As fortes chuvas de verão continuam castigando o Estado de Minas Gerais. De acordo com a última atualização da Defesa Civil, já são 55 mortes diretamente relacionadas com as chuvas, enchentes e desmoronamentos de encostas (dados de 21/01/2020). Conforme meu comentário na última postagem, existem várias razões para as chuvas produzirem consequências tão trágicas: impermeabilização dos solos das cidades, ocupação de áreas de várzeas e de encostas de morros, obstrução dos canais naturais de drenagem por obras mal projetadas e, principalmente, os desmatamentos. Não por acaso, o Estado de Minas Gerais é um campeão nessa modalidade.
De acordo com dados divulgados no Atlas da Mata Atlântica, publicação da Fundação SOS Mata Atlântica, divulgado no final de maio de 2019. Minas Gerais apareceu pela sexta vez como o Estado que mais desmata o bioma. Foram destruídos 3.379 hectares da vegetação de Mata Atlântica entre os anos de 2017 e 2018. Em edições anteriores do Atlas, o Estado liderou esse ranking por cinco anos seguidos.
A SEMAD – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, respondeu em nota que “Minas é o estado com a maior área de Mata Atlântica do país e que a taxa de desmatamento ficou quase a mesma, passando de 3,1 mil hectares para 3,3 mil”. A Secretaria também informou que “tem tomado medidas para coibir os desmatamentos ligados à produção de carvão para uso na siderurgia, afirmando ainda que 99% do carvão vegetal usado para essa finalidade vem de florestas plantadas”.
Para que todos entendam a situação atual da cobertura vegetal em Minas Gerais, precisamos lembrar rapidamente como foi a história da colonização no Estado e o perfil das atividades econômicas nos últimos três séculos:
Nos primeiro 200 anos da colonização de nosso país, toda a economia colonial estava baseada no plantio da cana e na produção do açúcar para exportação. Naquela época, o açúcar valia tanto quanto ouro e era vendido em boticas de toda a Europa em pacotinhos com algumas gramas (lembra a forma como algumas drogas são vendidas atualmente). A ingestão do produto era indicado para problemas digestivos e também na forma de colírio paro o tratamento de infecções oculares. Com o tempo, o açúcar assumiu seu papel na culinária e se transformou em um produto de alto luxo. Citando um exemplo: quando mulheres das famílias nobres e ricas dos muitos reinos se casavam, era chique presenteá-las com um pacotinho com açúcar.
Essa estrutura econômica foi abalada nos últimos anos do século XVII com as notícias de descobrimentos de ouro por bandeirantes paulistas em Minas Gerais em 1693. Para que todos tenham ideia do impacto dessas descobertas, em pouco mais de 60 anos 2/3 da população da colônia abandonou as plantações de cana e os engenhos do litoral açucareiro e migrou para as terras das Minas Gerais para se aventurar no garimpo do ouro.
A prospecção começou nos rios, onde os aventureiros buscavam o “ouro de aluvião”. Esgotados esses recursos, os garimpeiros passaram a vasculhar os barrancos dos rios, as várzeas, córregos, riachos e morros. Pode-se afirmar que “nenhuma pedra deixou de ser revirada” nessa busca frenética pelo ouro. Esgotadas todas as possibilidades de mineração superficial, teve início a exploração subterrânea com a escavação das minas.
Como consequência natural, abriram-se clareiras nas matas para a construção dos primeiros povoados e plantações de culturas rudimentares de milho e mandioca para a subsistência das populações. Num segundo momento, foi a necessidade de produção de carvão para o uso nos fornos de fundição de ouro que levou ao corte sistemático de madeira nas matas. Essa verdadeira ““febre do ouro” só terminou no final do século XVIII, quando se esgotaram as reservas do minério no Estado.
A partir do século XIX, com a consolidação de Minas Gerais como um dos grandes produtores nacionais de ferro e aço de todos os tipos, o avanço do desmatamento aumentou exponencialmente – na falta de carvão mineral para queima nos altos-fornos das produtoras do ferro-gusa (estágio de produção inicial do ferro e do aço), foi o carvão de origem vegetal produzido nas pequenas carvoarias familiares que dizimou a Zona da Mata mineira. Aqui vale lembrar que o território brasileiro é pobre em reservas de carvão mineral – as poucas reservas que o país dispõe se encontram em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Além da intensa devastação ambiental, essas carvoarias faziam e ainda fazem uso de mão de obra infantil (vide foto), o que só aumenta a gravidade do crime ambiental. Estima-se que 90% da Mata Atlântica no Estado de Minas Gerais desapareceu, grande parte “queimada” nos fornos das carvoarias e altos-fornos das siderúrgicas. Outro tipo de vegetação tipicamente mineira que sofreu forte devastação foram as veredas, cenário de muitos contos do magnífico Guimarães Rosa.
A mineração também é uma atividade que causa enormes estragos ao meio ambiente. Além da retirada da cobertura vegetal para a abertura das cavas das minas, as atividades desse setor geram enormes montanhas de rejeitos minerais. Recentemente, todos acompanharam os desastres provocados pelo rompimento de barragens de contenção desses rejeitos em Mariana e, a exato um ano, em Brumadinho. Um outro problema criado pela mineração é a sedimentação e o açoreamento de rios, o que, entre outras consequências, contribui para as enchentes.
Em décadas mais recentes, a principal responsável pelos desmatamentos foi a ocupação das áreas do Cerrado mineiro pela agricultura. No início da década de 1970, a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, desenvolveu sementes de soja e de milho adaptadas às características dos solos ácidos do Cerrado. Com isso, terras que eram consideradas pouco produtivas passaram a ser ocupadas por grandes plantações e a vegetação típica do Cerrado passou a perder espaço. Apesar de parecerem frágeis, as plantas do bioma são perfeitamente adaptadas ao clima, possuindo raízes profundas e fortes – são essas raízes que permitem a infiltração da água das chuvas para a recarga dos aquíferos.
As culturas de grãos, principalmente soja e milho, possuem raízes extremamente curtas, o que dificulta a absorção da água pelo solo. A consequência disso é que as águas das chuvas de verão correm pela superfície, atingindo os rios com grande volume e velocidade. Além de carrear grandes quantidades de sedimentos, essas águas aumentam violentamente os caudais dos rios, provocando muita enchente e destruição por onde passam.
Além do assoreamento e entulhamento das calhas dos rios com todos os tipos de sedimentos, a destruição das matas também causa uma redução considerável no volume de águas das nascentes, podendo até mesmo provocar o desaparecimento de muitas delas. Ou seja – há um excesso de água nos rios durante o período das chuvas e falta de água na época da seca.
Não é difícil de perceber que os problemas vividos pelo Estado de Minas Gerais hoje têm raízes históricas. Se nada for feito daqui para frente, a tendência é um aumento progressivo da intensidade das enchentes e também do número de pessoas atingidas e de vítimas fatais.
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[…] terminam com o soterramento e morte de pessoas. Nas recentes chuvas e enchentes que assolaram os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a maior parte das vítimas fatais foi atingida por deslizamentos de terra e […]
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[…] principais causas das grandes enchentes urbanas são bem conhecidas: os desmatamentos, a ocupação das encostas de morros, a impermeabilização intensa dos solos, a canalização […]
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