As áreas do Cerrado foram consideradas, por muito tempo, como inadequadas para a agricultura comercial de larga escala. Com solos extremamente ácidos e considerados pouco férteis, extensos trechos das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte ficaram ocupadas (em muitos casos nunca foram ocupadas) por pequenas propriedades rurais e por lavouras de subsistência durante vários séculos. Com a criação de tecnologias para a correção do solo e com o desenvolvimento de sementes adaptadas para crescimento em regiões do Cerrado, um bioma com mais de 2 milhões de km², esse panorama começou a mudar rapidamente. Na década de 1970, quando os grandes projetos de ocupação de todo o território brasileiro passaram a ser implementados pelos governos militares, o Cerrado virou uma das prioridades.
A expansão dos campos agrícolas se expandiu rapidamente na direção de Mato Grosso, que acabou dividido em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Rondônia e Acre, de um lado, e Norte de Goiás, que acabou se transformando no Estado de Tocantins, Oeste da Bahia e, mais recentemente, na direção do Sul do Estado do Piauí e do Maranhão. Regiões do Cerrado nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, que já estavam ocupadas por cidades e plantações experimentaram saltos na produtividade. Atualmente, os antigos domínios do Cerrado concentram 36% de todo o rebanho bovino, 63% da produção de grãos – 30% do Cerrado foi transformado em pastagens para boiadas.
Nos últimos dez anos, o Cerrado foi o bioma brasileiro que sofreu a maior perda de área nativa – 50 mil km², área maior do que o território do Estado do Rio de Janeiro. A região conhecida como Matopiba, que incorpora áreas dos Estados do Maranhão, Tocantis, Piauí e Bahia, é atualmente a maior fronteira agrícola para expansão da cultura de grãos e apresenta as maiores perdas de vegetação nativa do bioma.
As áreas de Cerrado do Oeste do Estado da Bahia contam atualmente com 1,6 milhão de hectares de soja plantada, com uma produção anual que já atinge o volume de 5,4 milhões de toneladas. As culturas de milho e algodão também vem crescendo significativamente na região. Essa nova frente agrícola está sendo a principal responsável pela revitalização da Hidrovia do Rio São Francisco, transformada, cada vez mais, num importante sistema para o escoamento dessa produção. Um dos caminhos usados pelos produtores do Oeste da Bahia é o terminal do Porto de Muquém do São Francisco, que recebe, entre outras, cargas de caroços de algodão transportados por carretas desde os centros produtores. Os caroços seguem em comboios de carga pelo rio São Francisco, num trecho navegável de 610 km até Petrolina, em Pernambuco, onde recebem processamento.
A Hidrovia do Rio São Francisco tem aproximadamente 2.300 km de águas potencialmente navegáveis nos rios São Francisco, Paracatu, Grande e Correntes, alguns dos seus principais afluentes. O principal trecho em operação comercial liga as cidades de Ibotirama e Juazeiro/Petrolina, com uma extensão total de 560 km. Devido aos diversos problemas de assoreamento e entulhamento da calha do São Francisco, os comboios de carga utilizados ficam restritos a um calado máximo (distância entre a linha d’água e o fundo da barcaça) de 1,5 metro e a cargas máximas entre 2 e 3 mil toneladas. O tempo de viagem pode chegar a 10 dias – em condições ideais na calha do rio, esse tempo de navegação poderia ser reduzido à metade.
O principal polo de cargas da região fica localizado nas cidades de Juazeiro, no Norte do Estado da Bahia, e Petrolina, cidade vizinha em Pernambuco. Além dos grãos produzidos nas regiões de Luís Eduardo Magalhães e Barreiras, a Hidrovia do Rio São Francisco, em conjunto com outros modais de transporte, tem potencial para atender a produção de frutas e de cana-de açúcar das áreas irrigadas do Vale do São Francisco, avicultura de regiões como a de Feira de Santana, polos mineradores como o de Araripina no Piauí, região produtora de gipsita, mineral usado na produção de gesso, e de Ibotirama, produtor de calcário agrícola usado como corretivo de solos. A entidade que representa os produtores rurais do Oeste da Bahia acredita que a Hidrovia tem potencial para transportar até 5 milhões de toneladas por ano.
Um dos principais caminhos para expansão da cadeia intermodal de exportação de produtos agrícolas e industriais da Hidrovia do Rio São Francisco são as ferrovias. A região das cidades de Juazeiro e Petrolina, em breve, poderá estar ligada por via ferroviária ao Porto de Aratu na Baia de Todos os Santos. A antiga ferrovia passou por um processo de concessão à iniciativa privada, a partir do qual espera-se a modernização da via férrea de 550 km, criando um importante corredor de ligação com o oceano. Outro ponto de integração importante é o Terminal Intermodal de Pirapora que, desde 2010, transporta anualmente mais de 500 mil toneladas de soja até o Porto de Tubarão, no Estado do Espírito Santo.
A cidade de Pirapora, conforme já comentamos em postagem anterior, já teve um dos mais importantes portos fluviais do rio São Francisco. Até décadas atrás, um trecho navegável de 1.371 km ligava as cidades de Pirapora e Juazeiro/Petrolina, com grande circulação de embarcações com passageiros e com cargas. Essa via fluvial, gradativamente, foi perdendo importância ante a forte concorrência das rodovias. Além do abandono da navegação fluvial, o rio São Francisco passou a enfrentar uma série de problemas ambientais, onde se destacam o assoreamento e entulhamento de sua calha, problemas que criam obstáculos para o tráfego de embarcações.
Outro problema gravíssimo na região de Pirapora, é a redução dos caudais do rio São Francisco. Se você consultar a ANA – Agência Nacional de Águas, provavelmente será informado que a vazão média anual do rio São Francisco é de 2.486 m³/segundo, variando de 1.077 m³/segundo no período da seca e 5.290 m³/segundo na estação das chuvas. Apesar desses números oficiais, a atual vazão do rio é bem menor que isso – recentemente, por causa da forte seca na região do Semiárido, a CHESF – Companhia Hidrelétrica do Rio São Francisco, estava operando com uma vazão de 600 m³/segundo nas suas Usinas Hidrelétricas de Sobradinho, Paulo Afonso e Xingó. Nas proximidades da cidade de Pirapora, onde a vazão mínima ideal do rio São Francisco é de 600 m³/segundo nos períodos de seca, atualmente está situada numa faixa entre 300 e 450 m³/segundo. Sem a realização de obras para a dragagem do leito do rio e criação de um canal de navegação ou outras iniciativas que permitam a elevação do nível da água, a navegação neste trecho do rio fica inviabilizada fora dos períodos das chuvas. Uma alternativa que vem sendo discutida é o aumento da vazão da barragem de Três Marias nos meses da seca.
Uma outra iniciativa que poderá ajudar a ampliar o atual trecho navegável no rio São Francisco em até 400 km será a construção das Usinas Hidrelétricas de Riacho Seco e Pedra Branca, unidades ainda em fase de projeto e viabilização pela CHESF. Os lagos que serão formados por estas barragens permitirão a navegação na direção do Baixo Rio São Francisco através de eclusas até a barragem da Usina Hidrelétrica de Itaparica, nas proximidades da cidade de Paulo Afonso.
Como visto, a Hidrovia do Rio São Francisco representará um grande avanço para importantes regiões do Brasil. Mas é preciso que se façam as coisas andarem.
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