OS RATOS E OS COQUEIROS DO ATOL PALMYRA

Nas ultimas postagens falamos bastante dos problemas ambientais provocados pela invasão de ratos em ambientes de ilhas, como foi o caso da Nova Zelândia. Hoje vou apresentar um caso mais contemporâneo, onde um arquipélago no Oceano Pacífico acabou sendo invadido por ratos e palmeiras – falo aqui do atol Palmyra., um interessante estudo de caso. 

O atol Palmyra fica localizado bem no centro do Oceano Pacífico, sendo formado por cerca de 50 ilhotas de areia, rochas e recifes, que eram cobertos por densa vegetação equatorial. Durante a Segunda Guerra Mundial, esse atol abrigou uma importante base aeronaval dos Estados Unidos, abrigando milhares de marinheiros. 

Antes do início do conflito, as ilhas eram praticamente intocadas e repletas de espécies endêmicas. Com o tráfego intenso de navios militares e de cargueiros há época, ratos-pretos que viajavam como clandestinos nos porões de carga desembarcaram no atol e começaram a colonizar as matas. Outra espécie invasora que foi trazida pelos militares norte-americanos foram os coqueiros. 

Os ratos são animais inteligentes e se adaptaram rapidamente ao novo ambiente. Os invasores passaram a se alimentar de pequenos caranguejos nativos, ovos e filhotes de pássaros, brotos de árvores, entre outros alimentos, conseguindo prosperar rapidamente. Os coqueiros, que passaram a se reproduzir após cocos serem descartados nas matas, começaram a se multiplicar e a ocupar espaços sem qualquer controle. 

Ao final do século XX, os ratos-pretos e os coqueiros acabaram transformando completamente as paisagens do atol Palmyra. Nada menos que oito espécies de aves nativas desapareceram e os coqueirais ocuparam cerca de metade dos antigos domínios da antiga mata equatorial. Ilhotas mais próximas também foram alcançadas pelos ratos, que chegaram nadando, e por cocos arrastados pelas correntezas, que brotaram e deram início a formação de grandes coqueirais.  

Para a maioria dos leitores, a multiplicação desenfreada dos coqueiros pode não parecer um grande problema, mas, para as aves nativas, essa mudança é fatal: essas espécies não conseguiam fazer seus ninhos nos galhos dos coqueiros e assim não podiam se reproduzir. Somando esse impacto a predação dos ninhos pelos ratos, a consequência foi uma grande redução das populações de aves. Diversas espécies de caranguejos também tiveram suas populações fortemente reduzidas. 

Aqui entra em cena um outro detalhe muito importante: em um ambiente com recursos naturais limitados como uma ilha, as fezes das aves, também chamado de guano, têm a importante função de fornecer nutrientes para as plantas. Ou seja: com a redução da população de aves passou a existir uma menor disponibilidade desse fertilizante natural, o que levou a vegetação a rarear. 

A diminuição dos recursos florestais teve reflexos no fornecimento de nutrientes para as lagunas que circundam o atol. Resíduos florestais, formados por folhas e frutos caídos no solo, são carreados pelas chuvas para os cursos d`’água e seguem na direção do oceano, contribuindo para a cadeia de nutrientes que alimentam o plâncton, seres microscópicos animais e vegetais que formam a base da cadeia alimentar dos oceanos. 

Ambientes insulares representam apenas 5% da área terrestre de nosso planeta, porém, abrigam cerca de 19% das espécies de aves e 17% das espécies de plantas. Isso nos dá uma pequena ideia da contribuição de nutrientes que essas espécies fornecem aos oceanos. 

Uma espécie comum nas lagunas dos atóis do Oceano Pacífico são as arraias-manta, uma espécie que se alimenta de plâncton e que sofreu uma forte redução na sua população na região do atol Palmyra. O efeito cascata da redução de nutrientes e dos estoques de plâncton também afetaram inúmeras espécies de peixes, moluscos e vermes que vivem nas águas ao redor do atol. 

Por mais incrível que pareça, a chegada dos ratos-pretos e dos coqueiros ao atol Palmyra acabou tendo reflexos nas formações de corais que abundam nas águas que circundam as ilhas. Corais são estruturas vivas que abrigam dezenas e mais dezenas de espécies marinhas. Com a redução da cadeia de nutrientes, os corais começaram a morrer, impactando diretamente nas populações de espécies marinhas que vivem em seus domínios. 

O caso das ilhas do atol de Palmyra chamou a atenção de grupos conservacionistas e, a partir de 2011, teve início um projeto para a erradicação dos ratos-pretos e dos coqueiros das ilhas. Esse projeto foi implementado em conjunto pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos e pela Island Conservation. De acordo com um censo feito pelos especialistas, viviam cerca de 10 mil ratos em Palmyra, uma densidade 10 vezes maior que em outras áreas tropicais. 

Após vários meses de observação, os especialistas conseguiram determinar o período em que todas as aves abandonam as ilhas e seguem em suas rotas de migração. Equipes de campo realizaram a captura da maior quantidade possível de aves remanescentes. Uma vez concluídos esses trabalhos, teve início uma fase de lançamento de iscas com veneno para os ratos-pretos através de helicópteros. Parte dessas iscas caiu sobre a copa dos coqueiros, um local acessível para os ratos, mas não para os caranguejos. 

Graças a essa estratégia, o atol Palmyra passou a ser considerado livre dos ratos. Apesar de todos os cuidados dispensados pelos especialistas, muitas aves nativas e espécies marinhas acabaram morrendo por contaminação pelas iscas dos ratos. Equipes também passaram a cortar os coqueiros, iniciando um processo de erradicação da espécie. 

Após a erradicação dos ratos da ilha principal do arquipélago, os pesquisadores passaram a observar um aumento substancial na quantidade de mudas de Pisonia grandis, uma árvore da flora local muito procurada pelas aves para nidificação. Cerca de um ano depois, essas mudas de árvore já estavam à altura dos joelhos e, após dois anos, já tinham uma altura de vários metros, indicando claramente a recuperação da floresta nativa. 

Os pesquisadores também observaram o reaparecimento de duas espécies de caranguejos terrestres. É provável que esses caranguejos já vivessem no atol, porém com populações muito pequenas devido a predação feita pelos ratos. 

Após a erradicação dos ratos e a recuperação de parte da cobertura vegetal nativa, os pesquisadores passaram a se ocupar do repovoamento da ilha com as espécies nativas da fauna local. Uma interessante estratégia adotada foi o uso de alto falantes espalhados pela ilha, que reproduziam o canto das espécies desaparecidas. Aves que passavam ao largo da ilha em suas rotas de migração eram atraídas por esses cantos e passaram a pousar na ilha. Pouco a pouco, as aves voltaram a nidificar na ilha. 

Com o aumento da população de aves e a recuperação da mata nativa, é apenas uma questão de tempo para a restabelecimento dos fluxos de nutrientes para as águas da laguna e a recomposição de toda a fauna aquática. 

O sucesso na erradicação dos ratos-pretos e no controle dos coqueiros no atol principal do arquipélago de Palmyra motivou os pesquisadores a se voltar para outras 12 ilhotas ao redor que também foram invadidas por essas espécies exóticas. E muito melhor – a experiência desse projeto poderá ser replicada em outras ilhas invadidas por espécies exóticas e que amargam as trágicas consequências dessa invasão. 

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