A CRIAÇÃO DA ZONA FRANCA DE MANAUS

CMM

Uma das iniciativas mais interessantes e inteligentes para a ocupação da Amazônia foi a criação da Zona Franca de Manaus (vide foto). Pensada inicialmente como um porto livre, essa área permitiria o armazenamento e a retirada de mercadorias de qualquer natureza, podendo atender todos os países da Bacia Amazônica. Nessa ideia simplória inicial, esse porto livre seria uma espécie de armazém alugado por empresas estrangeiras. Com o passar do tempo, essa ideia evoluiu muito e hoje é um dos grandes destaques econômicos da Região Amazônica. Vamos entender um pouco dessa história: 

A ideia da criação de um porto livre em Manaus data da década de 1870, quando a cidade se tornou um dos principais centros da indústria gomífera da Amazônia. Formalmente, foi o deputado federal Francisco Pereira da Silva que, em 1951, propôs a criação do porto livre. A proposta do deputado foi aprovada e transformada em lei, mas, como é típico aqui em nosso país, a “lei não pegou”. Em 1953, o Governo do Presidente Getúlio Vargas criou a SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia, uma outra ideia que também não avançou. O Governo Vargas, que já vinha enfrentando uma profunda crise política, acabou abruptamente com o suicídio do Presidente em 1954. 

A lei que criou a Zona Franca de Manaus foi promulgada em 1957 pelo Presidente Juscelino Kubitschek. Essa lei previa a criação de um espaço portuário de “armazenamento ou depósito e retirada de mercadorias de qualquer natureza, com armazéns e cais flutuantes na margem do rio Negro”, uma ideia muito próxima do conceito proposto pelo deputado Francisco Pereira da Silva em 1951. O Presidente Juscelino Kubitschek tinha um forte cunho desenvolvimentista e de integração nacional. Um dos destaques do seu Governo foi a criação do Plano de Rodovias que, entre outras obras, culminou com a construção da BR-364, rodovia que permitiu a ligação terrestre entre Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, e os Territórios do Guaporé (atual Rondônia), e Acre, além de regiões do Sul do Estado da Amazônia. 

A Zona Franca de Manaus viria a dar um verdadeiro “salto” em importância em 1967, época dos chamados Governos Militares (1964-1985). Essa é uma época de forte nacionalismo, quando o mundo vivia um dos períodos mais tensos da chamada Guerra Fria, um conflito ideológico entre o bloco capitalista, comandado pelos Estados Unidos, e o bloco comunista, que tinha a liderança da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Aqui na América Latina, as tensões ideológicas entre esses dois blocos resultaram no estabelecimento de inúmeros regimes de exceção, comandados por juntas militares e com apoio direto ou indireto dos Estados Unidos. 

Uma ideia que se desenrolava há muitos anos e que enchia de temores os militares brasileiros era hipótese de uma Internacionalização da Amazônia, comentada em postagem anterior. Foi justamente após a ascensão dos militares ao poder que passaremos a assistir à criação de uma série de medidas para a integração e ocupação da Amazônia brasileira, onde destacamos a construção de grandes rodovias como a Transamazônica, a Belém-Brasília e a Cuiabá-Santarém, projetos de mineração como Carajás, entre outros. Um dos slogans governamentais desse período era “uma Amazônia sem homens, para homens sem-terra” – falaremos de tudo isso em futuras postagens. 

Foi dentro desse contexto de defesa da Amazônia contra uma eventual ocupação estrangeira que o Presidente Castello Branco criou a SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus, que oficializou e ampliou a Zona Franca. A SUFRAMA passou a conceder uma série de incentivos fiscais para as empresas que se instalassem na Zona Franca – esses incentivos se estenderiam por 30 anos. A área da Zona Franca era, inicialmente, de 10 mil m², englobando Manaus e municípios vizinhos. Posteriormente, a área de abrangência foi ampliada para a Amazônia Ocidental, englobando os Estados do Amazonas, Rondônia, Acre e Roraima

As indústrias eletroeletrônicas estrangeiras foram as primeiras a perceber as vantagens para a instalação de unidades na Zona Franca de Manaus, se valendo primeiro dos incentivos fiscais para a importação de produtos prontos desde suas matrizes e, depois, importando componentes para a montagem in loco. Para se ter uma ideia do sucesso da Zona Franca de Manaus, apenas em 1967, foram criadas 1.339 novas empresas na região. Eu lembro claramente de uma época no início da década de 1970, quando as pessoas de classe média e média alta viajavam até Manaus para comprar produtos eletroeletrônicos como aparelhos de som, televisores, gravadores e máquinas fotográficas com “ótimos preços”. 

A Zona Franca também criou uma verdadeira “indústria de sacoleiros” por todo o país. Muita agente viajava até Manaus para comprar esses produtos, revendendo depois com um bom lucro em outras cidades do país. Em 1976, a SUFRAMA estabeleceu uma cota máxima de produtos que poderiam ser comprados e conseguiu controlar melhor essa revenda de produtos. 

Na década de 1980, o Governo Federal implementou algumas mudanças na Zona Franca de Manaus. A primeira delas foi uma alteração no prazo de validade da área, que primeiro foi estendido até 2007 e depois para 2013. Outra mudança se aplicaria na agregação de conteúdo tecnológico nacional nos produtos. Até aquele momento, as empresas multinacionais se limitavam a importar componentes desde seus países de origem e a realizar apenas a montagem dos produtos em Manaus, se aproveitando assim dos incentivos fiscais e do baixíssimo custo da mão-de-obra local. Essa baixa massa de salários não ajudava a fortalecer a economia local e beneficiava apenas as grandes empresas. 

Um exemplo: no final da década de 1980 eu trabalhava numa multinacional eletroeletrônica holandesa. Essa empresa estava estudando o lançamento de uma nova linha de produtos que seria montada na fábrica de Manaus. Esses produtos usavam uma tecnologia nova há época chamada SMD – Surface Mounting Device, onde os componentes eletrônicos eram montados nas placas de circuito impresso por um sistema robótico. Engenheiros da matriz na Holanda fizeram uma visita de vistoria na fábrica de Manaus e chegaram a uma conclusão – a mão-de-obra em Manaus era tão barata que não valia a pena importar o robô de montagem de componentes. A empresa lucraria muito mais fazendo a montagem dos componentes manualmente. 

Com as mudanças realizadas pela SUFRAMA, as empresas instaladas no Pólo Industrial de Manaus se viram forçadas a fazer investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Esse conteúdo tecnológico nacional se transformou num caminho para agregar valor nacional aos produtos e melhorar os salários da mão-de-obra nessas empresas, que além dos simples operários da montagem, passaram a contratar engenheiros e pesquisadores de diversas áreas. Essa mudança provocaria uma elevação de patamar significativa no Parque Industrial de Manaus ao longo dos anos seguintes. 

Atualmente, o Pólo Industrial de Manaus abriga cerca de 600 empresas e emprega mais de 500 mil trabalhadores diretos e indiretos. A maior parte da produção local, que vai de telefones celulares a motocicletas, é consumida no mercado brasileiro e cerca de 5% é exportada para América Latina, Estados Unidos e Europa. Em 2014, o prazo de validade da Zona Franca de Manaus foi estendido até 2073. 

Apesar dos inúmeros problemas que foram criados na cidade de Manaus a partir da criação da Zona Franca, onde podemos incluir o crescimento desordenado da mancha urbana, falta de infraestruturas de saneamento básico, de transportes, saúde e educação – problemas típicos de cidades grandes, a iniciativa foi extremamente benéfica para a preservação da Floresta Amazônica. Com a grande oferta de trabalho nas empresas em Manaus, um grande número de trabalhadores rurais passou a migrar para a cidade grande, deixando para trás a vida de “homem do campo”. Com essa mudança, grandes áreas da Floresta Amazônica deixaram de ser derrubadas e queimadas para a abertura de novos espaços agrícolas e pecuários. 

Conceitos como o da Zona Franca de Manaus, devidamente ajustados e integrados ao mundo contemporâneo, podem ser uma das alternativas para gerar uma colonização racional do território da Amazônia. Essa ocupação de mão-de-obra e geração de renda permite que se alcance um desenvolvimento sustentável sem a necessidade de destruir a Floresta Amazônica. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

A COLONIZAÇÃO DOS CAMPOS AMAZÔNICOS DE RONDÔNIA

Soja em Rondônia

A imagem idealizada da Floresta Amazônica que muita gente aqui no Brasil e no mundo inteiro têm, mostra uma floresta com árvores gigantescas e muito próximas umas das outras, onde só se consegue chegar navegando através de rios grandes e caudalosos. Nesta floresta densa vivem milhares de espécies animais e vegetais; em clareiras isoladas no meio da mata, tribos de diversas etnias indígenas vivem felizes e em plena harmonia com a natureza. De repente, uma grande queimada começa a destruir grandes trechos dessa floresta, consumindo os habitats de pessoas e animais, e transformando a antiga mata num mar de cinzas. 

Essa imagem idílica da Amazônia está um “pouquinho” longe da realidade. Na verdade, o que chamamos de Floresta Amazônica é um conjunto de diferentes sistemas florestais, onde se incluem florestas secas com grandes árvores, florestas inundáveis com vegetação adaptada aos ciclos de cheias, várzeas e campos alagáveis, manguezais, manchas de cerrado e cerradões, entre muitos outros biomas. Uma forma de visualizar todo esse conjunto de diferentes biomas é imaginarmos uma grande colcha de retalhos (do tipo patchwork), onde cada cor ou padronagem de tecido representa um diferente tipo de sistema florestal ou bioma. Esse grande conjunto de sistemas florestais ocupa uma área de aproximadamente 5,5 milhões de km², distribuídos em 9 diferentes países – 60% dessa floresta fica dentro do território brasileiro

Para complicar um pouco mais o entendimento do que é a Floresta Amazônica, existe aqui no Brasil um conceito geográfico e econômico chamado de Amazônia Legal. Esse conceito tem suas origens em 1953, quando o Governo Federal regulamentou o Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Esse Plano foi modificado em 1966, quando foi criada a SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, e passou a ser usado o nome de Amazônia Legal.  

A área ocupada pela Amazônia Legal é de 5,2 milhões de km², cerca de 1 milhão de km² a mais que a área ocupada pela Floresta Amazônica “real” no país, o que corresponde a cerca de 61% do território do Brasil. Essa área “extra” da Amazônia Legal é formada basicamente por áreas de transição entre o Cerrado e os diferentes sistemas florestais tipicamente amazônicos – muitas das famosas imagens de grandes queimadas da Amazônia que correram o mundo nessas últimas semanas ocorreram justamente nessas áreas de Cerrado e de transição da Amazônia Legal. 

Conforme mostramos rapidamente na nossa última postagem, foi a construção da Rodovia BR-364, no início da década de 1960, que permitiu a ligação terrestre entre as cidades de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso, e Porto Velho, capital do então Território do Guaporé, atualmente Estado de Rondônia. Anos depois, a rodovia foi estendida até o Território do Acre. Antes da realização dessa obra, a Amazônia Ocidental só podia ser acessada por via fluvial em rios da Bacia Amazônica ou então por avião. Com a construção dessa Rodovia, foi aberta também a principal porta de entrada para a migração de colonizadores, especialmente originários da Região Sul do Brasil, em direção ao Sudoeste da Amazônia.  

A partir dessa integração rodoviária ao restante do território brasileiro, o Território do Guaporé passou a assistir uma forte onda migratória. Em 1970, a população do Território chegou aos 100 mil habitantes; em 1979 atingiu a marca de 423 mil e em 1982 atingiu 608 mil habitantes. Atualmente, o Estado de Rondônia tem 1,8 milhão de habitantes e possui uma relevante produção agrícola, especialmente de grãos como a soja, e pecuária. O rio Madeira se transformou numa importante via para o escoamento da produção local e também de cargas vindas do Estado de Mato Grosso. 

Agora, um detalhe importante dessa rápida colonização de Rondônia – grande parte dessas frentes agrícolas e de produção pecuária no Estado foram implantadas em áreas de Campos Amazônicos, um tipo de formação vegetal muito parecido com as áreas de Cerrado do Brasil Central e bastante diferente da imagem idealizada da densa Floresta Amazônica com grandes árvores. 

Cerca de 1/3 do território do atual Estado de Rondônia, cerca de 71 mil km² ou 2,5 vezes a área do Estado de Alagoas, eram cobertas por Campos Amazônicos. Essas áreas, que se mostram na forma de grandes ilhas cercadas pela Floresta Amazônica, apresentam a ocorrência de plantas e animais típicos do Cerrado. Ao longo das suas complexas histórias, tanto a Floresta Amazônica quanto o Cerrado apresentaram aumentos e reduções de suas áreas totais, acompanhando as mudanças climáticas do planeta. Os Campos Amazônicos são resquícios de um grande aumento da área do Cerrado até cerca de 10 mil atrás, quando a Floresta Amazônica voltou a crescer e isolou muitas áreas desse bioma. 

A colonização e o povoamento dessas extensas áreas de Campos Amazônicos em Rondônia coincidiram com os esforços da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, na climatização e adaptação de grãos, especialmente a soja, às condições de clima e de solos do Cerrado. A soja, conforme já apresentamos em postagens anteriores, é originária da China, onde vem sendo cultivada há cerca de 5 mil anos e foi criada a partir do cruzamento de duas espécies selvagens. É um grão com alto teor de gordura e proteína, com diversos usos para a alimentação humana e sobretudo na produção de rações para a alimentação de animais.

Plantios experimentais do grão começaram a ser feitos no Brasil a partir dos últimos anos do século XIX. A soja passou a ser plantada no Brasil em escala comercial no Rio Grande do Sul a partir da década de 1920, quando um pastor luterano norte-americano distribuiu sementes trazidas dos Estados Unidos para um grupo de agricultores pobres da região de Santa Rosa, no Oeste gaúcho. Adaptadas a um clima temperado, essas sementes produziram bem no extremo Sul do país. 

A partir da década de 1960, a EMBRAPA passou a realizar diversos trabalhos com a soja, buscando desenvolver variedades que se adaptassem aos solos e clima do Cerrado do Brasil Central. Os solos desse bioma apresentam altos teores de alumínio e uma grande acidez, sendo considerados pobres e improdutivos. Na década de 1950 foram desenvolvidas técnicas de correção dos solos como a calagem e a aplicação de calcário – a acidez dos solos deixou de ser um grande problema. Em meados da década de 1970, a EMBRAPA conseguiu desenvolver as primeiras variedades de soja adaptadas ao plantio no Cerrado, abrindo assim uma nova e importante frente para o avanço da agricultura no Brasil Central e fortalecendo a política da “Marcha para o Oeste”. 

Essa mesma tecnologia agrícola desenvolvida para o Cerrado também se mostrou adequada para os solos dos Campos Amazônicos – a produtividade da soja nessas regiões de Rondônia está entre as mais altas do Brasil (vide foto). Essa ocupação “humana” dos Campos Amazônicos, é claro, causou todo um conjunto de impactos à biodiversidade do bioma, muito similares aos observados no Cerrado. A partir do sucesso na colonização desses sistemas florestais, novas ondas migratórias de colonizadores que chegaram ao Estado a partir da década de 1980, passaram a ocupar e avançar contra as bordas do Sul da Floresta Amazônica. Não por acaso, foi justamente essa região a que apresentou o maior número de queimadas e incêndios nessa última temporada

É sempre importante observar e lembrar que todos os problemas de devastação e de degradação ambiental, que observamos hoje nessa região e em outras do grande território da Amazônia, não surgiram da noite para o dia e não podem ser resolvidos com o reflorestamento dessas áreas, como sugeriu o Presidente da França, Emmanuel Macron, em muitas das suas falas em defesa da “Nossa Amazônia”. A situação é bastante complexa e envolve muitos interesses políticos e econômicos, recursos naturais e estratégicos, além de muita gente, gente essa que foi estimulada a migrar para a Amazônia por diferentes Governos ao longo dos últimos 50 anos. De um jeito figurado, podemos dizer que “depois que abriram essa caixa de Pandora, será bastante difícil de fechar”…

Como eu sempre costumo dizer, na Amazônia tudo é superlativo – os rios, as matas, a biodiversidade e também os problemas. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

A CONSTRUÇÃO DA RODOVIA CUIABÁ-PORTO VELHO, OU LEMBRANDO DA CARAVANA FORD

Caravana Ford - Rondônia

Nessa sequência de postagens, onde estamos apresentando a história do povoamento da Amazônia e das raízes das grandes queimadas e desmatamentos que estamos assistindo em nossos dias, falamos diversas vezes dos seringais e seringueiros dos Territórios do Acre e do Guaporé, atualmente Rondônia. São muitos os capítulos da história da Amazônia que se passaram nessa região Oriental da grande Floresta. O que não falamos e que muito provavelmente você não sabe é que essa grande região da Amazônia era virtualmente impossível de ser atingida por terra até o início da década de 1960 – até essa época, só se chegava a Rondônia e ao Acre através da navegação fluvial pelos rios da Bacia Amazônica ou de avião

Os primeiros esforços para estabelecer comunicações por terra entre a Amazônia Ocidental e as demais regiões do país foram iniciados no final do século XIX pelo Exército brasileiro, que passou a trabalhar na abertura de estradas nos confins dos sertões e na instalação de linhas telegráficas. O grande nome desse período foi o militar e sertanista Cândido Rondon (1865-1958), que a partir de 1892 começou a trabalhar nas regiões de Goiás, Mato Grosso e Território do Guaporé, mais tarde batizado como Estado de Rondônia em sua homenagem. Entre 1907 e 1915, a unidade de Rondon construiu a Linha Telegráfica Estratégica Mato Grosso-Amazonas. Os trabalhos pioneiros de Rondon e de sua equipe ajudaram a abrir muitos dos caminhos para o interior do país, um trabalho monumental, mas que deixou muitos vazios desses sertões ainda a serem descobertos. 

Os planos para a construção de uma rodovia que ligasse a cidade de Cuiabá, no Estado do Mato Grosso, aos territórios do Guaporé e do Acre só se concretizariam em 1944. Nesse ano, uma comissão criada pelo Governo Federal elaborou um plano rodoviário, onde se incluiu a proposta para a construção da Rodovia Acreana, designada então como BR-029, que previa a interligação entre as cidades de Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco e Cruzeiro do Sul, seguindo até a fronteira do Peru, onde faria conexão com a Rodovia Pan-Americana. Essa rodovia também permitiria a interligação rodoviária desde Cuiabá até as Regiões Centro-Sul do país. Um pequeno trecho de 55 km dessa rodovia chegou a ser iniciado, mas as obras foram paralisadas. 

A decisão efetiva para a construção da Rodovia BR-029 se deu em fevereiro de 1960 durante o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Famoso pelo seu slogan “50 anos em 5”, o Governo Kubitschek ficou marcado pelo forte cunho progressista e, entre outros grandes legados, foi o responsável pela construção de Brasília e a transferência da Capital Federal para o Planalto Central, uma mudança que foi fundamental para estimular a interiorização da população do país. Consta que a decisão do Presidente se deu em uma reunião com o Governadores do Estado do Amazonas e dos Territórios do Guaporé e do Acre. 

O Presidente solicitou que o DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, iniciasse imediatamente os trabalhos, com a meta de inaugurar a Rodovia naquele mesmo ano. A pressa do Presidente Juscelino Kubitschek em concluir a construção da Rodovia, que teve sua designação mudada depois para BR-364, tinha uma razão prática – seu mandato se encerraria no final de janeiro de 1961, sendo que o prazo estipulado pelo Governo para a inauguração da Rodovia era 10 de dezembro de 1960. 

Apesar de todos os esforços das autoridades, os trabalhos de abertura e avanço das frentes de construção da Rodovia BR-364 não atingiam as metas estabelecidas e, para piorar a situação, o candidato melhor posicionado na corrida para a sucessão presidencial era Jânio Quadros, abertamente contrário à política de construção de estradas de Juscelino Kubitschek. A proposta para a construção da Rodovia Cuiabá-Santarém, por exemplo, que seria levada a cabo somente na década de 1970, era chamada de “rodovia das onças” por Jânio Quadros. Havia um temor generalizado entre os Governadores dos Territórios do Acre, do Guaporé e do Estado do Amazonas de uma paralisação das obras no caso de uma vitória de Jânio Quadros naquelas eleições. 

Em fins de 1960, cerca de 824 km dos 971 km previstos no projeto (já existiam alguns trechos de estradas de terra prontos) estavam precariamente concluídos, com o leito em terra batida (essa rodovia só seria asfaltada no início da década de 1980), com obras complementares inacabadas e com a maioria das pontes construídas em madeira. Faltava a conclusão de cerca de 147 km para que se pudesse considerar a “Rodovia” pronta. 

Aqui começa um capítulo curioso da história dessa Rodovia: O Governador do Território do Guaporé – Paulo Leal, conseguiu o apoio da Ford, empresa fabricante de veículos, e organizou a Caravana Ford, uma expedição composta por sete caminhões F-600, um trator e um Jipe, todos modelos da marca. Apoiada por uma forte campanha publicitária, a Caravana saiu de São Paulo no dia 28 de outubro de 1960 sob o comando do próprio Paulo Leal.  

Depois de enormes obstáculos, onde se incluem a abertura de trilhas na mata, lama, travessia de rios em balsas improvisadas, a Caravana conseguiu chegar em Porto Velho no dia 28 de 1960, sendo recebida por uma multidão entusiasmada com o feito. A foto que ilustra essa postagem dá uma boa ideia das muitas dificuldades enfrentadas pelos membros da expedição. A repercussão que a Caravana Ford obteve junto à opinião pública foi tão positiva em prol da importância da conclusão da Rodovia BR-364, que o Presidente Eleito, Jânio Quadros, se viu obrigado a concluir suas obras. 

Com a conclusão dessa Rodovia, que passou por vários melhoramentos depois, as portas da Amazônia Ocidental ficaram abertas para a chegada de um grande contingente de imigrantes, vindos especialmente da Região Sul do Brasil. Em 1970, a população do Território do Guaporé, citando um exemplo, bateu na casa dos 100 mil habitantes; em 1979 atingiu a marca de 423 mil e em 1982 atingiu os 608 mil habitantes. O principal impulsionador desse grande fluxo migratório foi o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. 

Um dos principais programas de colonização do INCRA era o PIC – Projeto Integrado de Colonização, que distribuía lotes de terra entre 50 e 100 hectares e que foi concentrado nas regiões de entorno da Rodovia BR-364. Outro modelo de colonização era o PAD – Projeto de Assentamentos Dirigidos, que distribuía lotes de terra entre 100 e 250 hectares em regiões mais afastadas do Território. Entre 1970 e 1984, somente no Território do Guaporé, que teve seu nome mudado para Rondônia em 1982, foram realizados assentamentos em uma área superior a 3,6 milhões de hectares, beneficiamento dezenas de milhares de pequenos produtores rurais. Há um detalhe importante aqui – para garantir a posse definitiva desses lotes, esses colonos eram obrigados a derrubar a mata e trabalhar a terra

Nos primeiros anos da década de 1970, foram concluídas as obras de abertura do trecho da Rodovia BR-364 entre Porto Velho e as principais cidades do Acre, aumentando ainda mais o fluxo de imigrantes para a Amazônia Ocidental e consolidando de uma vez por todas a ligação terrestre de toda essa grande região com o restante do Brasil. Entre 1982 e 1984 esse trecho da Rodovia foi asfaltado e, inclusive, está prevista para o final deste ano a inauguração de uma ponte sobre o rio Madeira, eliminando a necessidade da travessia por balsas e melhorando o fluxo de veículos. 

Com tamanhos esforços do Governo Federal para a ocupação dessa região da Amazônia por pequenos e médios produtores rurais ao longo das últimas décadas, é claro que os Estados de Rondônia, do Acre e também regiões do Sul do Estado do Amazonas se transformaram em campeões em desmatamentos para a abertura de frentes agrícolas, formação de pastos para a criação de gado e também para exploração de madeira. Detalhe – grande parte das queimadas que tanto preocuparam o mundo ocorreram e estão acontecendo justamente nessas regiões. 

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