O Estado do Ceará está passando por um verdadeiro inferno astral nas últimas semanas. Até ontem, dia 21 de janeiro, foram registrados 231 ataques contra ônibus, carros, lojas, prédios públicos, pontes, torres de transmissão de energia, entre outros. As ações criminosas começaram na Região Metropolitana de Fortaleza no dia 2 de janeiro e foram se espalhando por todo o Estado, atingindo cerca de 50 dos 184 municípios do Ceará. As autoridades informaram que 411 pessoas envolvidas nesses ataques já foram presas. Estamos torcendo pelo povo cearense e esperamos que as autoridades do Estado consigam restaurar a ordem e a paz pública o mais rápido possível.
Toda essa situação caótica acabou jogando para um segundo plano os problemas de abastecimento de água, um problema crônico que vem afetando toda a população da Região Metropolitana de Fortaleza há vários anos. Com 3,7 milhões de habitantes, o que corresponde a quase metade da população do Estado, a Grande Fortaleza sofre com a falta de fontes de água para o abastecimento da população. O maior reservatório de água do Ceará e principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana de Fortaleza – o Açude Castanhão (vide foto), está com apenas 3,91% da sua capacidade total de armazenamento (volume em 17/01/2019 – Portal Hidrológico do Ceará).
Localizado oficialmente no município de Alto Santo (o reservatório se distribui por vários municípios), o Açude do Castanhão foi inaugurado em 2002 e possui capacidade para armazenar 6,7 bilhões de m³. É considerado o maior reservatório para usos múltiplos da América Latina. Sua capacidade de armazenamento corresponde a 37% da capacidade total de armazenamento de todos os 8 mil reservatórios existentes no Estado do Ceará, incluindo-se na lista o Açude Orós, que durante décadas foi o maior de todos.
Em sua capacidade máxima de armazenamento, o Castanhão tem condições de abastecer toda a Região Metropolitana de Fortaleza por 3 anos ininterruptamente. O problema é que desde 2012, com o início de uma forte estiagem que atingiu toda a região do Semiárido nordestino, os volumes das chuvas na bacia hidrográfica do rio Jaguaribe têm estado abaixo da média, sendo insuficientes para recuperar os níveis do Açude.
Para preservar ao máximo o volume de água que restou no Castanhão, a companhia de águas local aumentou a captação de águas em outros reservatórios do interior do Estado, distantes até 250 km, transportadas através do chamado “Eixão das Águas”, para reforçar os níveis dos reservatórios da Região Metropolitana. Essa manobra permitiu uma redução substancial da captação de águas no Açude do Castanhão – até 2016, ele fornecia 70% da água consumida na Região Metropolitana de Fortaleza – atualmente, a sua contribuição é menor que 10%.
O Estado do Ceará convive há séculos com problemas de falta de água e grandes secas. Registros históricos e observações de cronistas de época falam de grandes estiagens no Estado em 1744, 1790, 1846, 1877, 1915 e em 1932. A grande seca que assolou o Estado entre 1877 e 1879 foi uma das mais dramáticas: calcula-se que metade da população do Estado morreu em consequência da gravíssima estiagem. Outra seca que ganhou notoriedade no Ceará foi a de 1915 – a escritora Rachel de Queiroz, que foi testemunha ocular dessa grande tragédia humana e ambiental, imortalizou suas lembranças no romance “O Quinze”, um clássico de nossa literatura.
Além de fatores geográficos e ambientais, a seca na região do Semiárido Nordestino tem uma grande parcela de contribuição humana. Desde os primeiros anos da colonização do Brasil, boiadas expulsas do litoral canavieiro passaram a penetrar pelos sertões da região. Na falta de grandes áreas de pastagens para o gado, os boiadeiros criaram o hábito de queimar grandes extensões dos caatingais para a formação de novas áreas de pastagens. O bioma também sofreu profundos danos com a abertura de áreas para prática de agricultura, fornecimento de madeira para a construção civil e para a produção de carvão, de lenha para as cozinhas, entre outras agressões. Dados recentes dos órgãos ambientais afirmam que metade do Bioma Caatinga já não existe mais e essa sua destruição têm impactos na amplificação dos efeitos naturais das secas e em processos de desertificação de solos.
O botânico Alberto Loefgren (1854-1918), sueco de nascimento e depois radicado no Brasil, dedicou vários anos ao estudo da devastação das matas e das terras no Ceará. Em suas andanças pelos sertões cearenses, ele atribuiu um papel importante nesta degradação vegetal aos rebanhos soltos na região:
“Outro fator não desprezível na devastação das matas, ou pelo menos para conservar a vegetação em estado de capoeira, são as cabras. Sabe-se quanto este animal é daninho para a vegetação arborescente e arbustiva e como a criação de cabras soltas no Ceará é, talvez, maior que a do gado, sendo fácil imaginar-se o dano que causa à vegetação alta”.
Essa devastação ambiental da Caatinga, que tem raízes seculares, contínua a pleno vapor em nossos dias. Em um estudo realizado pelo Ministério do Meio Ambiente com dados do período entre 2002 e 2008, sete municípios do Ceará apareceram na lista dos 20 municípios nordestinos que mais desmataram a Caatinga. Essa lista inclui Acopiara e Tauá, dois municípios do Estado que ficaram com a primeira e a segunda posição desse ranking de desmatamento. Nesse período, o Ceará perdeu 4.123 km² de matas de Caatinga, o equivalente a 0,5% da área do Bioma no Estado. Mais de 60% da área original da Caatinga no Estado já foi destruída, uma situação absolutamente insustentável do ponto de vista ambiental.
Diante desse quadro caótico e sem contar com outras fontes de água para o abastecimento de sua população, o Governo do Ceará vem estudando já há vários anos a construção de uma grande usina para dessalinização da água do mar. A expectativa das autoridades é atender mais de 720 mil habitantes da Região Metropolitana de Fortaleza com água dessalinizada a partir de 2020.
Na nossa próxima postagem falaremos mais sobre isso.
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