A HIDROVIA TOCANTINS-ARAGUAIA

Pedral do Lourenço

Nesta série de postagens, onde estamos enfocando o uso das águas dos rios para o transporte de cargas e de passageiros, já falamos das Hidrovias Tietê-Paraná, Paraguai-Paraná e do rio São Francisco. Em cada um desses conjuntos de importantes corpos hídricos, destacamos o potencial de navegação e também os muitos problemas existentes. Vamos falar a partir desta postagem da prometida Hidrovia Tocantins-Araguaia, uma via navegável com grande potencial para o transporte de cargas e passageiros entre o Planalto Central e a foz do Rio Amazonas, mas que em grande parte ainda está semi-transitável por obras não concluídas e por problemas ambientais nos rios Tocantins e Araguaia. 

O rio Tocantins tem aproximadamente 2.400 km de extensão, sendo considerado o segundo maior rio totalmente brasileiro, perdendo apenas para o nosso bom e velho rio São Francisco. Ele nasce na Serra Dourada, no Estado de Goiás, e segue rumo ao Norte, atravessando o Tocantins, Maranhão e Pará, onde tem a sua foz nas proximidades da Ilha do Marajó. Na época das cheias, é possível navegar até 2.000 km pelas águas do rio Tocantins, saindo da cidade de Belém do Pará e chegando a Lajeado, no Estado do Tocantins – é importante lembrar que, a embarcação que fizer este trajeto, irá utilizar uma eclusa existente na barragem da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Na época da seca, essa longa viagem não é possível – subindo o rio a partir do lago de Tucuruí, a embarcação vai se deparar com o Pedral do Lourenço (vide foto), um trecho de 43 km de afloramentos rochosos, onde apenas canoas conseguem navegar, com muito custo, no período da seca. Vencendo este trecho complicadíssimo, os problemas ficarão concentrados nos imensos bancos de areia e de entulhos, que em vários trechos reduzem a profundidade a menos de um metro. 

O outro rio deste sistema fluvial é o Araguaia, que nasce na Serra do Caiapó, em Goiás, e que corre rumo ao Norte por 2.115 km até desaguar no rio Tocantins. Neste longo percurso, o rio Araguaia faz a divisa natural entre os Estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará. Uma curiosidade do rio Araguaia é que, a certa altura do seu curso, ele se divide ao meio, formando por um lado o rio Araguaia e do outro o rio Javaés – no meio, surge a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. Assim como em grande parte do curso do rio Tocantins, o Araguaia também vem sofrendo cada vez mais com a presença dos gigantescos bancos de areia nos períodos de seca. Vamos tratar desta questão em futuras postagens. 

A Hidrovia Tocantins-Araguaia tem potencial para se transformar, rapidamente, numa das mais importantes vias de águas navegáveis do Brasil. Encravada por um lado no coração do Cerrado, a maior região produtora de grãos do país, e ligada por outro ao rio Amazonas, o maior e mais importante rio da gigantesca Bacia Amazônica, essa Hidrovia apresenta ilimitadas possibilidades para o transporte de toda uma gama de cargas e de pessoas. E ainda toco num ponto polêmico: há um projeto antigo, imaginado ainda no tempo do regime militar, e que está sendo retomado por alguns parlamentares federais, com vistas à construção de um sistema de transposição entre as bacias hidrográficas dos rios Tocantins e São Francisco.  

Esse sistema teria a função de reforçar os caudais do rio São Francisco com águas do Tocantins. Como já comentamos em postagem anterior, os caudais do Velho Chico estão sendo reduzidos, ano após ano, devido a todo um conjunto de agressões ambientais, que se espalham por toda a sua bacia hidrográfica. É um projeto complicado, mas possível de ser realizado – essa ideia se tornaria mais interessante se o sistema permitisse a integração da navegação de comboios de barcaças de carga entre a Hidrovia do Rio São Francisco (que é isolada) e a Hidrovia Tocantins-Araguaia: algo a se pensar com muito carinho

Desconsiderando temporariamente os grandes problemas existentes hoje em toda a extensão da Hidrovia Tocantins-Araguaia, vamos analisar os tipos de carga que poderão ser transportadas com grande eficiência e economia: 

Grãos: Conforme já comentado, o Cerrado é atualmente a região brasileira que mais produz grãos, especialmente soja e milho. Toda essa produção, especialmente a soja, esbarra em problemas logísticos para o transporte até os portos marítimos, haja visto que os maiores mercados consumidores são a China e alguns países da Europa como a Alemanha. Conseguir transportar parte dessa produção até os portos marítimos do Pará  por via fluvial representaria um enorme ganho econômico para os produtores; 

Fertilizantes e insumos agrícolas: Os solos do Cerrado são ácidos e exigem o uso de corretivos como o calcário. Também se faz necessário o uso de fertilizantes, herbicidas, fungicidas, pesticidas, máquinas agrícolas e toda uma gama de implementos usados para a preparação dos solos, para semear e colher. Grande parte desses insumos e materiais são produzidos em outras regiões e até mesmo em outros países. As mesmas barcaças que descem os rios carregadas de grãos, podem voltar carregadas com esses materiais e equipamentos; 

Minérios: Pará e Maranhão são importantes províncias minerais, produtoras de uma enorme gama de produtos: minério de ferro, manganês, níquel, cobre, bauxita, caulim entre outros. Esses minerais tanto podem ser encaminhados para processamento e exportação em unidades industriais e portos na Região Norte, quanto “exportados” para a Região Sudeste, grande consumidora destes minerais. 

Carvão: Para processar minerais metálicos como o minério de ferro, níquel ou cobre, as empresas siderúrgicas necessitam de carvão mineral. Conforme comentado em postagem anterior, o Brasil é muito pobre em reservas de carvão – uma das poucas regiões produtoras deste insumo fica no Sul do Estado de Santa Catarina. A maior parte do carvão mineral usado no país é importado. A Hidrovia é uma excelente opção para o transporte de cargas de carvão desde os portos marítimos da Região Norte até os pólos siderúrgicos; 

Transporte de animais vivos, de carnes e outros produtos de origem animal: As Regiões Centro-Oeste e Norte possuem áreas de grande destaque em pecuária e criação de animais. A Hidrovia Tocantins-Araguaia cria toda uma gama de opções para o transporte de produtos de origem animal (carnes, embutidos, leite e derivados, couros, ovos etc), animais vivos (bovinos, equinos, suínos, ovinos e caprinos, aves, peixes, entre outros) desde as regiões produtoras até os grandes centros consumidores, unidades processadoras ou terminais de cargas para exportação. 

Frutas: O Brasil é um dos grandes produtores mundiais de frutas e, ao mesmo tempo, é campeão em desperdício dessas culturas. Frutas em geral são produtos delicados, que exigem boas embalagens e proteções, além de prescindirem de grande velocidade para o transporte entre os produtores e consumidores. Cito como exemplo frutas da Região Amazônica, como a graviola, o açaí, o bacuri, o araçá-boi, o buriti, o cupuaçu, o tucumã, entre outras, que encontrariam grandes mercados consumidores nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, caso se contasse com a agilidade e com os baixos custos de transporte por uma Hidrovia. 

Em épocas de fortes chuvas, quando os níveis dos rios permitem a superação dos obstáculos naturais, o transporte de todos esses itens e produtos já se torna possível pela Hidrovia Tocantins-Araguaia. Mas existe muito a se melhorar para permitir a navegação durante todo o ano e usando comboios de cargas cada vez maiores. 

Vamos continuar explorando estes temas em nossas próximas postagens.

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