
Na última postagem falamos sobre um gravíssimo problema ambiental de nossos dias – o consumo cada vez maior de produtoS fashion, especialmente roupas, e o aumento da produção de resíduos associados. Um exemplo mostrado foi o de uma grande área de descarte de roupas usadas no deserto do Atacama, no Norte do Chile.
Os problemas ambientais criados pela indústria da moda começam no campo, onde muitas fibras naturais são produzidas. Um desses casos é o algodão, a fibra natural mais usada no mundo. As fibras do algodão são formadas quase que totalmente por celulose e crescem ao redor de uma semente. Apesar de existirem máquinas para a colheita do algodão, em grande parte do mundo a colheita é feita manualmente e em condições de trabalho das mais precárias (para não usar o termo trabalho semiescravo).
O algodoeiro é um arbusto do gênero Gossypium e possui uma infinidade de espécies encontradas em regiões tropicais e subtropicais da Ásia, África e Américas. Existem quatro espécies de maior produtividade e que são cultivadas em grande escala ao redor do mundo.
Evidencias arqueológicas indicam que o algodão vem sendo utilizado pela humanidade há mais de 4.500 anos, sendo que algumas fontes chegam a falar de mais de 6 mil anos. O algodoeiro foi domesticado inicialmente no Sul da Península Arábica e dali sua cultura foi disseminada por todo o Oriente Médio, Ásia Central e Norte da África. A história está repleta de referencias à planta e aos seus inúmeros usos.
O Brasil colonial viveu um ciclo efêmero de grande riqueza graças ao comércio do algodão nas últimas décadas do século XVIII. Naquele momento, a indústria têxtil da Inglaterra da Revolução Industria necessitava de grandes volumes da matéria prima. Dois dos maiores produtores da época enfrentavam problemas: Os Estados Unidos travavam a Guerra da Independência contra a Inglaterra e a França passava pela Revolução de 1789, mais conhecida como a Revolução Francesa.
Passando por enormes dificuldades econômicas por causa do esgotamento das minas de ouro nas Geraes, Portugal viu uma grande oportunidade de produção para a sua grande colônia sul-americana. Grandes áreas do interior do Nordeste – especialmente no Maranhão, foram transformadas em plantações de algodão. Entre 1780 e 1800, a produção brasileira supriu grande parte da demanda da Inglaterra e, por esse breve período, o Maranhão foi a Província mais rica do Brasil. Com a regularização da situação politica nos Estados Unidos e na França, a antiga produção foi retomada e a cultura perdeu importância aqui no nosso país.
Atualmente, os maiores produtores do mundo são Índia, China e Estados Unidos, com o Brasil ocupando a quinta colocação. Entre os maiores produtores mundiais destacam-se também o Uzbequistão e o Turcomenistão, países desérticos da Ásia Central onde a cultura do algodão se transformou na maior consumidora dos recursos hídricos disponíveis.
O algodoeiro se adapta perfeitamente ao clima e aos solos de regiões desérticas e semidesérticas, porém, para a sua produção em larga escala se faz necessário o uso de muita água – alguns cálculos afirmam que são gastos cerca de 10 mil litros de água para se produzir 1 kg de algodão. Entretanto, estudos recentes do ICAC – International Cotton Advisory Committee, dos Estado Unidos, indicam que o consumo de água é de apenas 1.214 litros para cada kg de algodão. Entre 60% e 70% da produção mundial da fibra vem de áreas dotadas de sistemas de irrigação.
Na Ásia Central, o algodão sempre foi uma mercadoria preciosa, sendo produzida em algumas regiões de clima adequado à cultura e distribuído por caravanas de mercadores desde tempos imemoriais. O produto era transportado por tropas de camelos por extensas e antigas rotas comerciais através de estepes, montanhas e desertos – a região do Mar de Aral era o centro de algumas dessas rotas ancestrais.
Artesãos dos mais diferentes povos da região transformavam a fibra em fios usados na produção de tecidos e vestimentas, tapetes, utensílios domésticos e tendas. Um produto de sucesso da região era o Yaktakh, uma tradicional túnica de algodão leve com detalhes em seda e muito cobiçada em mercados de todo o mundo antigo.
A história da Ásia Central passou por uma enorme reviravolta após a Revolução Bolchevique de 1917. Os países da região, que já viviam sob a influência da Rússia desde o século XIX, foram integrados a URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com a implantação do sistema comunista e com o planejamento central da economia, as planícies da região passaram a ser vistas como potenciais produtoras de alimentos e de algodão para o bloco comunista. Essa produção utilizaria sistemas de agricultura irrigada e as fontes de água seriam os caudalosos rios Amu Daria e Syr Daria.
A partir da década de 1920, Moscou decidiu iniciar a construção de inúmeros canais para o transporte de água e para irrigação de campos agrícolas em toda a região. A área de agricultura irrigada na República do Turquestão foi extensivamente ampliada a fim de atender a uma proclamação de Vladimir Lenin (1870-1924) solicitando o aumento da produção do algodão.
Na década de 1930, já sob o comando de Joseph Stálin (1878-1953), o Ministério da Água iniciou a implantação de gigantescos projetos de construção de canais de irrigação no Uzbequistão, Cazaquistão e Turcomenistão, com o objetivo de transformar suas estepes nos celeiros da União Soviética, alcançando a autossuficiência na produção de trigo, cevada, arroz, milho e algodão. O primeiro grande canal de irrigação foi concluído em 1939 no Vale de Ferghana no Uzbequistão; no final da década de 1940 foram concluídos canais em Kizil-Orda no Cazaquistão e na região de Taskent no Uzbequistão.
Após a morte de Stálin em 1953, os novos dirigentes da União Soviética – Nikita Khrushchev (1894-1971) e Leonid Brezhnev (1906-1982), mantiveram a política de produção agrícola nas Repúblicas da Ásia Central, expandindo ainda mais a construção dos grandes canais de irrigação e convertendo ainda mais áreas de estepes para a produção de algodão. Foram construídos o Qara-Qum, um canal com 800 km de extensão entre o rio Amu Daria e Ashkhadab, o sistema de irrigação de Mirzachol Sahra, o canal Chu no Quirguistão e o Reservatório de Bahr-i Tajik no Tadjiquistão.
A partir do final da década de 1950, Moscou decidiu que toda a região irrigada da Ásia Central passaria a se ocupar exclusivamente com a monocultura do algodão. Essa frase se transformaria num mantra nos corredores do Kremlin: “quando o branco da neve cobre Moscou, o ouro branco do algodão cobre as Repúblicas Soviéticas da Ásia Central”.
Os planos dos burocratas de Moscou lograram espantosos êxitos, com recordes de produção de algodão sendo quebrados sucessivamente ano após ano. Todo esse sucesso, porém, teve terríveis custos sociais e ambientais: a sangria de recursos hídricos dos rios Amu Daria e Syr Daria para uso em sistemas de irrigação fez cair em 90% o volume de água que chegava ao Mar de Aral, um grande lago encravado no meio do deserto e que tinha uma superfície com cerca de 68 mil km2. Atualmente, o Mar de Aral tem apenas 20% de sua área original.
A produção de algodão, literalmente, destruiu o quarto maior lago do mundo!
Falaremos mais sobre isso na próxima postagem.
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[…] entretanto, vão muito além disso. Eles começam já na produção de matérias primas como o algodão, a fibra natural mais usada no mundo. Os maiores produtores de algodão são países pobres como a […]
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[…] o meio ambiente de diferentes formas. Começando pelas fibras usadas na confecção dos tecidos. O algodão, a fibra natural mais usada para esses fins, é em grande parte produzido em países pobres como […]
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