
A soja, um grão de origem asiática, despontou nas últimas décadas como “a grande” cultura do agronegócio brasileiro. Nesse complicado ano de 2020, com pandemia de Covid-19 e tudo mais, as exportações brasileiras acumuladas de soja já estão batendo a marca de 70 milhões de toneladas. O Brasil conquistou recentemente o título de “maior produtor de soja do mundo”.
A soja surgiu na China há cerca de 5 mil anos atrás, a partir do cruzamento de duas espécies selvagens de grãos. O grão resultante possui um alto teor de gordura e proteína, caindo rapidamente no gosto popular e passando a ser um ingrediente fundamental na culinária chinesa na forma de óleos e molhos. Foi ao longo do século XX, porém, que a soja começou a ganhar o mundo, tendo sido plantada inicialmente nos Estados Unidos, onde o grão se adaptou rapidamente ao clima, muito similar ao da China. No Brasil, a soja precisou seguir por um longo caminho até se transformar na “estrela” do campo.
Nenhuma outra cultura agrícola avançou tão rapidamente pelos campos do nosso país como a soja. E este fenômeno não se deu apenas em terras brasileiras: a soja avançou por diferentes países como Índia, Estados Unidos, Argentina, Paraguai e, nas últimas décadas, por diversos países africanos. Ao contrário de culturas tradicionais como o trigo, a cevada e o centeio, que gastaram milhares de anos para conquistar o mundo, a soja o fez em menos de um século.
Durante muito tempo, a soja foi considerada uma espécie de “curiosidade” agrícola aqui no Brasil. As primeiras sementes do grão foram trazidas dos Estados Unidos e chegaram à Escola de Agronomia da Bahia em 1882. Vários agricultores receberam as sementes com instruções para o plantio, que acabou não sendo muito bem-sucedido por causa do clima quente da Bahia – a planta preferia um clima Temperado como o do Meio Oeste americano. Os agricultores brasileiros também não conseguiam entender exatamente para que ela servia – o grão, apesar de lembrar um pouco ao feijão, não tinha o mesmo sabor ou textura quando cozido e temperado.
Há notícias de estudos com a soja em 1891 no Instituto Agronômico de Campinas no interior do Estado de São Paulo, que segundo consta, distribuiu sementes da planta para diversos produtores. De acordo com informações da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias, foram realizados plantios experimentais da planta a partir de 1901 no Estado do Rio Grande do Sul, onde se buscavam melhores resultados graças ao clima Subtropical, mais próximo do clima Temperado dos Estados Unidos.
No Estado de São Paulo, após a chegada dos primeiros imigrantes japoneses, o grão passou a ser encontrado no comércio com um pouco mais de facilidade. Fora esses casos isolados, não há notícias do cultivo da soja em maior escala até a década de 1920, quando produtores do Noroeste do Rio Grande do Sul passaram efetivamente a plantar soja com vista à produção de ração para porcos.
Uma das histórias interessantes sobre o começo da cultura da soja no Brasil e que demonstra o quanto a sua produção era considerada “marginal” pelos agricultores pode ser vista na vida de Albert Lehenbauer, um missionário luterano americano, que foi o responsável pela popularização do grão entre os seus paroquianos. Segundo os relatos preservados, o pastor Lehenbauer ficou extremamente chocado com o grau de pobreza de algumas vilas rurais da região de Santa Rosa, cidade gaúcha para a qual foi enviado como missionários.
Em 1923, voltando de uma viagem de férias aos Estados Unidos, o pastor trouxe algumas garrafas com grãos de soja. Esses grãos foram distribuídos em pequenas latas e punhados entre os membros de sua congregação. O pastor Lehenbauer orientou pessoalmente cada agricultor sobre o plantio da soja, ensinando cada um sobre o grande potencial energético do grão para a engorda dos animais, especialmente os porcos. Essas comunidades rurais podem ser consideradas as primeiras do Brasil a viverem do plantio da soja.
O cultivo da soja só passou a ganhar destaque a partir da década de 1940, quando as indústrias perceberam o potencial do grão para a produção de óleos e gorduras vegetais. Com o avanço da urbanização, que passou a se acentuar a partir dessa data, as famílias passaram a mudar alguns de seus hábitos alimentares – o tradicional uso da banha de origem animal para a preparação de alimentos passaria a ser substituído pelo uso de óleos e gorduras de origem vegetal.
Além desse uso, a soja passou a encontrar seu espaço como uma nova fonte de proteína para consumo humano, especialmente na forma de farinhas para o enriquecimento de alimentos, e também se consolidou como insumo básico para a fabricação de rações para alimentação animal. E foi assim, lentamente, que o grão de origem asiática passou a fazer parte das paisagens gaúchas, disputando seu espaço com o trigo e o arroz, e também com a pecuária, essas as mais tradicionais atividades do Extremo Sul do Brasil.
Além dos cultivos criados nas áreas de campos naturais do Rio Grande do Sul – os famosos Pampas Gaúchos, a cultura da soja encontraria espaço nos férteis solos dos antigos domínios da Mata Atlântica na faixa Norte do Estado. Conforme comentamos em postagem anterior, o Governo Imperial passou a implementar uma série de políticas para o estímular a ocupação territórial do Extremo Sul. Uma das alternativas era a abertura para uma imigração europeia a partir da década de 1820, disponibilizando terrenos, sementes e ajuda financeira para o assentamento desses imigrantes.
Com muitas disputas territoriais não resolvidas com a Argentina, país que reivindicava a posse do Rio Grande do Sul, as invasões por tropas e grupos castelhanos eram frequentes. A questão ganhava uma maior dramaticidade pelo escasso povoamento da Província. A questão da colonização do Extremo Sul por imigrantes, preferencialmente por europeus católicos brancos, começou a ser gestada ainda no Governo de Dom João VI, foi implementada já no reinado de Dom Pedro I e foi consolidada pelo Imperador Dom Pedro II. O movimento migratório prosseguiria no Período Republicano.
A região Noroeste do Estado, rica em matas com grande potencial madeireiro – especialmente a madeira de pinho das araucárias, foi transformada em uma dessas frentes de colonização. Em poucas décadas, essas matas desapareceram e foram transformadas em campos agrícolas e pastagens. O cultivo da soja se transformaria em uma excelente opção econômica para os agricultores locais.
O clima subtropical dessa região, com invernos frios e secos e verões quentes e chuvosos, era muito parecido com aquele das regiões originais do grão, o que levou a uma perfeita aclimatação da cultura ao Sul do Brasil. Lembro aqui que as sementes de soja passariam por um intenso trabalho de melhoramento genético na década de 1970 pela Embrapa, onde surgiriam variedades especialmente adaptadas para os solos e clima do Cerrado brasileiro.
O Rio Grande do Sul funcionou como uma espécie de “laboratório” para a produção da soja em áreas de clima subtropical do Brasil, abrindo o caminho para o avanço da cultura sobre áreas dentro dos domínios da Mata Atlântica em Santa Catarina e no Paraná. Grandes fragmentos de matas que haviam resistido à extração madeireira ou a implantação de outras culturas, dessa vez sucumbiriam ao avanço da soja.
Continuaremos na próxima postagem.
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[…] em direção à Região Sul. Depois vieram a exploração de madeiras, a criação de animais, a produção de soja e outros grãos. Da área original de 1,2 milhão de km² dos primeiros tempos de nossa […]
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[…] e ao interior do território brasileiro. Falo aqui do café, do milho, do feijão, das laranjas, da soja e de muitas outras culturas agrícolas que necessitavam de solos livres das incômodas e inúteis […]
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