AS CORES DAS ÁGUAS NA RÚSSIA: NEGRAS EM MOSCOU, VERMELHAS EM NORILSK E VERDE/AZUL-TURQUESA EM NOVOSIBIRSK

Rio Daldykan

Uma leitura desatenta do título dessa postagem poderá até passar a impressão que estamos falando de pontos turísticos da Rússia. Infelizmente, não se trata de nada disso – as cores estão associadas diretamente a diferentes fontes de poluição, onde efluentes domésticos, industriais, poluentes e produtos químicos despejados em rios e lagos produzem cores surreais nas águas. 

Começamos a falar desse problema indiretamente na última postagem, quando tratamos dos graves problemas na disposição dos resíduos sólidos produzidos pelas cidades da Rússia. Sem contar com uma sólida política de gerenciamento dos resíduos domiciliares, as Prefeituras das cidades do país, inclusive da capital Moscou, se limitam a recolher os materiais de porta em porta, para simplesmente os depositarem em lixões a céu aberto em terrenos nas regiões mais periféricas

Na Região Metropolitana de Moscou, onde vivem perto de 25 milhões de pessoas, existiam cerca de 40 grandes lixões ao redor da mancha urbana. Com o crescimento das cidades ao longo das últimas décadas, muitos desses lixões acabaram sendo envolvidos por bairros residenciais. Nos últimos anos, cerca de 24 desses antigos lixões foram abandonados após atingirem a saturação, mas os problemas foram deixados para trás. São grandes emissões de gases tóxicos, percolação de chorume e outros líquidos “venenosos”, nuvens de material particulado espalhadas pelos ventos, entre outros problemas. 

As fontes e corpos de água que se localizam nas proximidades desses lixões, que já costumam ser o destino de esgotos domésticos, também acabam transformadas em receptoras da maior parte dos efluentes líquidos que emanam desses depósitos de lixo. Combinadas com diversos outros problemas criados por efluentes de indústrias e resíduos carreados por águas pluviais, as águas de muitos rios da Região Metropolitana de Moscou e de outras grandes cidades da Rússia estão se tornando cada vez mais negras com o passar dos anos. 

Toda essa carga de poluentes, mais cedo ou mais tarde, acaba chegando a grandes rios como Volga, o maior rio da Rússia. Com quase 3.700 km de extensão, o Volga é o maior rio da Europa e também o dono da maior bacia hidrográfica – 1,36 milhão de km². Também é o rio com o maior volume de água do continente. 

Cerca de 3.200 km do rio são navegáveis e existem cerca de 900 portos nas suas margens. Em meados do século XX, o Governo Soviético construiu um canal de interligação entre os rios Volga e Don, possibilitando a integração hidroviária dos dois rios e também a navegação entre o Mar Cáspio e o Mar Negro.   

Grande parte da população russa vive em áreas da bacia hidrográfica do rio Volga, que também concentra a maior parte da produção agropecuária e industrial do país. Todo esse conjunto de populações e atividades econômicas transformaram o rio num grande esgoto a céu aberto. Além de comprometer o abastecimento de inúmeras cidades, toda essa poluição ameaça dezenas de espécies de peixes que vivem nas águas da bacia hidrográfica, em especial o esturjão, peixe responsável pela produção do valioso caviar russo

Outra grande fonte de ameaça para os rios da Rússia são as atividades mineradoras, espalhadas por todos os cantos desse grande país, que ocupa uma área duas vezes maior que o Brasil. Ainda se valendo do total descontrole e da política do “vale tudo” dos tempos da antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, tanto as empresas mineradoras quanto as autoridades responsáveis pela fiscalização dessas atividades costumam “deixar barato” para uma infinidade de agressões ambientais. 

Conforme já tratamos exaustivamente em postagens anteriores, a mineração é uma das atividades econômicas que mais degrada os recursos hídricos de uma região. Os problemas começam com a supressão da vegetação nativa para a abertura das cavas. Espécies animais e vegetais rapidamente perdem seus espaços para máquinas e mineiros. Outro gravíssimo problema são os rejeitos minerais – para cada tonelada de minério extraído dos solos, várias toneladas de rejeitos minerais (impurezas que não tem valor comercial) são abandonadas nas proximidades das minas. 

Grande parte dos rejeitos minerais é formado por rochas inertes, que no máximo poderão provocar o assoreamento de riachos, riachos e lagos próximos. Entretanto, é comum a existência de pequenas quantidades de metais altamente tóxicos no meio dessas rochas como mercúrio, arsênico, cromo e chumbo, entre muitos outros. Com a chegada das chuvas ou da primavera, quando tem início o degelo do fortíssimo inverno russo, grandes quantidades de resíduos tóxicos desses metais acabam sendo carreadas para os cursos d’água, causando inúmeros problemas de contaminação

Um caso que vem tendo muita repercussão no mundo é o do rio Daldykan, no Norte da Rússia, que de tempos em tempos vem apresentado águas totalmente vermelhas. Esse rio atravessa a longínqua cidade de Norilsk, que surgiu em 1935 junto com um gulag (campo de prisioneiros) implantado na região pelo Governo russo. Essa cidade é famosa na Rússia por seus invernos super rigorosos e pelos altíssimos níveis de poluição. 

As lentas “investigações” que estão sendo feitas pelas autoridades locais ainda não chegaram a uma conclusão final sobre o caso, mas todas as suspeitas apontam para rejeitos de mineração da empresa Norilsk Nickel, uma gigante russa da mineração. Essa empresa possui diversas minas e unidades de beneficiamento em toda a região, mas, como não poderia deixar de ser, nega qualquer tipo de irregularidade nas suas atividades. 

Um outro caso pitoresco de um corpo d’águas coloridas na Rússia é encontrado em Novosibirsk, na Sibéria. Na realidade trata-se de um grande lago artificial criado para o descarte de efluentes de uma usina termelétrica. Esse lago apresenta águas com tons entre o verde e o azul-turquesa, características que lhe deram o apelido de “Maldivas siberianas”. Fotos desse lago passaram a ser divulgadas nas redes sociais por influencers e, rapidamente, a região se transformou em um grande destino turístico. Porém, ao contrário das águas tropicais das Ilhas Maldivas, as águas desse lago são altamente tóxicas. 

Maldivas da Sibéria

As belas cores das águas são o resultado de reações químicas criadas por despejos de óxido de cálcio e metais pesados. As autoridades ambientais instalaram cartazes em todo o perímetro do lago alertando para os riscos tóxicos da água, mas os turistas insistem em entrar no lago, alguns até com lanchas e jetskis, para produzirem fotos para as suas próprias redes sociais. Sem dinheiro para viajar para as Maldivas ou outros paraísos tropicais, esses siberianos se arriscam nessas águas tóxicas para tirar suas valiosas selfs simulando viagens a países exóticos. 

Essas águas coloridas, e muitas outras espalhadas por toda a Rússia, formam uma sinistra palheta de cores, muitas herdadas dos antigos tempos do regime comunista e outras tantas criadas recentemente pelo capitalismo selvagem que tomou conta do país. Por mais belas que possam ser algumas dessas paisagens, elas são uma amostra incontestável dos gravíssimos problemas de poluição ambiental das águas do país. É necessário que as autoridades ambientais se conscientizem dos problemas e que passem a trabalhar em busca de soluções. 

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