
Reportagens em jornais, revistas e sites de notícias de todo o mundo publicadas nesse dia 4 maio, repercutiram as conclusões de um relatório da Forests & Finance, uma coalizão global de organizações não governamentais, onde se analisaram os financiamentos concedidos pelo sistema bancário da China a operações de desmatamento em todo o mundo.
Os dados mostraram que entre janeiro de 2016 e abril de 2020, bancos da China concederam empréstimos e serviços de subscrição no valor de US$ 15 bilhões para empresas que comercializaram commodities ligadas ao desmatamento ilegal em países do Sudeste Asiático, África e também no Brasil.
A divulgação dessas informações ocorre poucos dias depois do Secretário-Geral do PCC – Partido Comunista Chinês, Xi Jinping, afirmar na Cúpula do Clima que seu país irá neutralizar as emissões de carbono até o ano de 2026. O pronunciamento do líder chinês já havia deixado dúvidas entre os demais líderes mundiais, que questionaram a capacidade da China em cumprir tais promessas.
O sistema bancário da China ultrapassou o da Comunidade Europeia em 2014 e, desde então, é o maior do mundo em ativos. Desde então, bancos chineses passaram a se destacar na concessão de créditos e empréstimos para economias em desenvolvimento em todo o mundo. As informações da Forest & Finance colocam em xeque a forma como tais transações financeiras são realizadas.
Em uma postagem publicada em 15 de maio de 2020, tratamos exatamente dos desmatamentos em países do Sudeste Asiático e das importações de madeira pela China, país que está entre os maiores consumidores desse recurso no mundo. Indonésia e Malásia estão entre os maiores exportadores de madeira para a China. As áreas desmatadas nesses países são usadas principalmente para a ampliação de plantações da palmeira do dendê.
As atividades de exploração intensa dos recursos florestais no Sudeste Asiático são antigas e começaram na época das grandes navegações, quando os primeiros exploradores europeus chegaram na região em busca das “especiarias do Oriente”. Além dos valiosos temperos, pimentas, pedras preciosas e corantes orientais, esses exploradores/mercadores também tinham grande interesse nas ótimas madeiras da região como o sândalo e o aloé, usadas tradicionalmente na construção de móveis e objetos de luxo. Depois passaram a ganhar importância as madeiras para a construção civil e naval.
Países como Portugal, Espanha, Holanda, França e Inglaterra rapidamente foram conquistando seus espaços na região e estabeleceram suas colônias, entrepostos comerciais e protetorados. Falando de maneira bem resumida, surgiram as colônias portuguesas em Gôa, Damão e Diu na Índia, Macau na China e Timor no Extremo Leste do arquipélago indonésio; as Filipinas da Espanha, o vice-reino da Índia da Inglaterra, a Malásia da Holanda e a Indochina da França. Todas essas nações europeias usaram e abusaram dos recursos naturais da região por muito tempo.
Citando um único exemplo: a criação dos grandes seringais produtores de látex nas colônias inglesas da região, que foram os responsáveis diretos pelo fim da demanda do látex da Amazônia a partir do final do século XIX. Milhares de quilômetros de florestas nativas do Sudeste Asiático foram derrubadas para a introdução das seringueiras “inglesas” (lembrando aqui que os ingleses roubaram as sementes da seringueira na Amazônia).
Em décadas mais recentes, foi a expansão das plantações da palma da Guiné a grande vilã do desmatamento regional, principalmente na Indonésia e na Malásia. O óleo da palma, mais conhecido aqui no Brasil como azeite de dendê, foi elevado à falsa condição de “combustível renovável”. O óleo de palma passou a ser exportado em grande escala para ser usado como aditivo no óleo diesel em muitos países, principalmente na Europa.
Nos últimos anos, a faixa de “grande vilã” dos desmatamentos no Sudeste Asiático passou para as mãos da China. Na condição de uma das economias que mais cresce no mundo, a China se transformou numa voraz consumidora de minerais, combustíveis, madeiras e outras matérias primas essenciais para o seu desenvolvimento. Pela proximidade geográfica, os países da região foram transformados em grandes fornecedores de muitos desses produtos.
As importações de madeira pelos chineses tiveram um grande aumento a partir de 1998, quando a região central do país sofreu com as fortíssimas inundações do rio Yangtzé. A fim de prevenir futuras tragédias, o Governo Central da China passou a impor fortes restrições à exploração de madeira nas florestas dessa região. Até 1998, as importações de madeira pela China eram da ordem de 4 milhões de toneladas métricas – em 1999, logo após o início das restrições, essas importações saltaram para 10 milhões de toneladas métricas e não pararam de crescer desde então.
Grupos empresariais chineses e dos países do Sudeste Asiático, financiados com generosos recursos financeiros concedidos pelo sistema bancário da China, conseguiram obter grandes concessões para exploração de áreas florestais na Malásia, Indonésia e em Papua Nova Guiné, países que possuem legislações ambientais muito fracas e altamente permissíveis, onde praticamente “tudo pode”.
Os longos tentáculos chineses também se estendem para a Tailândia, Camboja, Laos e Vietnã. Em anos recentes, grupos empresariais vietnamitas passaram a avançar na direção dos paupérrimos Laos e Camboja, buscando terras para a implantação de seringais e plantações de palma da Guiné. Grandes áreas florestais nesses países também passaram a sofrer com os desmatamentos.
No arquipélago das Filipinas, a situação é um pouco diferenciada – por causa de antigos laços comerciais e pela proximidade geográfica, o país foi transformado no grande fornecedor de madeiras para o Japão, nação que durante várias décadas foi a grande potência econômica da Ásia. Conforme comentamos em postagem anterior, as Filipinas ocupam a nada honrosa posição de país com um dos maiores percentuais de destruição de florestas nativas do mundo.
A África é outra região onde os capitais chineses financiam grandes operações florestais. Conforme já tratamos em postagens anteriores, a África é vista como o “futuro celeiro” da China. Já há muitos anos, os chineses vêm trabalhando com muitos governos africanos para viabilizar a construção de obras de infraestrutura como hidrelétricas, rodovias, ferrovias e portos. Generosos financiamentos com aval do Governo chinês foram aportados nessas obras.
De acordo com o teor do relatório, os mesmos mecanismos de poucas perguntas ao se conceder os financiamentos também se estenderam a empresas brasileiras do setor madeireiro que, bem por acaso, exportam seus produtos para a China.
Essa destruição massiva de recursos florestais e hídricos se junta aos enormes problemas sociais das populações desses países, transformando essas regiões nas mais insustentáveis do mundo. O moderno conceito de Sustentabilidade é formado pelo equilíbrio das áreas Social, Econômica e Ambiental. Infelizmente, o que mais se vê é uma busca frenética e selvagem apenas pelos ganhos econômicos de curto prazo.
Em tempos em que muita gente está preocupada com os desmatamentos em todo o mundo e de suas consequências para as mudanças climáticas globais, derretimento de geleiras e redução de caudais em rios importantes, a divulgação das operações de financiamento dos bancos chineses a empresas madeireiras ‘suspeitas” é preocupante.
Precisamos acabar de uma vez por todas com a hipocrisia e passar a trabalhar com seriedade pela saúde ambiental do planeta!
[…] BANCOS CHINESES SÃO ACUSADOS DE FINANCIAR OPERAÇÕES DE DESMATAMENTO EM TODO O MUNDO […]
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