A POLÊMICA BARRAGEM DE ILISU NA TURQUIA 

Grandes extensões dos chamados Pântanos da Mesopotâmia, uma área com mais de 300 mil km² do Sul do Iraque e de parte do Sudoeste do Irã, estão secando. Essa região corresponde ao trecho final da bacia hidrográfica dos rios Tigre e Eufrates, dois dos mais importantes rios do Oriente Médio. 

Só para relembrar, esses dois rios formam a Mesopotâmia, um dos sítios históricos mais importantes de nossa civilização. Essa palavra, que é de origem grega, significa “terra entre dois rios”. A extensa planície de inundação permitiu o desenvolvimento de uma agricultura em larga escala e o surgimento de inúmeros povos como sumérios, acadianos, caldeus, babilônicos e assírios. Grandes impérios como o dos medos, dos persas e os antigos gregos se esforçaram para conquistar essa região. 

As grandes cheias anuais e os volumosos caudais dos rios Tigre e Eufrates, as grandes propulsoras do desenvovimento desses antigos povos, agora são coisa do passado e sua lembrança se junta aos vestígios e ruinas dessas antigas civilizações. 

Grandes projetos de barragens de usinas hidrelétricas e sistemas de irrigação no Irã e, especialmente, na Turquia estão retendo parte considerável das águas desses rios e de importantes tributários da bacia hidrográfica, o que está prejudicando fortemente as populações que vivem a jusante – principalmente no Iraque. 

Um empreendimento que representa como nenhum outro essa situação é a grande barragem de Ilisu na Turquia, que foi concluída em 2018. Essa barragem foi construída no rio Tigre, contando com uma largura máxima de 1.820 metros e uma altura de parede de 135 metros, resultando numa capacidade para armazenar 10 bilhões de metros cúbicos de água. 

O parque de geração hidrelétrica conta com 6 turbinas e possui uma capacidade de geração elétrica da ordem de 3,8 GWh. Esse empreendimento faz parte do Projeto Sudeste da Anatólia, que inclui 22 barragens destinadas a geração de energia elétrica, controle de enchentes e armazenamento de água. 

Apesar de ser estratégico para a Turquia, esse Projeto pecou em um ponto muito importante – faltou “combinar com os russos”, ou melhor, com os sírios e iraquianos, povos que compartilham com os turcos e iraquianos as águas da bacia hidrográfica do Tigre e do Eufrates. Com o desequilíbrio na oferta de água, parte dessas populações estão sofrendo muito.   

Os estudos técnicos para a construção de uma grande barragem destinada a geração de energia elétrica na bacia hidrográfica do rio Tigre foram iniciados em 1954, pela Administração de Levantamento e de Desenvolvimento de Recursos de Energia Elétrica da Turquia. Um total de dez localidades com grande potencial foram identificadas a partir desse estudo. 

Em 1975, esse mesmo órgão selecionou a região de Ilusu afirmando que era a localidade que apresentava as melhores condições geológicas para receber uma obra desse porte. Estudos de viabilidade técnica e econômica, realizados por consultores internacionais entre 1980 e 1982, confirmaram essa conclusão inicial. 

O projeto só começou a sair do papel em 2006, ano em que o governo da Turquia lançou a pedra fundamental e deu início à construção. O cronograma inicial previa a conclusão da barragem em 2014, porém, a conclusão se deu apenas em 2018. Além de problemas financeiros e administrativos, o canteiro de obras da barragem virou algo da guerrilha curda, que fez diversos ataques armados. 

A Turquia é um verdadeiro caldeirão étnico – de acordo com alguns estudos, apenas 20% da sua população é formada por turcos étnicos verdadeiros. Essa “minoria” se soma a árabes originários de vários dos países vizinhos, gregos, iranianos, búlgaros e armênios, entre muitos outros grupos. O mais problemático desses grupos são os curdos

Os curdos têm suas raízes ligadas a povos que viviam no Irã e formam o maior grupo étnico do mundo que não tem um país próprio. Estimativas populacionais não muito precisas estimam o tamanho dessa população entre 35 e 45 milhões de pessoas, distribuídas em áreas do Iraque, Turquia, Síria, Irã e Armênia, entre outros países. 

Na Turquia, os curdos representam 20% da população do país, ocupando uma área expressiva do Sul e do Leste do país. Os curdos lutam há várias décadas pela criação do seu próprio país -o Curdistão. Na Turquia, a luta é pela independência do seu território, um anseio que, frequentemente, se transforma em uma luta armada e em atentados terroristas. 

A barragem de Ilisu está localizada dentro do território reivindicado pelos curdos. As lideranças curdas afirmam que não foram consultadas sobre a obra, algo que não é uma novidade na Turquia, país que vive há muitos anos com uma ditadura “disfarçada”. Entre as reclamações dos curdos estão a desapropriação de grandes extensões de terra do seu povo, além do deslocamento forçado de dezenas de vilas que ficavam às margens do rio Tigre. Muito mais que uma questão técnica da obra, isso é visto como uma provocação pelos líderes curdos.

Quem lidera a fila de reclamações, entretanto, são os iraquianos. Conforme comentamos em postagem anterior, os rios Tigre e Eufrates, ambos com suas nascentes dentro do território da Turquia, sempre foram as principais fontes de água do país. Nos últimos anos, desgraçadamente, essas fontes estão secando.

Vivendo um verdadeiro caos político e administrativo desde o final da coalisão militar internacional que derrubou o ditador Saddam Hussein em 2003, as lideranças políticas do Iraque nunca tiveram a capacidade de assumir efetivamente a liderança do país. A Síria, país vizinho e que também abriga parte importante da bacia hidrográfica dos rios Tigre e Eufrates, também não foi consultada pelo Governo turco. A Síria convive com uma guerra civil há mais de 10 anos. 

De acordo com informações do Governo do Iraque, o volume de caudais do rio Tigre que está chegando ao seu território caiu de históricos 21 bilhões de metros cúbicos de água/ano para apenas 9 bilhões após o fechamento das comportas da represa. 

A situação está mais crítica no Sul país, especialmente na região dos Pântanos da Mesopotâmia, que estão secando a olhos vistos. Essa região abriga uma importante área agrícola do país com grande produção de arroz, milho, gergelim, sementes de girassol e algodão. Essa região também é usada para a criação de búfalos. Sem água suficiente, as culturas e as criações de animais estão entrando em colapso.

Recentemente, o famoso Lago Sawa, um corpo de águas salgadas que era alimentado de forma subterrânea pelas águas do rio Eufrates, secou. Esse é um claro sinal de como andam as coisas na região. 

Apesar da evidente responsabilidade da Turquia no problema, o Governo iraquiano não tem “forças” para brigar por seus interesses. Lamentável… 

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