Nas últimas postagens, resumimos a saga da ocupação de gados e gentes na região do Semiárido nordestino, uma história que já se desenrola há quatro séculos e que já marcou (negativamente) o bioma para sempre. A região hoje apresenta inúmeros problemas ambientais, que incluem a falta de água, a perda de solos e a desertificação, destruição de fragmentos florestais restantes e perda de biodiversidade e, um problema muito pouco comentado, a superpopulação.
Estudos antropológicos e arqueológicos indicam que a ocupação humana em áreas do Semiárido é um processo contínuo, iniciado à, pelo menos, 15 mil anos. Esses grupos humanos, ancestrais de muitos dos povos indígenas que ainda resistem na região, nunca representaram uma ameaça para o bioma e viveram suas vidas se valendo dos recursos que a natureza lhes proporcionava. Os verdadeiros impactos ambientais negativos no bioma só passariam a ser sentidos a partir do século XVI, quando teve início o processo de colonização das terras brasileiras. Em pouco mais de 400 anos, esse processo de ocupação desordenada e de destruição sistemática do bioma pode ser comparado ao que ocorreu na África e na Europa, continentes que tiveram suas paisagens totalmente alteradas pela ocupação e pelas atividades humanas. Existe, porém, uma enorme diferença nesse processo de ocupação – o tempo: o que foi destruído em quatro séculos na Caatinga levou cerca de 500 mil anos na África e, pelo menos, 200 mil anos na Europa (considerando uma ocupação por espécies do gênero Homo mais próximas de nós, humanos modernos).
Na região do Semiárido brasileiro vivem, aproximadamente, 23,5 milhões de pessoas, o que faz dessa região a mais superpopulosa entre todas as regiões semiáridas do mundo. Para efeito de comparação, a região do deserto do Saara tem 9,2 milhões de km² (quase dez vezes maior que o nosso Semiárido) e uma população de apenas 2,5 milhões de pessoas. O Saara, que se estende por todo o Norte da África, apresenta diversos tipos de paisagens, onde se incluem dunas de areia, montanhas, savanas e algumas áreas com vegetação muito parecida com a nossa Caatinga.
Além desse imenso contingente de seres humanos, o Semiárido também abriga enormes rebanhos de animais. A caprino-ovinocultura é a principal atividade agropecuária do sertão nordestino. A produção de caprinos, animais de pequeno porte extremamente adaptáveis às condições mais adversas impostas pelo clima, se moldou perfeitamente aos sertões semiáridos nordestinos, que detém o maior rebanho dessa espécie no Brasil, com aproximadamente 9 milhões de animais, mesmo número do rebanho de ovinos da região. O rebanho bovino no Nordeste tem aproximadamente 30 milhões de cabeças, grande parte vivendo em áreas do semiárido. Ainda é preciso incluir neste cálculo um rebanho com, talvez, 700 mil cavalos e com 900 mil asnos, onde estão incluídos os bons e velhos jumentos, burros e mulas que já foram os companheiros de vida e de trabalho de muitos nordestinos. Algo entre 15% e 20% destes rebanhos vivem na região da bacia hidrográfica do Rio São Francisco.
Por todos os cantos se encontram pequenas propriedades rurais familiares, com seus pequenos roçados de subsistência e suas criações de bois, bodes e ovelhas. Em cada uma dessas pequenas propriedades são feitas queimadas frequentes para a preparação do solo para mais um plantio; há coleta de lenha para uso nas cozinhas, muitas vezes sendo necessária a derrubada de árvores; os rebanhos pastam soltos pelos campos comendo tudo o que está disponível para se comer; para a construção e manutenção das suas casas ou para realizar seus ofícios, os sertanejos usam as matérias primas disponíveis ao seu redor. Somando-se todos os bichos e gentes espalhados por todos os recantos do semiárido, são muitas bocas para se alimentar – bocas de gentes e de bichos, dentro de um ecossistema com tantas limitações.
É essa imensa pressão sobre os recursos naturais do bioma Caatinga a responsável pela crescente perda e desertificação de solos férteis, desaparecimento e redução dos caudais de fontes de água, assoreamento e entulhamento das calhas de rios importantes como o São Francisco, agravamento de fenômenos naturais como as secas da região, perda de biodiversidade e risco de extinção de inúmeras espécies vegetais e animais, entre outros problemas. Jogar a culpa de todos esses problemas única e exclusivamente sobre o clima semiárido da região, o que é feito frequentemente, é uma simplificação muito perigosa.
O bioma Caatinga está no topo da lista dos sistemas florestais brasileiros mais ameaçados – calcula-se que perto de 50% de sua área já foi destruída pelas atividades humanas; algumas fontes, mais pessimistas, chegam a afirmar que 75% da Caatinga já foi comprometida ou alterada pelas atividades humanas. Sem nos prendermos muito a esses detalhes, é importante lembrarmos que, a essa altura de nossa história, não há como juntar todas essas populações de bichos e gentes e os mudarmos para outras regiões do país – mesmo que isso fosse possível, estaríamos apenas mudando os problemas de lugar.
Nosso planeta e seus recursos naturais são finitos – não podemos continuar gastando e desperdiçando áreas florestais, solos e águas, imaginando que eles são infinitos, uma ideia que muita gente ainda parece ter. Precisamos, sim, aprender a conviver com os recursos naturais disponíveis, usando-os e consevando-os da melhor maneira possível – isso é o que se chama sustentabilidade.
[…] OS LIMITES AMBIENTAIS DA CAATINGA […]
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[…] as cozinhas, entre outras agressões. Dados recentes dos órgãos ambientais afirmam que metade do Bioma Caatinga já não existe mais e essa sua destruição têm impactos na amplificação dos efeitos naturais […]
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[…] do corpo d’água é Jequié, localizada na região de encontro dos biomas Mata Atlântica e Semiárido Nordestino. Como aconteceu em todo o Semiárido Nordestino, a Região de Jequié passou a abrigar grandes […]
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[…] ou seja, a criação de bodes, cabras e ovelhas, animais que se adaptam bem ao clima e aos alimentos encontrados na Caatinga. Uauá é conhecida nacionalmente como a “Capital do Bode”, tamanha a importância desse animal […]
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[…] enorme pressão diante da abertura de frentes agrícolas. Outros biomas altamente degradados são a Caatinga, que também já teve metade de sua vegetação destruída, e a Mata Atlântica, onde o nível […]
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[…] do Sul cai para meros 5 mm anuais. Para efeito de comparação, a precipitação média no nosso Semiárido Nordestino está entre 200 mm e 400 mm. Literalmente, é preciso fazer milagres para conseguir sobreviver […]
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