
A soja chegou ao Brasil nos últimos anos do século XIX, quando foram feitos alguns experimentos em escolas agrícolas da Bahia e de São Paulo. A produção do grão em grande escala começou mesmo na região de Santa Rosa, município do Nororeste do Rio Grande do Sul. Existe aqui divergências de datas – algumas fontes afirmam que foi em 1914 e outras que foi em 1923. Divergências à parte, a região de Santa Rosa está inserida 100% nos domínios da Mata Atlântica e esse é o nosso ponto de interesse.
Toda a faixa Norte do Estado do Rio Grande do Sul era coberta por uma densa floresta de Mata Atlântica que começava no litoral e se estendia até a fronteira com Argentina. Essa mata avançava pelo território argentino e chegava até o Leste do Paraguai. Em grande parte, essa mata era formada pela chamada Floresta Ombrófila Mista, mais conhecida entre nós como Mata das Araucárias. A colonização do Noroeste do Rio Grande do Sul foi motivada em grande parte pela grande disponibilidade de madeiras de grande valor comercial como o pinho, o cedro, as imbuias e os marfins.
Bastaram poucas décadas para os recursos florestais dessa região se esgotarem e as principais atividades econômicas se voltaram para a produção agrícola e pecuária. O Governo gaúcho estimularia a produção de trigo e de frutas de clima temperado na região. Foi dentro desse ambiente que a soja paulatinamente foi ganhando seu espaço. O grão se mostrou excepcional para uso como um importante ingrediente na produção de ração para animais.
Até o ano de 1950, as microrregiões vizinhas de Santa Rosa, Missões e de Ijuí concentravam 93,65% da produção de soja do Rio Grande do Sul. O município de Santa Rosa, pioneiro no cultivo do grão, apresentava nesse ano uma produção de 24 mil toneladas, o que correspondia a 70% da produção gaúcha, com uma área cultivada de 17 mil hectares.
Toda essa produção era destinada ao “consumo próprio” desses municípios, usada principalmente como ingrediente para a ração de animais. O primeiro registro de comercialização de sacas de soja no Rio Grande do Sul data de 1936. A soja passou a ganhar importância econômica em 1947, quando a Europa enfrentou uma crise na produção de gorduras e óleos vegetais e começaram as exportações dos grãos produzidos no Rio Grande do Sul.
Em 1950, o Estado já possuía quatro empresas especializadas na produção de óleos e gorduras vegetais a partir do processamento da soja. Apesar de serem empresas de pequenos e médio porte, essas empresas passaram a estimular o aumento da produção de soja no Rio Grande do Sul. Ao final da década de 1950 eram 9 indústrias, número que aumentou para 14 no final da década de 1960.
Um fator mercadológico importante, que estimulou a produção da soja no Brasil, era a diferença do período de safra em relação aos Estados Unidos. Devido à diferença entre as estações climáticas nos Hemisférios Norte e Sul, a soja brasileira chegava ao mercado internacional exatamente no período de entressafra dos Estados Unidos. Essa situação fazia com que os preços do produto estivessem em alta devido à escassez do período, o que proporcionava bons ganhos para os produtores.
Graças a isso, a participação da produção brasileira de soja passou a ganhar relevância no mercado mundial – em 1968 ela representava 1,64% da produção mundial e saltou para 8,28% já em 1973. O Brasil também se beneficiou de diversos problemas climáticos nos Estados Unidos como as grandes nevascas e as enchentes no rio Mississipi entre 1972 e 1973;.
Outro fator importante foi o início das importações pela antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e de uma forte queda na produção de farinha de peixe (fonte de proteína) ao longo da década de 1970, o que estimulou um aumento na produção de derivados de soja.
Os produtores de trigo também perceberam que podiam se favorecer da cultura da soja – o trigo é uma cultura de inverno e poderia ser alternado com o plantio da soja no verão, aumentando a rentabilidade das lavouras. Os mesmos implementos e equipamentos agrícolas usados pelo trigo podiam ser utilizados no plantio e colheita da soja. A cultura também se adaptou perfeitamente aos solos das áreas de campos onde o trigo era cultivado.
Ao longo da década de 1960, a cultura do trigo entrou em crise no Rio Grande do Sul. O Governo brasileiro fez um acordo com os Estados Unidos, reduzindo a carga tributária para a importação do produto americano, o que prejudicou, e muito, a competitividade do trigo produzido no Brasil. Problemas climáticos também afetaram a produção do trigo no período – os produtores passaram a abandonar essa cultura e passaram a se concentrar na produção da soja.
Esse período também foi marcado por um importante aumento da mecanização do campo, o que resultou num aumento substancial da produtividade. A partir do final da década de 1950, o Governo Federal criou uma série de incentivos para a indústria automobilística e de auto peças, o que estimulou a instalação de diversas empresas fabricantes de tratores e máquinas agrícolas no país. Com a produção nacional, esses equipamentos ficaram mais baratos e cada vez mais acessíveis aos pequenos e médios produtores.
O sucesso da soja no Rio Grande do Sul contou também com a eficiente estrutura de cooperativas que surgiram em função da cultura do trigo e que rapidamente passou a ser usada pelos produtores de soja. Operando no sistema de cooperativas, os pequenos e médios produtores tinham grandes facilidades para comercializar o seu produto em condições mais favoráveis, além de contar com uma boa estrutura de assistência técnica agrícola.
O Governo Federal, que a partir da década de 1960 passou a estimular políticas para o aumento das exportações brasileiras, também foi fundamental para a consolidação da cultura da soja no Rio Grande do Sul. Essas políticas começavam com a garantia de preços mínimos para os produtores e com a concessão de financiamentos para a produção pelos bancos oficiais a juros baixos e/ou subsidiados. Esse conjunto de estímulos também seriam fundamentais para a expansão da cultura da soja nos demais Estados da Região Sul e também em São Paulo
Entre 1965 e 1970, a área de produção de soja no Rio Grande do Sul mais do que dobrou, chegando perto dos 500 mil hectares. Entre 1970 e 1975, a produção teve um novo salto, atingindo a marca de 3,1 milhões de hectares e passando a ocupar cerca de 40% das terras agricultáveis do Estado. Atualmente, a cultura ocupa perto de 6 milhões de hectares de terras no Estado.
A demanda internacional pela soja não parou mais de crescer – especialmente pela China, e os produtores brasileiros buscariam novas áreas para a expansão dos campos agrícolas. No Rio Grande do Sul houve um grande aumento na demanda por novas terras e as as áreas renascentes da Mata Atlântica no Estado passaram a ser cada vez mais pressionadas.
A Mata Atlântica, que originalmente cobria 25% do território do Rio Grande do Sul, hoje está reduzida a apenas 7,5% do território gaúcho. Esses remanescentes florestais estão altamente fragmentados e localizados principalmente em topos de morros, encostas de serras e outras áreas de difícil acesso. Além dos graves problemas criados para as fontes de água, essa fragmentação de áreas florestais pode levar inúmeras espécies animais e vegetais à extinção.
Assim como aconteceu nos ciclos da produção do açúcar, do café e na exportação de madeiras, entre outros, destruímos grande parte de nossas riquezas naturais para fornecer gêneros alimentícios e matérias primas para os mercados internacionais. Infelizmente, o mesmo ocorreu (e está ocorrendo) com a soja no Rio Grande do Sul e em outros Estados – derrubamos matas riquíssimas para produzir soja, um grão que é usado em grande parte para produzir ração para porcos na China e em outros países.
Sempre me pergunto se esses foram bons negócios para nós brasileiros…
[…] da bacia hidrográfica é a agricultura, formada principalmente por cultivos de milho, trigo e soja. Essas culturas demandam grandes volumes de fertilizantes e agrotóxicos, produtos que geram muitos […]
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