
Quem tem acompanhado as postagens do blog nas últimas semanas pode ter ficado com a impressão errada que são apenas os países pobres e em desenvolvimento que estão enfrentando problemas com espécies invasoras. Falo isso por que já mostramos os casos dos castores, salmões e trutas na Argentina e no Chile; os javalis, pardais, coqueiros e os eucaliptos no Brasil; os ratos em ilhas do Oceano Pacífico; a mandioca em países da África e da Ásia, entre muitos outros casos.
Os Estados Unidos, país que ainda ocupa a posição de nação mais rica e desenvolvida do mundo, também está sofrendo – e muito, com espécies invasoras. O caso mais dramático é o das carpas asiáticas, espécie que foi introduzida no país ao longo da década de 1970 em fazendas de criação de peixes no Sul norte-americano. Essas fazendas passaram a importar esses peixes com o objetivo de controlar infestações de algas e moluscos nos seus tanques de criação. Segundo as informações que foram repassadas aos aquacultores por especialistas em controle biológico, essas carpas eram peixes vorazes e com um apetite insaciável, podendo consumir diariamente até 40% do seu próprio peso em alimentos.
A carpa comum (Cyprinus carpio) é originária de lagos e rios da Ásia, especialmente da região da Eurásia Central. A espécie, que pode atingir um comprimento de até 1,2 metro e um peso de 50 kg, sempre foi utilizada para a alimentação humana. Desde a antiguidade, as carpas foram introduzidas em rios e lagos de toda a Ásia e Europa, tornando-se uma das espécies invasoras mais difundidas em todo o mundo – calcula-se que a espécie esteja presente atualmente em mais de 80 países.
Passando a viver em novos ambientes, as carpas passaram a sofrer adaptações fisiológicas, surgindo uma infinidade de subespécies, com tamanhos e características diferentes. Um dos exemplos mais interessantes são as carpas coloridas do Japão (Cyprinus carpio haematopterus), mais conhecidas pelo nome japonês de nishikigoi, é uma das subespécies mais conhecidas do mundo.
Ao longo de mais de 20 anos, o uso das carpas asiáticas nas fazendas de criação de peixes foi bastante satisfatório. Os problemas começaram no início da década de 1990, quando a bacia hidrográfica do rio Mississipi passou a enfrentar sucessivas cheias acima da média histórica, especialmente em regiões próximas da foz do rio. No seu trecho final, o rio Mississipi se abre num grande Delta, que se estende por cerca de 400 km de largura e ocupa uma área total de 75 mil km².
Várias dessas fazendas foram atingidas e as carpas asiáticas acabaram sendo arrastadas dos tanques na direção da calha do rio Mississipi. Extremamente fortes e adaptáveis, as carpas passaram a colonizar as águas do rio. A exceção dos jacarés norte-americanos (Alligator mississippiensis), as carpas asiáticas não possuem predadores naturais na bacia hidrográfica do rio Mississipi e acabaram avançando vorazmente contra as espécies nativas, alterando totalmente a biodiversidade do ecossistema.
Sem encontrar predadores naturais, dispondo de grandes estoques de alimentos e possuindo uma alta taxa de natalidade – cada fêmea da espécie possui em seu ventre cerca de 1 milhão de ovas, as carpas encontraram um meio ambiente ideal e suas populações passaram a aumentar descontroladamente. De acordo com entidades que representam os profissionais do setor, a pesca comercial no baixo curso do rio Mississipi já foi seriamente comprometida nos últimos anos.
A produção pesqueira sempre foi uma atividade econômica das mais importantes nessa extensa região dos Estados Unidos que, além de peixes, produz grandes quantidades de crustáceos e moluscos, iguarias que sempre fizeram parte das culinárias cajun e creole. Entre os pratos mais famosos da região destacam-se o jambalaya, uma espécie de paella local com arroz, frango, chouriço francês, vegetais, lagostim ou camarão, e o gumbo, um ensopado de quiabo com camarões.
A bacia hidrográfica do rio Mississipi é uma das maiores do mundo, ficando atrás apenas das bacias hidrográficas do rio Amazonas e do rio Congo, na África. O rio Mississipi tem aproximadamente 3.800 km de comprimento, ocupando a segunda posição na lista dos maiores rios da América do Norte. Entre seus principais afluentes destacam-se o rio Missouri, o maior rio do continente norte-americano, e os rios Ohio, Illinois, Arkansas e o Atchafalaya. A bacia hidrográfica do rio Mississipi drena uma área total de 3,2 milhões de km², onde se incluem 31 Estados americanos e 2 províncias canadenses.
Avançando cerca de 80 km a cada ano, as populações de carpas asiáticas foram ocupando toda a calha do rio Mississipi e invadindo afluentes de todos os tamanhos. Na sua marcha rumo ao Norte, as carpas atingiram também as calhas dos rios Missouri e Ohio, dois dos principais tributários da bacia hidrográfica, que em conjunto com o rio Mississipi formam a Hidrovia Mississipi-Missouri-Ohio, responsável pelo transporte anual de cargas num volume de mais de 425 milhões de toneladas.
Um dos destaques da Hidrovia Mississipi-Missouri-Ohio é o Canal de Illinois e Michigan, concluído pelo Corpo de Engenheiros do Exército Americano em 1848. Esse Canal permitiu a interligação entre a bacia hidrográfica do rio Mississipi e os Grandes Lagos, ampliando imensamente as possibilidades de navegação hidroviária no país em meados do século XIX. Esse canal permite a navegação de barcaças de cargas vindas de toda a região dos Grandes Lagos e do rio São Lourenço na direção de New Orleans e do Golfo do México ao Sul, através do rio Mississipi.
Importante interligação entre as duas bacias hidrográficas, o Canal de Illinois e Michigan passou a se apresentar como um caminho natural para o avanço das carpas asiáticas rumo ao extremo Norte dos Estados Unidos, além de abrir as portas do Canadá para a espécie invasora. Os Grandes Lagos representam a maior concentração de água doce do mundo e a chegada das carpas asiáticas, a exemplo do que aconteceu no rio Mississipi, poderia resultar em enormes impactos à biodiversidade local. Somente nos Grandes Lagos, a indústria pesqueira fatura US$ 7 bilhões por ano e gera dezenas de milhares de empregos.
Autoridades da cidade Chicago e do Estado de Illinois, contando com apoio do Governo Federal dos Estados Unidos e com forte pressão do Governo do Canadá, decidiram implantar uma barreira no Canal de Illinois e Michigan, de forma a bloquear o avanço das carpas. O projeto experimental foi construído pelo Exército norte-americano, sendo formado por um conjunto de telas metálicas eletrificadas, que tem como objetivo espantar as carpas. O projeto também utiliza embarcações que descarregam pulsos elétricos de alta voltagem na água, matando as carpas aglomeradas nas proximidades da cerca – esses animais podem ser consumidos por populações humanas. Uma outra alternativa que foi proposta e que, felizmente, acabou rejeitada, seria a liberação de uma veneno químico que só mataria as carpas.
A mais recente iniciativa para tentar controlar as crescentes populações de carpas asiáticas na bacia hidrográfica do rio Mississipi se deu com a inauguração de um grande complexo industrial sino-americano no Estado do Kentucky. A empresa é especializada na produção de bolinhos de peixe, peixe defumado, peixe seco e molho de peixe, produtos voltados para o mercado chinês e que serão produzidos a partir das carpas asiáticas pescadas no rio Mississipi. O projeto também prevê o uso das tripas e resíduos resultantes do processamento dos peixes na produção de adubo.
A solução para essa grande invasão da bacia hidrográfica do rio Mississipi ainda está muito longe de ser alcançada (se é que isso poderá ser conseguido algum dia) e exemplifica claramente o significado da introdução de uma espécie exótica em um novo ambiente. Resumidamente, podemos chamar isso de um “grande desastre”.