Você já ouviu falar da Ilha das Guianas?
Ela tem uma área com aproximadamente 1,7 milhão de km² e é considerada a maior ilha fluvio-marítima do mundo. Para efeito de comparação, esse território corresponde à soma das áreas de Portugal, Espanha, França, Alemanha e Itália. Cinco diferentes países têm partes ou a totalidade de seus territórios nessa Ilha: Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname e Guina Francesa, onde vivem 7 milhões de habitantes. A maior cidade dessa Ilha é Manaus (vide foto), a capital do Estado do Amazonas.
Já conseguiu entender alguma coisa? Vamos explicar:
Na última postagem falamos rapidamente do Canal do Cassiquiare (também chamado de Casiquiare e Cachequerique), uma “obra” única da natureza, responsável pela interligação das bacias hidrográficas do rio Amazonas, a maior do mundo, com a do rio Orinoco (ou Orenoco), a terceira maior da América do Sul. Com aproximadamente 320 km de extensão, o Cassiquiare surge como uma espécie de “braço” do rio Orinoco, através do qual um terço dos caudais desse rio passam a correr na direção do rio Negro, onde deságua nas proximidades da tríplice fronteira entre Colômbia, Venezuela e Brasil, bem próximo de São Gabriel da Cachoeira.
Se você consultar um mapa da região Amazônica, vai ver que o rio Orinoco, o maior rio da Venezuela com um curso sinuoso com aproximadamente 2.700 km de extensão, nasce no Sul do país, bem próximo da fronteira com o Brasil. O rio corre primeiro na direção Norte, fazendo a divisa entre a Venezuela e a Colômbia. Depois, ele vira na direção Leste, até atingir sua foz em um delta no Oceano Atlântico. O rio Negro, conforme apresentamos na postagem anterior, nasce na Colômbia, seguindo na direção da Venezuela a Leste, virando depois para o Sul em direção ao território brasileiro. O rio Negro segue na direção Sudeste até a confluência com o rio Solimões, formando o rio Amazonas.
Olhando com mais atenção para o mapa, você agora poderá observar que a Ilha das Guianas é uma grande extensão de terras cercada de águas por todos os lados (essa, aliás, é a definição clássica de ilha): o Oceano Atlântico de um lado; os rios Orinoco, Negro e Amazonas de outros – o Canal do Cassiquiare completa a delimitação da Ilha das Guianas, interligando os rios Orinoco e Negro.
A provável razão de você nunca ter ouvido falar da Ilha das Guianas ou do Canal do Cassiquiare, se deve, principalmente, à falta de estudos técnicos e geográficos da região. Para que todos tenham ideia da precariedade de informações sobre o Cassiquiare, o maior estudo sobre o Canal não foi feito nem pelo Brasil, nem pela Venezuela, mas sim pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos em 1943. É isso mesmo que você leu – a maior parte do que sabemos sobre o Canal do Cassiquiare, devemos aos odiados “gringos”.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o Oceano Atlântico “fervilhava” de tantos submarinos alemães em operação. Segundo dados históricos disponíveis, a Alemanha nazista chegou a operar uma frota de 1.153 submarinos (chamados de U-boot – Untersseboot em alemão), grande parte navegando no Oceano Atlântico. A missão desses submarinos era destruir navios cargueiros que se dirigiam para a Europa e para os Estados Unidos, com armas, munições, materiais, alimentos e combustíveis para abastecer os Países Aliados. Preocupados com as enormes perdas de navios e de vidas nesses ataques, os americanos passaram a buscar rotas alternativas para algumas cargas, especialmente através da navegação interna por hidrovias. Os estudos feitos no Canal do Cassiquiare buscavam a criação de uma rota alternativa para o escoamento do precioso látex da Amazônia. Para nosso azar, esses planos não foram concretizados e o Cassiquiare voltou ao esquecimento.
As informações mais antigas conhecidas sobre uma interligação entre os grandes rios Amazônicos datam de 1541 e são encontrados no relato da expedição espanhola de Francisco de Orellana. Informações obtidas com indígenas “menos selvagens” falavam de um lago chamado Manoa ou Parimé na interligação entre os rios Negro e Orinoco. Walter Raleigh, explorador e corsário inglês, realizou incursões no atual território da Venezuela em 1596 e também recolheu informações com os indígenas que falavam da existência desse Canal. A primeira descrição formal do Canal do Cassiquiare, datada de 1639, se deve ao padre jesuíta espanhol Cristóbal de Acuña, descrição que foi considerada “fantasiosa” pelos geógrafos da época. Um outro sacerdote jesuíta, Manuel Román, navegou pelo Cassiquiare em 1744 e atingiu o rio Negro. Em 1756, a Comissão de Demarcação da Espanha, liderada por José de Iturriaga, fez extensos estudos geográficos na região e confirmou a existência do Canal do Casiquiare.
O primeiro estudo sério sobre o Canal do Cassiquiare nos foi legado por Alexander Von Humboldt, respeitado naturalista, geógrafo e explorador de origem alemã (nascido em Berlim, na época pertencente à Prússia), que entre os anos de 1799 e 1804 realizou uma grande viagem exploratória nas Américas Central e do Sul. Em fevereiro de 1800, Humboldt iniciou uma expedição que duraria cerca de quatro meses pelo Orinoco, um rio que até então era praticamente desconhecido. A expedição percorreu aproximadamente 2.750 km e, entre inúmeras descobertas nos campos da geografia, biologia e botânica, fez um relato completo do Canal do Cassiquiare, indicando claramente a localização geográfica do ponto de bifurcação onde o Canal se origina no rio Orinoco e a confluência no rio Negro, além de descrições detalhadas sobre a calha e as margens. Humboldt navegou pelo Canal até o rio Negro, entrando em território brasileiro. Ele e seus companheiros de expedição foram interceptados por patrulhas portuguesas, considerados espiões da Alemanha e forçados a voltar para o território da Venezuela. Em 1812, Humboldt publicou estudos e mapas completos sobre a região, incluindo-se as informações sobre o Cassiquiare.
Como se pode notar, apesar do “mundo inteiro” saber da existência do Cassiquiare desde poucas décadas após a descoberta da América, o Canal não passa de uma “curiosidade geográfica” até os nossos dias. A exceção de uns poucos ribeirinhos amazônicos, a maioria indígenas, que costumam navegar por suas águas esquecidas, o Canal do Cassiquiare é um presente geológico que nos foi dado pela natureza e que permanece “largado” e esquecido em algum canto – algo parecido com aquele presente de aniversário que você ganhou, odiou e fez questão de esquecer em algum canto remoto de sua casa.
Encerrando, deixo uma informação para você ficar pensando no assunto: as duas principais hidrovias da Europa, dos rios Reno e Danúbio, são interligadas através do Canal Meno-Danúbio, na Alemanha. Esse Canal, que tem 171 km de extensão e diversas eclusas, começou a ser construído no ano de 793, por ordem do Imperador Carlos Magno, e só foi concluído no ano de 1992, a custos “proibitivos”. Graças a esse Canal, uma embarcação pode navegar pelo Continente desde o Mar Negro, no extremo Leste da Europa, até o Porto de Rotterdam, na Holanda, de onde poderá atingir o Mar do Norte.
Enquanto isso, o Cassiquiare, um Canal de 320 km de extensão, que liga naturalmente as bacias hidrográficas dos rios Amazonas e do Orinoco e não nos custou um único centavo, nem sequer é conhecido pela nossa população.
Quanta ingratidão à mãe natureza. Ou melhor, como somos estúpidos!
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