SEAWAY: A HIDROVIA DO RIO SÃO LOURENÇO E DOS GRANDES LAGOS

Navegação no Rio São Lourenço

Ainda não há total consenso entre os historiadores reconhecendo que foi o português João Vaz Corte Real o primeiro europeu “moderno” a chegar ao Novo Mundo em 1472. Segundo algumas fontes, Corte Real e seus navios aportaram inicialmente na Terra Nova, leste do atual território do Canadá. Em expedições posteriores teriam descoberto o Rio Hudson, em cuja foz encontra-se hoje a cidade de Nova Iorque; também levaria o crédito pela descoberta do Rio São Lourenço, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá. Você pode até achar improvável que navegantes portugueses tenham chegado às Américas antes de Cristovão Colombo – entretanto, existem inúmeras evidências de viagens anteriores às Américas, principalmente de navegadores vikings

Há evidências da presença de vikings no território atual do Canadá por volta do ano 1000. De acordo com antigas sagas islandesas, Leif Erikson, filho do lendário guerreiro Erik o Vermelho, saiu da Groenlândia com uma pequena frota de barcos, os lendários knerri vikings, em direção ao Leste, descobrindo primeiro a Ilha de Labrador e depois a Terra Nova, ambos no Canadá. No local hoje conhecido como L’anse-auxMedows, Leif Erikson teria fundado uma colônia batizada de Vinland, que chegou a ter duzentos habitantes e sobreviveu até o ano de 1012. Arqueólogos canadenses encontraram as ruínas da lendária Vinland em 1962. 

Polêmicas à parte, o rio São Lourenço foi fundamental para a colonização dos Estados Unidos e do Canadá e é hoje uma das principais vias de navegação da América do Norte. A descoberta e a exploração dos Grandes Lagos, por exemplo, se deu por volta de 1680, quando um grupo de franceses realizava explorações pelo rio São Lourenço. Cidades importantes como Montreal, Quebec e Toronto, no Canadá, e Cleveland, Detroit, Milwaukee e Chicago, nos Estados Unidos, surgiram em função da ligação ao Oceano Atlântico através da navegação pelo rio São Lourenço, que por sua vez está ligado aos Grandes Lagos. 

A Seaway (ou “caminho do mar”), nome pelo qual é mais conhecida a Hidrovia dos Grandes Lagos e Rio São Lourenço, é um grande sistema de transportes multimodal. A maior distância navegável na hidrovia é de 3.700 quilômetros, ligando a cidade de Duluth, no Estado Americano de Minessota, ao Oceano Atlântico. Ao longo deste percurso, uma embarcação terá acesso a 15 portos principais, 50 portos regionais, além de possibilidade de conexão com cerca de 30 linhas ferroviárias e mais de 40 rodovias. Atualmente, o volume de cargas transportados na Seaway é da ordem de 180 milhões de toneladas por ano

Inicialmente, a navegação através do rio São Lourenço permitia que uma embarcação vinda do Oceano Atlântico alcançasse a cidade de Toronto, no Canadá e outras cidades próximas. Em 1825, foi construído o Canal de Erie, que passou a permitir que embarcações vindas dos Grandes Lagos, uma superfície com mais de 245 mil km² de águas navegáveis, pudessem atingir o Oceano Atlântico através do Rio São Lourenço. A partir de 1895, várias obras para a melhoria da navegação foram planejadas e executadas, principalmente a construção de 19 sistemas de eclusas. Essas obras foram finalizadas em 1959

As principais mercadorias transportadas pela Hidrovia dos Grandes Lagos e Rio São Lourenço são minério de ferro, carvão, calcário e grãos, além de todo o tipo de produtos siderúrgicos, maquinarias pesadas e veículos produzidos em toda a região Nordeste dos Estados Unidos, onde se localizam os Estados de Illinois, Michigan, Ohio, Indiana, Wisconsin, Minnesota, Nova York e Pensilvânia; e no Sudoeste do Canadá, especialmente nas regiões de Ontário e de Quebec.  

Uma indústria que nasceu e cresceu até atingir seu apogeu nessa região foi a indústria automobilística dos Estados Unidos, que teve o seu coração na cidade de Detroit, conhecida por várias décadas como a “capital mundial do automóvel”. No seu auge, entre as décadas de 1950 e 1960, a região chegou a produzir 16 milhões de veículos por ano. Grande parte destes carros, utilitários e caminhões foram transportados por navios cargueiros para todo o mundo, navegando inicialmente pelas águas da Hidrovia dos Grandes Lagos e Rio São Lourenço. 

Ao longo do tempo, as embarcações que utilizam a hidrovia passaram por diversas adaptações e hoje podem ser divididas em três grupos principais. Os chamados “lakers” são embarcações utilizadas para o transporte de cargas entre os grandes portos dos Grandes Lagos. Como as águas nos Grandes Lagos são profundas (no Lago Superior, as águas superam os 400 metros de profundidade), são utilizadas embarcações de grande porte. Algumas embarcações possuem um comprimento total superior a 300 metros (1000 pés) e podem transportar, por exemplo, um volume de minério de ferro suficiente para uma grande siderúrgica operar por mais de quatro dias. 

Nos canais, nas eclusas e no rio São Lourenço, onde há um limite para o tamanho das embarcações, são utilizadas principalmente barcaças de carga, que são agrupadas em grandes comboios e impulsionadas por navios rebocadores. O terceiro grupo são os navios cargueiros oceânicos, usados para o transporte intercontinental de cargas. O calado, ou a profundidade máxima entre a quilha da embarcação e a linha d’água, é limitado em 8 metros (aproximadamente 26 pés). A dimensão máxima das embarcações é limitada ao comprimento de 225 metros (740 pés), largura de boca de 23 metros (78 pés) e altura máxima acima do nível da água de 35,5 metros (116 pés). 

Um detalhe importante sobre a Hidrovia dos Grandes Lagos e Rio São Lourenço é que, desde 1848, ela está interligada a outra importante hidrovia americana – o rio Mississipi. A interligação se tornou possível a partir da construção do Canal de Illinois e Michigan, em Chicago. Uma barcaça de carga, saindo de qualquer porto nos Grandes Lagos ou vinda do rio São Lourenço, pode navegar ao longo do rio Mississipi rumo ao Sul até atingir a cidade de Nova Orleans e o Mar do Caribe e Oceano Atlântico. Essa visão de futuro, que os norte-americanos tiveram ainda em meados do século XIX, explica grande parte do sucesso econômico dos Estados Unidos, que hoje ocupa a primeira posição entre as nações mais ricas e desenvolvidas do mundo. 

Como já comentei em postagem anterior, o Brasil ainda é uma espécie de “amador” quando se trata de navegação hidroviária. Apesar do país ter sido abençoado pela natureza com gigantescas bacias hidrográficas e com alguns dos maiores rios do mundo, a maior parte das cargas do país são transportados por via rodoviária, um sistema caro, poluente e altamente ineficiente. A inexistência de um sistema de transportes intermodal, centralizado em sistemas hidroviários e complementado por ferrovias e rodovias, faz muita falta ao país. Se governos do passado tivessem feito escolhas melhores na área de transportes, seguramente estaríamos num nível de desenvolvimento econômico bem superior ao atual. 

Que se façam melhores escolhas daqui para a frente.

10 Comments

  1. Lamentavel , meu pai sonhava com uma hidrovia no Rio Doce, se ressuscitasse e visse o Doce de hoje morreria de novo de desgosto

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