
Em tempos de COP26, quando parte das atenções globais está voltada para os gravíssimos problemas ambientais que assolam o planeta, muito se fala sobre a destruição de florestas tropicais (inclua-se aqui a Floresta Amazônica), da queima de combustíveis fósseis e das emissões de gases de Efeito Estufa, da poluição dos mares com dezenas de milhões de toneladas de lixo, entre outros terríveis problemas.
Apesar da extrema gravidade de todos esses problemas, existem outros que estão bem mais próximos de nós, mas muita gente não se dá conta que esses problemas existem. A indústria têxtil é um desses casos – os problemas já começam nos campos onde se produzem fibras como o algodão, passam pelas indústrias de fiação e tecelagem, depois pela intensa exploração da mão de obra em países subdesenvolvidos, chegando enfim ao descarte cada vez maior de roupas usadas nos aterros.
Na postagem anterior falamos da produção de algodão em larga escala em países da Ásia Central, o que teve como resultado a destruição do Mar de Aral, aquele que já foi o quarto maior lago do mundo. Vamos detalhar essa histórica trágica em uma outra postagem.
A produção do algodão, desde a mais remota antiguidade, sempre foi um trabalho imposto aos trabalhadores mais humildes das sociedades, muitos desses trabalhando na condição de escravos. Tanto a fibra do algodão quanto os tecidos feitos com esse material sempre foram muito valorizados nos mercados do mundo antigo, um sucesso que sempre resultava em um número maior de trabalhadores e escravos trabalhando nas plantações.
Para ilustrar essa realidade vamos citar dois casos históricos – a produção de algodão nas plantations do Sul dos Estados Unidos e na Índia durante a ocupação Britânica. No caso norte-americano, a mão de obra era formada por escravos africanos e só terminou após a Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana (1861-1865), quando a escravidão foi formalmente abolida em todo o país.
Na Índia, a mão de obra era assalariada, mas as condições de trabalho estavam mais próximas da semiescravidão. A Índia conquistou sua independência da Inglaterra em 1947, porém, as condições de trabalho e de vida das populações ligadas ao plantio e processamento do algodão ainda levaria muitas décadas para melhorar.
O algodão é a fibra natural mais consumida do mundo. De acordo com dados da ABRAPA – Associação Brasileira dos Produtores de Algodão, a fibra é produzida em cerca de 60 países do mundo, uma atividade que emprega cerca de 350 milhões de pessoas. Cada safra da cultura ocupa, em média, 35 milhões de hectares e produz perto de 25 milhões de toneladas a cada ano.
O maior produtor mundial de algodão é a Índia, seguida bem de perto pela China e pelos Estados Unidos. O Brasil ocupa a posição de quinto maior produtor mundial. A lista dos maiores produtores mundiais também inclui o Paquistão, Uzbequistão, Turquia, Austrália e Turcomenistão.
A produção do algodão em países da Ásia Central é uma das atividades econômicas mais importantes, só ficando atrás da mineração e da exploração do petróleo e do gás. No Uzbequistão, citando um exemplo, o algodão representa cerca de 14% das exportações do país. Na época da de colheita, alguns dos países da região chegam a utilizar a mão de obra de um terço da população, inclusive crianças, adolescentes e mão de obra escrava, o que gera grandes protestos na comunidade internacional.
Um caso polemico dos dias atuais é a China, país que vem sendo acusado por entidades internacionais pelo uso intensivo de mão de obra escrava em campos de produção de algodão na região de Xinjiang, no Noroeste do país. Essa região é responsável por 85% da produção de algodão da China. Cerca de 1/5 da produção mundial de algodão vem de campos chineses.
De acordo com investigações feitas pela BBC – British Broadcast Corporation, a rede de televisão pública da Inglaterra, centenas de milhares de trabalhadores uigures e de outras minorias étnicas são obrigados a realizar trabalhos forçados em plantações de algodão nessa região do país.
Os uigures são povos de origem turcomena que habitam vastas regiões da Ásia Central. Na China, os uigures estão concentrados na província de Xinjiang, onde tem uma população estimada em 8,6 milhões de pessoas. Os uigures se juntam a outras 55 minorias étnicas que vivem na China e que enfrentam inúmeros problemas políticos.
Além de possuírem língua e costumes próprios, os uigures são majoritariamente praticantes do islamismo, uma religião que não é bem vista pelo Governo central em Pequim. Há relatos que afirmam que cerca de 1,5 milhão de uigures estão confinados em “campos de internação” do Governo, onde passam por um processo de reeducação. Há quem afirme que 500 mil desses “internados” estão sendo usados como mão de obra gratuita (para não chamar de escrava) nas plantações de algodão.
De acordo com documentos obtidos pela BBC, as prefeituras das cidades de Aksu e de Hotan, na Província de Xinjiang, enviaram 210 mil trabalhadores por “transferência laboral“ em 2018, para trabalhos nas plantações de algodão. A coordenação dos trabalhos ficou por conta do Corpo de Construção e Produção de Xinjiang, uma organização paramilitar chinesa.
Documentos também indicam que a cidade de Aksu requisitou 142,7 mil trabalhadores para seus próprios campos em 2020. Nos dois casos, os chamados trabalhadores nada mais eram que “internados” dos campos de reeducação, majoritariamente formado por uigures.
Em um comunicado oficial em resposta às reportagens publicadas pela BBC, o Governo chinês negou todas as acusações e afirmou que os campos de internação são “escolas de formação profissional”. O comunicado também afirma que as unidades de produção fazem parte de um grande projeto de “alívio à pobreza”, além de informar que a participação dessas populações é voluntária.
A produção de algodão nessa região se junta às condições deploráveis de trabalho nas tecelagens, tinturarias, oficinas de costura e demais empresas do ramo de confecção da China. Todos os anos, bilhões de peças de roupas são colocadas no mercado internacional a preços muito baixos
Um sintoma desse mecanismo – há pouco tempo atrás li uma reportagem que falava sobre a mudança de hábitos de muitos consumidores dos Estados Unidos. Camisetas feitas na China são tão baratas que estão sendo tratadas como itens descartáveis – é mais barato comprar uma nova camiseta do que lavar essas peças em uma lavanderia automática. Ou seja – mais resíduos descartados no meio ambiente.
Como fica bem fácil de entender, os grandes problemas ambientais de nosso planeta se restringem às queimadas na Floresta Amazônica…