O AUDACIOSO ROUBO DE SEMENTES DE SERINGUEIRAS POR HENRY WICKHAM EM 1876

Henry Wickham

A exploração intensiva do látex na Floresta Amazônica, a partir de meados do século XIX, criou uma poderosa indústria, conhecida como gomífera, e uma seleta elite equatorial. Nos áureos tempos do chamado Ciclo da Borracha, que durou aproximadamente 70 anos, essa elite dominou o mercado mundial do látex, onde o Brasil era responsável por 95% da oferta dessa matéria-prima. A partir de 1913, os seringais plantados por ingleses em territórios coloniais do Sudeste Asiático inundaram o mercado mundial com seu látex e em poucos anos quebraram o monopólio da Amazônia. Vamos entender um pouco melhor esse capítulo da história do látex e da Amazônia: 

Os indígenas das ilhas do Caribe e das Américas Central e do Sul conheciam e usavam o látex séculos antes da chegada dos primeiros exploradores europeus no século XV. Cristovão Colombo citou nativos do Haiti brincando com bolas elásticas de látex. Hernan Cortez, o conquistador do México, encontrou bolas semelhantes sendo usadas em jogos pelos indígenas, mesmo relato feito pelos primeiros religiosos que trabalharam na região da Amazônia brasileira. 

O geógrafo francês Charles-Marie de la Condamine descobriu a árvore que produzia o látex em 1743 e acompanhou indígenas da Amazônia durante os processos de extração da seiva das seringueiras e de fabricação da goma. No início da década de 1760, o botânico francês Fusée Aublet propôs a classificação científica da seringueira, que foi batizada com o nome de Hevea brasiliensis – o nome deriva da palavra hevé, nome com o qual os indígenas identificavam a árvore. 

Uma das primeiras aplicações industriais conhecidas do látex foi a fabricação de apagadores de lousa em 1772, na Inglaterra. Em 1820, o látex passou a ser usado para a fabricação de borrachas para apagar traços feitos a lápis. Outros produtos foram surgindo, apesar das limitações técnicas do látex na época – as peças ficavam grudentas em dias de muito calor e quebradiças em dias muito frios. Esse quadro mudou em 1839, quando Charles Goodyear criou o processo de vulcanização da borracha e fez explodir as suas aplicações na indústria. Para se ter uma ideia do crescimento do consumo, a Amazônia exportou 8 toneladas de látex em 1827 – em 1860, essas exportações bateram na marca de 2.673 toneladas. 

As grandes potências industriais da época, que se tornaram dependentes do látex da Amazônia e de toda uma gama de importantes produtos industriais fabricados com a borracha, não se sentiam nem um pouco confortáveis com o monopólio da produção nas mãos do Brasil e de outros países Sul-americanos. Era preciso encontrar outras fontes de produção e beneficiamento do látex, em territórios preferencialmente controlados por essas grandes potencias. Teve início assim um dos primeiros casos conhecidos de biopirataria da história, responsável pelo fim da indústria gomífera da Amazônia. 

A primeira tentativa conhecida de coleta e exportação de sementes da seringueira para a Inglaterra coube ao médico e botânico inglês Richard Spruce (1817-1893), que participou de explorações na Amazônia entre 1849 e 1866. Durante uma de suas andanças pela Floresta, Spruce conseguiu coletar uma grande quantidade de sementes da Hevea brasiliensis, que foram cuidadosamente embaladas e enviadas ao Jardim Botânico Real de Londres, o Kew Gardens. As sementes coletadas se deterioram rapidamente e não sobreviveram à longa travessia pelo Oceano Atlântico. Em diversas outras tentativas feitas por exploradores estrangeiros foi observado o mesmo problema. 

Apesar do fracasso com as sementes da seringueira, Richard Spruce coletou, classificou e estudou cerca de 30 mil espécies vegetais da Amazônia e dos Andes, tendo enviado uma grande quantidade dessas espécies para os jardins botânicos e universidades da Inglaterra. Diplomatas ingleses faziam um trabalho corpo a corpo junto às autoridades alfandegárias do Brasil e de países vizinhos, alegando que estas espécies eram de interesse científico para toda a humanidade. A figura da soberana da Inglaterra, a Rainha Vitória, era frequentemente citada por esses diplomatas e apresentada como uma “amante de plantas”. As mudas e sementes seriam cultivadas em jardins botânicos como o Kew Gardens de Londres, para o deleite da soberana. 

Em outras ocasiões, quando não podiam contar com a ajuda desses diplomatas, os exploradores buscavam alternativas bizarras para contrabandear mudas e sementes de plantas da Amazônia para a Inglaterra e outros países. Num dos casos mais interessantes, um explorador inglês enviou uma grande quantidade de sementes de seringueira dentro de dois grandes jacarés empalhados. Como era de se esperar, as sementes estavam completamente deterioradas quando chegaram ao seu destino.

Os ingleses obteriam êxito no “roubo” de sementes da seringueira somente em meados da década de 1870, pelas mãos do aventureiro Henry Wickham (1846-1928), que começou a se aventurar pelas Américas com 27 anos de idade. Buscando fazer fortuna, Wickham (vide foto) viajou primeiro pela América Central e depois pela Venezuela, onde aprendeu muito sobre a extração e o beneficiamento do látex com os indígenas. O aventureiro também aprendeu a identificar as melhores espécies de árvores produtoras do látex (a Hevea brasiliensis não é a única) e também sobre as manhas e artimanhas para a preservação das sementes oleosas. Wickham, que sabia do interesse do seu país na aquisição legal ou ilegal dessas sementes, encaminhou uma carta para o diretor do Kew Gardens, afirmando que sabia onde coletar e como enviar adequadamente esse material.  

No final de 1875, Wickham recebeu uma carta do Kew Gardens com uma proposta comercial para a realização dessa missão. Em fevereiro de 1876, Henry Wickham, que já estava morando em Santarém, viajou com a esposa e um ajudante para a casa de um norte-americano que vivia nas margens do rio Tapajós há vários anos. Foi a partir dali que ele se lançou ao trabalho e passou a coletar sementes da Hevea brasiliensis em terrenos mais altos, onde sabia se encontrarem os melhores espécimes da árvore. Ao longo de três meses de trabalho, conseguiu reunir cerca de 70 mil sementes de seringueira.

Todo esse volume de sementes, que pesava cerca de 1 tonelada, foi acondicionado em 50 cestas de palha de fabricação indígena. As sementes foram envoltas em pacotes feitos com folhas de bananeira, um truque que Wickham aprendeu com os índios da Venezuela e que evitava que as sementes se deteriorassem. 

Para a sorte de Henry Wickham e de seu projeto para o contrabando das sementes, o navio inglês SS Amazonas estava na região e se preparava para realizar a viagem de Manaus até Liverpol. O capitão do navio, num gesto de puro patriotismo, concordou em levar a preciosa carga para a Inglaterra. Diplomatas ingleses sediados em Manaus fizeram o seu “trabalho” junto aos fiscais da alfândega local, que não criaram maiores problemas para o embarque das “cestas indígenas”. 

Henry Wickhan recebeu cerca de 700 libras esterlinas como recompensa pelo seu trabalho sujo, mas não logrou êxito em sua maior ambição – chefiar a implantação dos seringais em colônias inglesas do Sudeste Asiático. Autoridades do Governo inglês e diretores do Kew Gardens o consideravam uma pessoa “não confiável” para essa missão. Anos mais tarde, ele acabou sendo agraciado com o respeitável título de Sir pela Rainha Vitória, em reconhecimento aos seus serviços pelo país. Os botânicos ingleses conseguiram produzir cerca de 2.900 mudas de seringueiras em suas estufas. Essas mudas só passaram a ser plantadas nas colônias inglesas do Sudeste Asiático em 1894, quando a demanda pela borracha passou a crescer fortemente com o início da produção em massa de automóveis. 

A produção de látex nos seringais do Oriente começou em 1900, quando foram produzidas cerca de 4 toneladas, um volume desprezível quando comparado às 26.760 toneladas exportadas pela Amazônia naquele mesmo ano. Essa produção, entretanto, foi crescendo exponencialmente e, em 1913, superou a produção do látex da Amazônia. Bastaram uns poucos anos mais para destruir, em definitivo, a indústria gomífera da Amazônia. 

Um relatório oficial da diretoria do Kew Gardens, justificando o roubo das sementes da seringueira anos mais tarde, disse que aquilo foi um ato pelo “bem da humanidade – um seringueiro bêbado, depois de uma noite de cachaça, poderia destruir todas as árvores em seu caminho”. 

Ou seja, a preocupação “hipócrita” com as queimadas na Amazônia, como se nota, ocupa os gringos há muito mais tempo do que todos nós imaginamos.

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

10 Comments

  1. […] Citando um único exemplo: a criação dos grandes seringais produtores de látex nas colônias inglesas da região, que foram os responsáveis diretos pelo fim da demanda do látex da Amazônia a partir do final do século XIX. Milhares de quilômetros de florestas nativas do Sudeste Asiático foram derrubadas para a introdução das seringueiras “inglesas” (lembrando aqui que os ingleses roubaram as sementes da seringueira na Amazônia).  […]

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  2. […] Citando um único exemplo: a criação dos grandes seringais produtores de látex nas colônias inglesas da região, que foram os responsáveis diretos pelo fim da demanda do látex da Amazônia a partir do final do século XIX. Milhares de quilômetros de florestas nativas do Sudeste Asiático foram derrubadas para a introdução das seringueiras “inglesas” (lembrando aqui que os ingleses roubaram as sementes da seringueira na Amazônia).   […]

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  3. […] A indústria automobilística também acabou criando uma forte demanda por produtos de borracha sintética, especialmente na forma de pneus e mangueiras. Até o início da Primeira Guerra Mundial, esses produtos eram produzidos a partir do látex extraído das seringueiras, primeiro na Floresta Amazônica e depois em plantios comerciais no Sudeste Asiático.  […]

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