PROBLEMAS AMBIENTAIS AMEAÇAM OS GRANDES LAGOS DO MUNDO 

O Mar de Aral, localizado numa grande depressão entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, já foi o quarto maior lago do mundo. Até meados do século XX, o espelho d`água cobria uma área de 68 mil km², algo equivalente a três vezes e meia o Estado de Sergipe. A agricultura com irrigação intensiva nas Repúblicas da Ásia Central, onde o principal produto é o algodão, destruiu, literalmente o Mar de Aral, que atualmente está reduzido a 20% de sua área original. 

A Ásia Central é uma sucessão de estepes semiáridas e de desertos, que vem sendo habitada desde tempo imemoriais por povos nômades praticantes do pastoreio de animais. Essa vasta região é cortada por dois grandes rios – o Amu Daria e o Syr Daria. As nascentes desses rios se formam a partir do degelo de glaciares no alto das Montanhas Himalaias e em cordilheiras associadas como as Montanhas Pamir

Correndo no sentido Sudeste-Noroeste por mais de 2.300 km, esses rios desaguam numa grande bacia endorreica – o Mar de Aral, onde se formava um grande oásis no meio de planícies semiárida. Em bacias hidrográficas endorreicas, relembrando o conceito da geografia, a água se perde por ação da evaporação. Portanto, é essencial que o corpo d`água continue recebendo aportes regulares de água a fim de manter o seu nível estável. 

Conforme comentamos em uma postagem anterior, após a formação da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1917, o Governo Central em Moscou decidiu que as Repúblicas da Ásia Central – Cazaquistão, Uzbequistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Quirguízia, seriam transformadas nos celeiros agrícolas do bloco. Para levar isso a cabo, grandes obras para a construção de canais de transporte de água e de irrigação a partir dos rios Amu Daria e Syr Daria seriam construídas. 

Usando e esbanjando as preciosas águas desses importantes rios, os burocratas do Kremlin conseguiram atingir seus objetivos. Grandes tonelagens de grãos como trigo, milho e cevada, e depois fabulosos volumes de algodão, foram colhidas nessa extensa região. O custo ambiental, entretanto, foi altíssimo. A irrigação passou a consumir volumes equivalentes a 90% dos caudais dos rios Amu Daria e Syr Daria. A água que abundava nas plantações começou a escassear no Mar de Aral. 

Sem conseguir repor as perdas de água para a evaporação, o Mar de Aral começou a secar lentamente. Grandes áreas que antes formavam o fundo do lago agora nada mais são que uma sucessão de dunas de areais salgadas, que os locais passaram a chamar de Aralkum, palavra que nas línguas cazaque e uzbeque significa “deserto de Aral”. A foto que ilustra essa postagem resume bem esse drama.

O único trecho remanescente do lago é conhecido como Mar do Norte de Aral e corresponde a apenas 10% da área original. Esse pequeno corpo d’água sobreviveu graças aos esforços do Governo do Cazaquistão, que construiu uma barragem com cerca de 13 km nas proximidades do delta do rio Syr Daria, permitindo o acúmulo dos reduzidos caudais que chegam ao Mar de Aral. 

O desaparecimento de um lago desse tamanho em uma região semiárida teve, é claro, enormes consequências ambientais, sociais e econômicas. Dentro da estrutura de planejamento central da URSS, cabia ao Mar de Aral fornecer metade das necessidades de pescados para as populações de todos os países do bloco. Essa meta nunca foi alcançada, mas os pescadores e trabalhadores das fábricas de processamento de pescado da região conseguiam produzir 40 mil toneladas de pescado por ano, o que correspondia a 1/6 das necessidades dos soviéticos. 

As águas do Mar de Aral eram ricas em peixes, incluindo-se aqui o famoso esturjão do Aral (Acipenser nudiventris), peixe que podia atingir até 70 kg e produzia além da carne o valioso caviar. Essa e dezenas de outras espécies endêmicas tiveram suas populações dramaticamente reduzidas, quando não extintas, ficando restritas à região da foz do rio Amu Daria e ao Mar do Norte de Aral. Com o desaparecimento dos peixes, mais de 50 mil trabalhadores dessa indústria perderam os seus empregos. 

Os impactos não ficaram restritos ao corpo d`água. As margens e as regiões da foz dos grandes rios eram cobertas de frondosas florestas de juncos e canas, onde viviam grandes populações de saikas, uma espécie local de antílope, javalis selvagens, bois almiscarados, lobos, raposas, perus, gansos, patos e outros animais. Nas áreas alagadiças eram produzidas diversas culturas de víveres, que atendiam parte das necessidades dos povos locais. 

A catástrofe ambiental do Mar de Aral é complexa: aumento da salinidade das águas restantes; erosão do solo pelos ventos, destruição dos antigos locais de desova, com e extinção de várias espécies de peixes – muitas endêmicas do Aral. Os fortes ventos das estepes passaram a criar imensas tempestades de poeira salgada. Todas as atividades de navegação e do turismo colapsaram. Áreas de pastagem desapareceram e houve o comprometimento dos terrenos férteis. As fontes de água doce sofreram com a salinização, forçando a migração de imensos contingentes populacionais por falta de trabalho e condições mínimas de sobrevivência nas áreas impactadas, entre outros problemas.  

Estudos clínicos têm encontrado altíssimos níveis de anemia e um aumento exponencial das doenças respiratórias em moradores que permaneceram na região, forte incidência de alguns tipos de câncer, além de aumento na mortalidade infantil. A redução do espelho d’água também provocou uma alteração no clima regional, que agora apresenta verões cada vez mais secos e quentes (até 50° C) e invernos mais longos e frios (até -40° C). 

Infelizmente, o drama vivido pelo Mar de Aral está muito longe de ser um caso único e isolado. Existem inúmeros lagos em todo o mundo que estão passando por intensos e complicados problemas ambientais. O Mar Cáspio, o maior corpo d`água fechado e interior do planeta, localizado a cerca de 800 km do Mar de Aral, também está se reduzindo. De acordo com cálculos dos cientistas, o lago poderá perder até 1/3 de sua superfície até o ano de 2100. 

Outro caso dramático é o Lago Chade, localizado próximo do centro geográfico da África, corpo d`água que até o início da década de 1960 ocupava uma área de 25 mil km² e que está reduzida atualmente a 1 mil km². Cerca de 30 milhões de pessoas, distribuídas no Chade, Camarões, Níger e Nigéria, vivem ao redor de suas margens e dependem de suas águas para o abastecimento, pesca, dessedentação de animais e irrigação agrícola. Grandes projetos de agricultura irrigada, aliás, estão na raiz do gradual desaparecimento do Lago Chade. 

Bem perto de nós aqui na América do Sul, assistimos ao lento e gradual desaparecimento do Lago Titicaca, localizado entre o Peru e a Bolívia. Apesar dos Governos desses países negarem a existência de qualquer problema, o Titicaca vem perdendo aproximadamente 1 metro de profundidade a cada ano. O Lago é alimento por rios com nascentes em geleiras no alto da Cordilheira dos Andes. Conforme apresentamos em uma postagem anterior, o aquecimento global está reduzindo gradualmente essas geleiras e volumes de água cada vez menores estão chegando no Lago Titicaca. 

Em 2017, o Lago Poopó, um corpo de água menor que era alimentado por águas excedentes do Lago Titicaca, secou completamente. A causa dessa tragédia foram obras de desvio no rio Desaguadero para uso de suas águas em sistemas de irrigação agrícola. Sem repor as perdas de água para a forte evaporação, o lago, que chegava a ocupar uma área de 2.500 km², simplesmente desapareceu. 

Esses são os tempos complicados em que estamos vivendo. 

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