Todo verão apresenta sempre um mesmo roteiro – muito calor, muitas chuvas e, por fim, enchentes, desmoronamentos de morros, gente desabrigada e, desgraçadamente, muitas vítimas fatais. Desde 2016, quando iniciamos as publicações aqui no blog, foram muitos os relatos dessas tragédias anunciadas de verão.
Neste mês de janeiro de 2020, as áreas mais fortemente atingidas pelas chuvas estão nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. De acordo com os números mais recentes divulgados pela Defesa Civil de Minas Gerais, o número de mortes em decorrências das fortes chuvas chegou a 50. Um total de 32.259 pessoas foram diretamente afetadas, onde se incluem 28.043 desalojados, 4.101 desabrigados e 65 feridos. Existem ainda informações sobre 2 pessoas desaparecidas nos municípios de Conselheiro Lafaiete e Luisburgo.
No Espírito Santo existem mais de 12 mil pessoas atingidas, sendo 10.573 desabrigadas e 1.898 desalojadas em 27 municípios, a maioria no Sul do Estado. No total, 9 pessoas morreram, incluindo 2 crianças. Um total de 22 cidades foram colocadas em alerta máximo por conta dos riscos de deslizamentos de encostas e alagamentos. Os rios Guandu (esse não é o famoso rio Guandu do Estado do Rio de Janeiro) e Doce estão com seus níveis em elevação.
Em todo Estado de Minas Gerais, 101 cidades estão em estado de emergência, medida que vale por 180 dias e agiliza as ações para recuperação dos danos e ajuda à população. No Espírito Santo, os municípios de Iconha, Alfredo Chaves, Vargem Alta e Rio Novo do Sul tiveram seus decretos de estado de calamidade pública reconhecidos pelo Governo Federal. No dia 27, o município de Cachoeiro de Itapemirim decretou o estado de calamidade pública. Na tarde do mesmo dia, o Governo do Espírito Santo decretou estado de calamidade pública em Iúna e Conceição do Castelo.
O Governo Federal já disponibilizou R$ 90 milhões para liberação imediata aos municípios em situação de emergência. Em entrevista coletiva, o Presidente em Exercício, General Hamilton Mourão informou que esses são valores iniciais e que solicitou estudos junto ao Ministério da Economia para a liberação de novos valores. O General Mourão também informou que as Forças Armadas continuarão dando todo o apoio possível nas operações de resgate e atendimento às vítimas das tragédias.
Feita essa exposição da situação de emergência nesses dois Estados, vamos aos fatos – entra verão, sai verão e as coisas não mudam. Construções continuam sendo feitas em encostas de morros, que além de escavadas tem sua vegetação suprimida. Os canais de drenagem naturais das águas pluviais – córregos, riachos e rios, continuam recebendo grandes quantidades de sedimentos, entulhos e lixo, despejados pelas populações das cidades. Construções e outras obras mal planejadas estrangulam trechos desses corpos d’água, o que é um verdadeiro convite para a formação de pontos de alagamento na próxima temporada de chuvas.
Nas áreas urbanas dos municípios, muitas das várzeas desses córregos e riachos são aterradas para a ampliação de espaços para a construção de casas e obras públicas. As várzeas são terrenos baixos, que recebem as águas excedentes dos rios durante o período das chuvas – funcionam como uma espécie de “piscinão”, que retém grandes volumes de água para evitar enchentes em áreas a jusante (correnteza abaixo). Quando se eliminam as várzeas, as enchentes serão inevitáveis.
As áreas de várzea também são usadas para a construção das famosas “avenidas de fundo de vale”. Com o crescimento das cidades, as Prefeituras costumam se voltar para as áreas “abandonadas” das várzeas como alternativa para a ampliação das suas malhas viárias. Sem reconhecer a importância desses terrenos para o controle das enchentes, as obras viárias destroem a vegetação e impermeabilizam grandes extensões de solo – os motoristas ganham tempo em seus trajetos (pelo menos nos meses secos) e as populações ganharão enchentes nos meses de chuvas.
Nas áreas rurais, são os desmatamentos para a ampliação de campos agrícolas e de pastagens os principais responsáveis pelos violentos caudais dos rios durante as fortes chuvas. Sem a presença da vegetação robusta das matas e florestas, as águas superficiais das chuvas correm com grande velocidade sobre os solos, chegando com muita energia no curso dos rios. Os rios ganham volume e a força dos caudais atingem as cidades que se encontram ao longo do seu curso com extrema violência. A alta repentina do nível dos rios principais bloqueia o fluxo dos pequenos córregos, riachos e tubulações de drenagem de águas pluviais (quando essas existem é claro), que sem escoamento, retornam e provocam enchentes e alagamentos localizados.
Em regiões onde os rios tem suas matas ciliares em bom estado, a velocidade das águas superficiais das chuvas é bastante reduzida, o que permite que uma parte considerável dessas águas seja absorvida pelos solos. Com a diminuição da velocidade e dos volumes de água de chuva que chegam na calha principal, os rios aumentam lentamente o seu volume, sem causar maiores impactos nas cidades que se encontram ao longo do seu curso.
É a somatória de todos esses problemas que está por trás das violentas enchentes que estão assolando, em especial, os Estados de Minas Gerais e Espírito. Problemas semelhantes estão ocorrendo em outras cidades e Estados brasileiros, felizmente com um nível de gravidade bem menor.
Conforme já repetimos, literalmente, dezenas de vezes em nossas postagens, vivemos em um país com climas predominantemente tropical e equatorial, onde existe uma forte temporada de chuvas a cada ano. De ano para ano, a intensidade dessas chuvas pode variar, sendo mais fracas em um ano e mais fortes em outro, porém, a chegada desse período anual de chuva é inevitável. Prefeitos e Governadores sabem disso e deveriam tomar medidas preventivas no período da seca.
A desculpa que mais se ouve desses mandatários é que faltam recursos para a realização de grandes obras de infraestrutura e de controle de águas pluviais. É claro muitas obras são importantes e costumam fazer falta nas grandes chuvas. Porém, existem inúmeras medidas de baixo custo que podem amenizar, e muito, os problemas das chuvas:
- Fiscalização e controle de construções em áreas de encostas, várzeas e outras regiões com riscos de alagamento;
- Criação e ampliação das áreas verdes da cidade: praças, parques, hortos florestais, canteiros em ruas e avenidas;
- Coibir o despejos de resíduos sólidos, entulhos e restos de materiais de construção em ruas, terrenos baldios e margens de cursos d’água;
- Aumentar ao máximo as áreas permeáveis dos solos, eliminando áreas com cobertura de concret
- Fiscalização das margens de rios e propriedades rurais, exigindo-se o respeito ao Código Florestal no que tange a manutenção das matas ciliares
- Coibir a realização de obras que provoquem o estrangulamento do curso dos rios: muros de arrimo, passarelas, pontes e outras construções;
- Estimular a criação de RPPNs – Reservas Particulares do Patrimônio Natural. Quanto mais árvores na região, menores serão os riscos de grandes enchentes;
- Realização de projetos de educação e conscientização ambiental: os rios não são nossas lixeiras e precisam ser preservados.
Essas medidas simples, entre muitas outras, podem ser implantadas com poucos recursos financeiros e podem ter profundos impactos no controle das enchentes e alagamentos de uma cidade. O que não dá para fazer é ficar de braços cruzados esperando a chegada das chuvas e de suas muitas “tragédias anunciadas”.
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[…] MAIS UMA VEZ, NOTÍCIAS TRÁGICAS SOBRE AS CHUVAS E AS ENCHENTES DE VERÃO […]
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[…] postagens anteriores falamos um pouco da urbanização descontrolada como uma das principais causas das enchentes de […]
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[…] provocando um aumento gradativo das enchentes nas grandes cidades e falamos muito sobre eles nas últimas postagens: desmatamentos, impermeabilização dos solos, ocupação de encostas de morros e áreas de […]
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[…] temos comentado ao longo dessa série de postagens, o crescimento das cidades e a constante impermeabilização dos solos urbanos com concreto, […]
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