A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO E A TRANSFORMAÇÃO DO RIO GUANDU EM MANANCIAL DE ABASTECIMENTO

Na última postagem apresentamos um rápido quadro histórico da carência crônica de água na cidade do Rio de Janeiro e em municípios da Baixada Fluminense. Sem contar com grandes rios, a região sempre dependeu de pequenos cursos d’água com nascentes nos morros e serras próximas. Em períodos de seca, quando as chuvas tinham forte redução, os volumes de água nesses cursos diminuía muito, o que comprometia o abastecimento das populações. 

A solução definitiva para o problema de abastecimento de água nessa grande e importante região só começou a ser desenhado a partir do início do século XX, quando grandes sistemas hidrelétricos começaram a ser construídos no interior do Estado do Rio de Janeiro. Grande parte da água utilizada para movimentar as turbinas dessas hidrelétricas passou a ser retirada da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul, sendo transposta primeiro na direção das represas desses sistemas e, depois da geração, eram despejadas na direção da bacia hidrográfica do rio Guandu. A geração de energia elétrica acabou se transformando na solução para a falta de recursos hídricos na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

As primeiras experiências na geração de energia elétrica na cidade do Rio de Janeiro datam da última década do século XIX. Em 1891 foi inaugurada uma linha de bondes elétricos entre a região do Largo do Machado e o bairro do Flamengo. A energia elétrica era gerada em uma central térmica a carvão mineral. Os altos custos do combustível e a falta de capitais levaram a empresa operadora à falência pouco tempo depois. 

Em 1895, a empresa belga SAG – Société Anonyme du Gaz, obteve a primeira concessão para exploração da eletricidade na iluminação pública, mas a distribuição da energia elétrica produzida a partir de usinas térmicas a carvão só terá seu início em escala comercial nos primeiros anos do século XX pela CBEE – Companhia Brasileira de Energia Elétrica, criada pelos empresários Cândido Graffrée e Eduardo Palassim Guinle. 

A consolidação do uso da eletricidade em larga escala no Rio de Janeiro e região seria iniciada em 1905, quando a empresa canadense Light and Power Company ganhou a concessão para operar na região. Desde 1903, a Light já desenvolvia estudos para a construção de usinas hidrelétricas no Estado e, após a concessão do serviço, iniciou a construção da Represa de Ribeirão das Lages e da Usina de Fontes, inauguradas em 1908. Uma parte importante da água armazenada na Represa de Ribeirão das Lages era bombeada do rio Paraíba do Sul através de uma estação elevatória. 

Em 1924, a empresa concluiu a construção da Usina Hidrelétrica Ilha dos Pombos, que foi a primeira a ser construída no rio Paraíba do Sul, em Carmo, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Essa usina utilizou um projeto técnico bastante inovador para a época, ampliando a capacidade do sistema gerador da Light em 187 MW. A Usina do Funil em Itatiaia (vide foto), foi concebida no início da década de 1930, com o objetivo de permitir a eletrificação de estradas de ferro nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. As obras, porém, acabaram adiadas em cerca de 30 anos e a usina só iniciou suas operações em 1969, com uma capacidade instalada de 219 MW. 

Uma das mais importantes obras de engenharia feitas pela Light e que teve grande impacto nos volumes de água do rio Guandu foi a construção da Barragem de Santa Cecília, concluída em 1952 e cujo objetivo foi permitir a reversão do curso do rio Piraí e o desvio de parte das águas do rio Paraíba do Sul (aproximadamente 109 m³ por segundo) na direção do Complexo de Lajes, aumentando a capacidade de geração do sistema.  Ao lado dessa Barragem foram construídas estações elevatórias que permitem o bombeamento da água do rio Paraíba do Sul para a Represa de Santana, no rio Piraí. A Estação Elevatória do Vigário bombeia a água da Represa de Santana em direção a Represa do Vigário e a partir daí a água passa a ser utilizada para a geração de energia elétrica.

Além dessas usinas, a Light também construiu as Hidrelétricas Nilo Peçanha, Fontes Nova e Pereira Passos, além da PCH – Pequena Central Elétrica, Pacambi. As estruturas hidráulicas que permitiram a transposição das águas do rio Paraíba do Sul na direção desse conjunto de usinas hidrelétricas incluem reservatórios, estações elevatórias e túneis. De acordo com informações da ANA – Agência Nacional de Águas, até 60% das águas da bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul são transpostas na direção do rio Guandu pelos sistemas da Light

A construção e operação das usinas hidrelétricas da Light transformaram o rio Guandu no principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A vazão histórica do rio Guandu, que era de 25 m³/s, foi sendo aumentada sucessivamente em função das obras para ampliação da capacidade de geração do Sistema Light, até atingir um volume de 160 m³/s.  Considerando que aproximadamente 30 m³/s de água precisam chegar até na foz do rio Guandu na Baía de Sepetiba para conter a intrusão de água salina na calha do rio, ainda sobrava um volume considerável de água para garantir o abastecimento da população na Região Metropolitana.

Em 1955, foi inaugurada a primeira etapa da construção da ETA – Estação de Tratamento de Água, do Guandu, em Nova Iguaçu, região da Baixada Fluminense. Essa unidade seria a redenção definitiva para o abastecimento de água de toda a Região Metropolitana. A ETA passou por ampliações em 1962, 1963 e em 1982, quando atingiu uma capacidade de produção de 43 mil litros de água potável por segundo, sendo considerada a maior unidade do tipo em operação no mundo.  

A ETA Guandu tem capacidade para atender uma população de até 9 milhões de habitantes. A unidade responde por aproximadamente 85% do fornecimento de água para a população da cidade do Rio de Janeiro e 70% do abastecimento dos municípios de Nilópolis, Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Itaguaí e Queimados. 

Apesar do volume de água na bacia hidrográfica do rio Guandu ter sido elevado substancialmente e ser grande o suficiente para atender as necessidades de consumo de grande parte da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a crescente degradação da qualidade das águas se transformou em um grande desafio. Conforme comentamos em uma postagem anterior, a ETA Guandu gasta mais de 210 toneladas de produtos químicos a cada dia nos processos de tratamento, o que não tem sido suficiente para garantir uma boa qualidade da água fornecida para a população

Além da baixa qualidade da água bruta retirada do rio Guandu, o sistema de distribuição de água “tratada” na Região Metropolitana do Rio de Janeiro tem um volume de perdas altíssimo. De acordo com dados do PERHI – Programa Estadual de Recursos Hídricos do Rio de Janeiro, essas perdas chegam na casa dos 40% e são provocadas por vazamentos nas tubulações das redes de distribuição e também por desvios de água – as famosas ligações clandestinas ou os populares “gatos”

Se esse nível de perdas de água no sistema fosse reduzido em 10%, se aproximando da média de perdas no Brasil, a água economizada seria suficiente para atender uma população de mais de 1,5 milhão de habitantes, o que é praticamente a soma de toda a população de Nova Iguaçu e de Duque de Caxias, dois dos mais populosos municípios da Baixada Fluminense. 

Como fica bem fácil de se perceber, o verdadeiro “milagre das águas” proporcionado pela criação do sistema gerador de energia elétrica da Light no Estado do Rio de Janeiro garantiu um aumento substancial dos volumes de água para o abastecimento da população da Região Metropolitana a partir do rio Guandu. Esse “milagre”, porém, não está sendo grande o suficiente – a crescente poluição no manancial está afetando a qualidade da água fornecida à população. 

Sem investimentos pesados em sistemas de coleta e tratamento de esgotos nas bacias hidrográficas dos rios Paraíba do Sul e Guandu, e também na renovação, manutenção e fiscalização da rede de distribuição de água, fluminense e cariocas vão continuar tendo dificuldades no acesso a água potável e de boa qualidade, mesmo contando com a aparente abundância do recurso no seu principal manancial. 

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