé”, reduzindo o volume de exportações e, consequentemente, de receitas externas que entram no país.
Para piorar o cenário, o Banco Central da Argentina utiliza uma política de câmbio bastante complicada, com diferentes cotações para o dólar para diferentes setores econômicos. Os exportadores são remunerados com uma cotação do dólar menor, porém são obrigados a pagar por fertilizantes e insumos agrícolas com um dólar mais caro. Ou seja – é uma conta que não fecha e desestimula os produtores, que produzem menos a cada ano que passa.
Um exemplo é a produção de trigo, que caiu cerca de 6% em relação as últimas safras. A Argentina sempre foi uma grande produtora e exportadora de trigo. Desde o início do conflito na Ucrânia a seis meses, o preço do trigo no mercado internacional sofreu uma alta de 29%. Ou seja, nossos “hermanos” poderiam estar ganhando um ótimo dinheiro com a exportações de trigo, dinheiro que seria muito bem-vindo num momento de forte crise econômica no país.
Infelizmente, medidas populistas adotadas pelos últimos Governos do país têm arrastado a Argentina cada vez mais para a lama. A inflação está nas alturas e cerca de 40% da população vive em condição de pobreza extrema. E o país que já foi um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, cada vez mais sofre diante do espectro da fome, da pobreza e das incertezas para o futuro.
E nem dá para jogar toda a culpa na conta das mudanças climáticas globais…