
O rio Vaza Barris tem aproximadamente 450 km de extensão, com nascentes na região de Uauá, no Norte do Semiárido da Bahia e foz no litoral de Sergipe, ao Sul da Capital – Aracaju, já dentro dos domínios da Mata Atlântica.
Uauá é uma típica cidade do Semiárido Nordestino e que tem a sua economia baseada na caprinovinocultura, ou seja, a criação de bodes, cabras e ovelhas, animais que se adaptam bem ao clima e aos alimentos encontrados na Caatinga. Uauá é conhecida nacionalmente como a “Capital do Bode”, tamanha a importância desse animal para a economia local. Aliás, cerca de 1/3 do PIB da cidade vem de atividades ligadas à criação desses animais.
Todos os anos a cidade realiza uma exposição de caprinos e ovinos, um evento que atrai visitantes de todo o Nordeste. Além da venda de animais de ótima linhagem para criadores, um dos destaques da exposição são as barracas que vendem iguarias preparadas a base de carne de bodes e ovelhas, um grande sucesso entre o público. Destaque para as famosas “buchadas de bode”.
Em meio as paisagens locais do Semiárido, o rio Vaza Barris se destaca como o principal corpo d’água da região. Inúmeras vilas e povoados surgiram em suas margens. Um dos mais famosos foi o histórico Arraial de Canudos, que foi a sede de uma comunidade sócio-religiosa liderada por Antônio Conselheiro em fins do século XIX.
A pequena vila de Canudos surgiu no século XVIII a partir de uma fazenda de mesmo nome. Por volta de 1893, apareceu na região um pregador messiânico que falava de uma salvação milagrosa para os humildes flagelados do sertão. Seu nome era Antônio Vicente Mendes Maciel, mas seus discípulos o chamavam de Antônio Conselheiro. Em poucos anos, a população de Canudos chegou a 25 mil habitantes e era formada basicamente por fanáticos religiosos.
Pressionado pelos grandes latifundiários da região, que temiam as consequências do rápido crescimento do número de seguidores de Antônio Conselheiro e dos impactos da propagação de suas ideias socialistas, o jovem Governo Republicano enviou tropas do Exército para conter os “revoltosos”. Foram enviadas quatro expedições militares entre os anos de 1897 e 1898, naquela que entrou para a história como a Guerra de Canudos.
As três primeiras expedições militares foram derrotadas de forma humilhante pelos fanáticos sertanejos de Conselheiro, o que enfureceu o comando do Exército e o Presidente da República no Rio de Janeiro. Uma nova e mais poderosa guarnição militar foi enviada para a região em fins de 1898.
Essa expedição, que tinha ordens explícitas para riscar Canudos do mapa, foi formada por duas colunas com cerca de 4 mil soldados em cada uma e dotada das mais modernas armas disponíveis há época. Ao final dos sangrentos embates, a maior parte dos habitantes do Arraial de Canudos foi morta, em combate ou degolada após a rendição. Entre os mortos estavam Antônio Conselheiro e outros líderes do movimento. As forças regulares do Exército perderam cerca de 5 mil homens.
Em 1910, alguns sobreviventes da antiga Canudos fundaram um novo povoado, que subsistiu até 1950, quando teve início a construção no local do Açude Cocorobó (vide foto), um importante reservatório de água para toda a região. Os desalojados criaram um novo povoado, o vilarejo de Cocorobó, distante cerca de 20 km. Em 1985, essa região foi emancipada e transformada no município de Canudos.
Do lado sergipano, a maior parte da bacia hidrográfica do rio Vaza Barris se encontrava dentro de áreas da Mata Atlântica. Aos tempos do desembarque dos primeiros europeus em terras brasileiras em 1500, cerca de 2/3 do território do Estado de Sergipe era coberto pelos diversos subsistemas florestais da Mata Atlântica. Depois de séculos de desmatamentos, o bioma está reduzido a cerca de 8% de sua área original, disperso em inúmeros pequenos fragmentos florestais.
A situação atual do rio Vaza Barris é considerada crítica – segundo estudos realizados no trecho sergipano da bacia hidrográfica, a demanda para os usos múltiplos das águas do rio supera a disponibilidade em 40%. São aproximadamente 2,5 mil km² de área nesse trecho da bacia hidrográfica, onde vivem perto de 280 mil pessoas, tendo o rio Vaza Barris como o principal manancial de águas.
Sergipe é o menor Estado brasileiro e também um dos campeões em desmatamentos ao longo da história. Até o início da colonização efetiva do Brasil a partir da década de 1530, a Mata Atlântica ocupava toda a faixa litorânea do Estado, com uma largura média entre 60 e 80 km – em menos de dois séculos, a maior parte dessas matas foram derrubadas e queimadas para o plantio de cana e produção do valioso açúcar. Importantes afluentes do rio Vaza Barris dentro do bioma Mata Atlântica definharam em consequência do ciclo do açúcar. Nas terras do interior, em trechos do Agreste e do Semiárido, a situação não foi muito diferente.
Essas terras foram sendo ocupadas gradativamente por fazendas de criação de gado, palavra genérica que inclui rebanhos de bovinos, cabras, bodes, carneiros, porcos, asinus (asnos) e equínos. Devido à pouca extensão das áreas de campos naturais para a pastagem dos bois, os criadores passaram a queimar as áreas de caatingais para ampliar artificialmente a extensão dos pastos.
Essa prática, que acabou expandida para a maior parte do Semiárido Nordestino e Norte de Minas Gerais, acabou por incrementar os problemas ambientais associados à seca. Como nunca foram realizados quaisquer estudos científicos nessa região antes dessas queimadas, não é possível se afirmar com certeza qual foi o tamanho real desses estragos. As áreas onde ficam as nascentes do rio Vaza Barris sofrem há séculos com essas queimadas e suas consequências.
De acordo com informações de um relatório de 1997 do UNCCD – Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, na sigla em inglês, o Estado de Sergipe é considerado como uma área frágil e apresenta três regiões com alto risco de desertificação: uma faixa estreita no centro do litoral sergipano, uma faixa central ente o Norte e o Sul do Estado, além de uma grande área no chamado Alto Sertão Sergipano.
Os processos de desertificação são muito mais graves e vão muito além dos problemas criados com os desmatamentos. Sem a proteção da vegetação, a camada de solo fértil é destruída por processos erosivos das chuvas e dos ventos, restando no seu lugar apenas sedimentos inertes como a areia, sem capacidade para sustentar vida vegetal. Nascentes de água nessas regiões definham e acabam sendo soterradas pela areia, reduzindo as contribuições para riachos e rios da bacia hidrográfica.
Além de grandes perdas de água nos seus antigos tributários, os caudais do rio Vaza Barris também sofrem com a retirada de grandes volumes de água para usos em sistemas de irrigação obsoletos. Esses sistemas costumam usar um pivô central para a distribuição de água nas plantações, uma tecnologia que pode resultar em desperdícios entre 30% e 50%. Em regiões com as mesmas características climáticas é recomendável o uso de técnicas de micro gotejamento, muito mais eficientes e econômicas.
O pacote de problemas no rio Vaza Barras se completa com os despejos de grandes volumes de esgotos sanitários sem tratamento, efluentes e resíduos de matadouros de animais, resíduos sólidos descartados irregularmente pelas cidades e pelo carreamento de resíduos de fertilizantes e de defensivos agrícolas de plantações, além de outros problemas criados pela mineração. Nos meses do inverno nordestino, época das chuvas, as enxurradas carregam grandes volumes de sedimentos para a calha do rio Vaza Barris, aumentando ainda mais os seus problemas.
Em uma região que já sofre com a baixa disponibilidade de recursos hídricos e onde cada litro de água é importante, é inquietante ver um corpo d’água tão importante com o rio Vaza Barris sofrer com esse lento e contínuo processo de degradação ambiental.
[…] O HISTÓRICO E DEGRAD… em A DEGRADAÇÃO DOS SOLOS E OS RI… […]
CurtirCurtir