O RIO PARAÍBA DO SUL E SUAS ÁGUAS DISPUTADAS POR TRÊS ESTADOS BRASILEIROS

O rio Paraíba do Sul é paulista de nascimento, fluminense por vocação e mineiro por extensão. O rio tem suas nascentes num trecho da Serra do Mar e, durante milhões de anos, foi um dos principais formadores do rio Tietê. Uma sucessão de eventos geológicos alterou o seu curso, transformando suas águas numa das mais disputadas do Brasil. 

Fruto da junção dos rios Paraibuna e Paraitinga, cujas nascentes brotam nas encostas da Serra da Bocaina em São Paulo, o rio Paraíba do Sul poderia ser mais um entre tantos rios pequenos e de pouca importância caso a natureza o tivesse direcionado rumo ao Oceano Atlântico, a poucas dezenas de quilômetros de sua nascente. A mãe natureza, caprichosa, soergueu os terrenos da Serra do Mar e fez o Paraíba do Sul seguir rumo ao Oeste, despejando suas águas inicialmente na bacia hidrográfica do rio Tietê. 

A guinada na história do rio se deu a partir da ocorrência de um fenômeno conhecido na geologia estrutural como Graben ou fossa tectônica. O movimento combinado de falhas geológicas paralelas ou quase paralelas levou ao afundamento de uma longa linha de terrenos, resultando na formação do que conhecemos hoje como Vale do rio Paraíba do Sul. Sem entrar em maiores detalhes, esse tipo de afundamento ocorreu devido à movimentação das Placas Tectônicas, também conhecida como Tectônica Global – se ficou curioso, pesquise sobre isto. 

A palavra Graben é de origem alemã e significa escavação ou vala. Os paredões que cercam a área afundada são chamados de Horst. Em algum momento, após a separação do grande bloco que forma a América do Sul daquele que forma a maior parte da África (originalmente, esses e outros blocos formavam o antigo supercontinente de Gondwana), ocorreu uma grande fratura nos solos da região onde hoje se encontra o Vale do rio Paraíba, separando a Serra do Mar da Serra da Mantiqueira.  

Esse afundamento nos solos da região desviou as águas do rio Paraíba do Sul para o Norte, formando um grande lago onde hoje encontramos os municípios de São José dos Campos e Taubaté. Com o passar do tempo, falando aqui em milhões de anos na escala do tempo geológico, o rio foi escavando seu curso até se encontrar com as águas do Oceano Atlântico. 

Em língua tupi, Paraíba significa algo como “rio de navegação impraticável” ou, segundo alguns linguistas, “rio que é um braço do mar”. Os primeiros europeus que exploraram o território brasileiro após o descobrimento encontraram um rio no território do atual Estado da Paraíba que era chamado assim pelos indígenas. Esse rio acabou sendo batizado inicialmente como rio São Domingos, mas depois acabou sendo chamado de rio Paraíba. Anos depois, foi encontrado um outro rio no litoral do Rio de Janeiro com o mesmo nome indígena e que passou a ser conhecido como rio Paraíba do Sul. 

Historicamente, o rio Paraíba do Sul foi fundamental para o povoamento, abastecimento, transportes e comunicações entre dezenas de cidades de uma extensa faixa territorial no interior do país (lembrando que a colonização do Brasil, durante séculos, se concentrou no litoral). O café, por exemplo, cultura que mudou dramaticamente os rumos econômicos do Brasil, começou a ser produzido em larga escala no trecho fluminense do Vale do Rio Paraíba, para só depois rumar para outras regiões.  

Um momento marcante da nossa história e que tem impactos até hoje entre os brasileiros se deu quando pescadores encontraram a imagem da Santa Padroeira do Brasil – Nossa Senhora Aparecida, nas águas do rio há cerca de 300 anos. O local foi transformando num centro de peregrinação religiosa, recebendo milhões de romeiros a cada ano. Nas últimas décadas, esse trecho do Vale do rio Paraíba foi transformado num polo de industriais de tecnologia de ponta, com destaque para as indústrias aeronáutica, de informática e metal/mecânica. 

Em terras fluminenses, a região de destaque ao longo das margens do rio Paraíba do Sul é Volta Redonda, a sede da CSN – Companhia Siderúrgica Nacional. Fundada em 1946, a CSN é a maior usuária individual de águas do rio, com um consumo da ordem de 10 m³/s. Para efeito de comparação, essa é a mesma demanda industrial de todo o trecho paulista do rio. Durante muitas décadas, a CSN foi uma das maiores poluidoras das águas do rio Paraíba do Sul. 

A poluição, aliás, é um dos maiores problemas ambientais do rio. Em uma disputa nada virtuosa, que conta com o Tietê (trecho da Região Metropolitana de São Paulo), Iguaçu no Paraná e Ipojuca de Pernambuco nas três primeiras posições, o Paraíba do Sul já está ocupando o 5° lugar na classificação geral dos rios mais poluídos do Brasil – em 2010, o rio estava na 9° colocação. O levantamento foi feito pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 

De acordo com a Ana – Agência Nacional de Águas, de um total estimado de 365 milhões de m³/ano de efluentes domésticos lançados na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, apenas 54,5 milhões de m³/ano ou apenas 15% do total de efluentes recebem um tratamento adequado. Essa conta não inclui os efluentes industriais que, apesar do rígido controle dos órgãos ambientais, ainda é lançado clandestinamente por muitas empresas. Também não são nada desprezíveis os volumes de efluentes originados em áreas de mineração, resíduos sólidos, sedimentos da mineração de areia, entre outros.

Quando esses dados sobre o lançamento de esgotos domésticos é analisado a partir das informações de cada Estado, percebe-se uma enorme discrepância nos índices de tratamento: enquanto os municípios da área paulista da bacia hidrográfica tratam, em média, 54,3% dos efluentes domésticos, no Estado de Minas Gerais o valor cai para 7,2% e no Rio de Janeiro são 5,7%. 

Para complicar um pouco mais a complexa equação do rio Paraíba do Sul, suas águas também são usadas no abastecimento de 14 milhões de pessoas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e, principalmente, no Rio de Janeiro. Somente na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde as águas do Rio Paraíba do Sul chegam através de um complexo sistema de transposição, perto de 8 milhões de pessoas são abastecidas. O número total de usuários das águas inclui outros 4 milhões de habitantes em cidades do interior fluminense

Apesar de, legalmente, ser classificado como um rio de águas federais e sujeito a administração de autoridades do Governo Federal, a divisão das águas do rio Paraíba do Sul sempre foi motivo de disputas ferrenhas entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Essa disputa acabou sendo levada aos tribunais e, por fim, acabou no STF – Superior Tribunal Federal. 

No final de 2015, num acordo costurado pelo STF, os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais acertaram com o Governo Federal e com a ANA novas regras para a gestão compartilhada das águas do Rio Paraíba do Sul, estabelecendo vazões mínimas para os reservatórios e mudando a prioridade do uso das águas do rio para o abastecimento e não mais para a geração de energia elétrica. Entre mortos de sede e feridos, salvaram-se, pelo menos por enquanto, todos esses Estados. 

Essa questão, que eu costumo chamar de “as águas da discórdia”, definiu os critérios de partilha das cotas de água entre os grandes usuários, mas a solução para os grandes problemas ambientais do rio Paraíba do Sul ainda está bem longe de um fim. Falaremos disso nas próximas postagens. 

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