A NAVEGAÇÃO NO RIO SÃO FRANCISCO

Benjamim Guimarães

Uma forma de avaliarmos a “quantas anda” a saúde do rio São Francisco é verificarmos como está a navegação em suas águas. E as notícias, infelizmente, não vão ser das melhores. 

Pelas características dos terrenos que atravessa ao longo do seu curso de mais de 2.800 km, a calha do rio São Francisco nunca permitiu a navegação em todo o seu curso. Entre os principais obstáculos naturais para a navegação destaca-se a famosa Cachoeira de Paulo Afonso, um conjunto de degraus rochosos com um desnível total de mais de 80 metros. Outro obstáculo era o Salto do Sobradinho, hoje encoberto pelo Lago homônimo, um trecho rochoso do leito do rio e com fortes corredeiras. As intervenções humanas, especialmente a construção de barragens de usinas hidrelétricas sem eclusas para a navegação, ajudaram a complicar ainda mais a situação. 

O rio São Francisco pode ser dividido em quatro trechos diferentes: o Alto Rio São Francisco, que vai das nascentes na Serra da Canastra até Pirapora; o Médio, que vai de Pirapora, no Estado de Minas Gerais, até Remanso, na Bahia; o Submédio, localizado entre Remanso e Paulo Afonso e, finalmente, o Baixo Rio São Francisco, que vai de Paulo Afonso até a foz no Oceano Atlântico. Os trechos navegáveis se encontravam, em sua maior parte, nas regiões do Médio e Baixo Rio São Francisco.   

O Baixo Rio São Francisco começou a ser navegado ainda nos primeiros tempos da Colonização do Brasil. O historiador português Gabriel Soares de Sousa, autor do Tratado Descritivo do Brasil, publicado pela primeira vez em 1587, nos legou um breve registro dessa navegação:  

“Navega-se este rio com caravelões até a cachoeira, que estará da barra vinte léguas, pouco mais ou menos, até onde tem muitas ilhas, que o fazem espraiar muito mais que na barra, por onde entram navios de 50 tonéis pelo canal do Sudoeste, que é mais fundo que o do Nordeste.”   

Considerando que a légua portuguesa na época correspondia a aproximadamente 5 km (dependendo da fonte consultada, esse valor pode variar), essa antiga navegação subia pelas águas do rio São Francisco até 100 km da foz. As cidades de Penedo, em Alagoas, e Neópolis, em Sergipe, foram importantes portos fluviais neste período colonial, utilizados principalmente para o escoamento do açúcar produzido na região.  

Até algumas décadas atrás, embarcações menores, que tem pouco calado, conseguiam atingir o munícipio de Piranhas, no Estado de Alagoas, nas proximidades da barragem da Usina Hidrelétrica de Xingó e a cerca de 208 km da foz do rio. Com a contínua redução dos caudais do rio e a consequente redução da profundidade, a navegação por este trecho do rio São Francisco se tornou bastante perigosa

Outro importante trecho, que foi navegável e navegado por muito tempo, ligava a cidade de Pirapora, no Estado de Minas Gerais, até as cidades de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, no Estado da Bahia, numa extensão de 1.371 km. Atualmente, algumas embarcações menores, especialmente turísticas, ainda conseguem navegar além destas duas cidades, seguindo por alguns trechos entre os paredões do canyon e chegando até as proximidades de Paulo Afonso.  

Esse trecho navegável foi muito importante durante o chamado Ciclo do Ouro, que se estendeu por todo o século XVIII, quando foi intensa a navegação de barcaças com aventureiros e suprimentos através das águas do rio São Francisco na direção das Minas Gerais. Aqui é importante citar o rio Doce que, apesar de também permitir a navegação desde sua foz, no litoral do Espírito Santo, até as proximidades da região de Mariana, no coração das Geraes – com alguns obstáculos, é claro, não podia ser usado para navegação. O trecho final do rio era território dos implacáveis e ferozes índios botocudos, que resistiram aos invasores “brancos” até o final do século XIX. 

A navegação entre Pirapora e Petrolina/Juazeiro foi muito importante para o transporte regional de cargas e pessoas. Uma das mais icônicas embarcações a realizar esta viagem foi o vapor Benjamim Guimarães. Fabricado nos Estados Unidos em 1913, o vapor chegou a navegar pelas águas do rio Mississipi e da bacia Amazônica. Em meados da década de 1920, chegou ao rio São Francisco, onde fez história.  

Com capacidade para transportar até 170 passageiros, o Benjamim Guimarães (vide foto) gastava entre 3 e 5 dias para realizar a viagem, consumindo o equivalente a 1 m³ de lenha para cada hora navegada. Em 1955, todas as empresas de navegação foram encampadas pela União e o vapor Benjamim Guimarães, junto com outras trinta e uma embarcações, foi transferido para o Serviço de Navegação do São Francisco, passando depois para a Companhia de Navegação do São Francisco.  

A partir da década de 1960, com a abertura de estradas de rodagem e com a popularização cada vez maior dos transportes em ônibus e caminhões, essa rota fluvial foi perdendo importância e o número de embarcações foi sendo reduzido ano após ano. A degradação ambiental em toda a bacia hidrográfica também cobrou um alto preço, se refletindo em fortes reduções nos caudais, com o afloramento de rochas do fundo e com o surgimento de bancos de areia e de entulhos por grandes extensões – nos períodos de seca, a navegação por vários trechos desta antiga rota fluvial se tornou bastante difícil.  

Nos últimos anos, o transporte de cargas voltou a ganhar importância ao longo de um trecho de 560 km de águas do rio São Francisco e de alguns dos seus afluentes, como os rios Paracatu, Grande e Corrente. A Hidrovia do Rio São Francisco já transporta, anualmente, cerca de 60 mil toneladas de cargas, com um enorme potencial de crescimento. Devidos aos problemas de assoreamento em vários trechos, essa navegação é mais intensa nos períodos das chuvas, quando o nível dos rios da bacia hidrográfica aumenta consideravelmente. 

Com o forte crescimento do agronegócio na região conhecida como MATOPIBA, que engloba áreas do MAranhão, TOcantins, PIauí e BAhia, seria de se esperar um aumento do transporte de cargas agrícolas por via hidroviária em vários afluentes e em trechos do rio São Francisco. O Governo Federal está trabalhando na construção da FIOL – Ferrovia de Integração Oeste Leste, modal de transporte que vai ligar a Região Centro-Oeste até o Porto Sul, em Ilhéus no Sul da Bahia. Esse novo modal de transporte trará um grande potencial para integração de cargas transportadas através dessa hidrovia. 

Infelizmente, o avanço das fronteiras nessa extensa região de Cerrado implica na substituição de áreas de matas nativas por campos de soja e milho. Conforme já comentamos em postagens anteriores, o Cerrado abriga importantes aquíferos e lençóis subterrâneos de água, fundamentais na alimentação de nascentes de rios, muitos dos quais são afluentes do rio São Francisco. 

Ou seja – o grande potencial hidroviário de vários rios dessa região para o transporte de grãos produzidos no MATOPIBA está sendo comprometido pelo próprio avanço das frentes agrícolas nessa região. O transporte hidroviário é bem mais barato que o rodoviário, o modal mais utilizado para o transporte de grãos aqui no Brasil. Combinado com os baixos custos do transporte ferroviário, os fretes para o transporte dos grãos do MATOPIBA seriam imbatíveis e tornariam esses produtos extremamente competitivos no mercado interno e externo. 

Projetos de reflorestamento de grande envergadura em áreas de nascentes de riachos e rios em áreas de Cerrado, respeito ao Novo Código Florestal que estabelece a preservação de 35% da mata nativa em áreas de Cerrado e a realização de dragagem em trechos críticos tomados pelo assoreamento, são algumas medidas urgentes que precisam ser implementadas para que se estabilize a situação crítica atual do rio São Francisco, antes das coisas começarem a melhorar.  

Além de garantir a continuidade da navegação em trechos importantes do rio, essas medidas contribuirão para a melhorias dos volumes dos caudais e da qualidade das águas do nosso Velho Chico, além de contribuir muito para a preservação da ictiofauna nativa do rio

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