
Um tipo de estabelecimento comercial bastante comum em São Paulo e nas cidades vizinhas da Região Metropolitana são as Casas do Norte. Essas são lojas especializadas na venda de “produtos do Norte e do Nordeste” e que atendem à grande colônia de nordestinos e nortistas que migraram para a “cidade grande”.
Quando eu era garoto e morava bem próximo ao centro comercial do meu bairro, passava diariamente em frente a várias dessas lojas a caminho da escola. Entre os produtos de maior destaque se viam as “mantas” de carne seca (que muita gente chama de jabá em São Paulo), as carnes de sol, os jerimuns ou abóboras, rapaduras, chapéus de couro, entre muitos outros produtos. Algo que chamava a minha atenção sempre eram as pilhas de “coco da Bahia”, assim identificados por placas ou pela propaganda verbal dos vendedores.
Com o passar dos anos, fui aprendendo que os cocos não vinham só da Bahia, mas de vários Estados, principalmente da Região Nordeste. Em anos bem mais recentes, fazendo pesquisas sobre os desmatamentos da Mata Atlântica no litoral nordestino para o plantio da cana-de-açúcar no período colonial, descobri que os cocos “baianos” da minha infância tinham sua origem no Sudeste Asiático. Ou seja, é o fruto de mais uma árvore exótica introduzida no Brasil.
Aos tempos da chegada dos primeiros exploradores europeus ao nosso litoral, a Mata Atlântica era uma floresta contínua que ocupava toda a faixa litorânea de nossa costa desde o Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. Em alguns trechos, a floresta entrava pelo interior do território e chegava a regiões do Norte da Argentina e Oeste do Paraguai. De acordo com as estimativas, a Mata Atlântica ocupava originalmente uma área com cerca de 1,3 milhão de km², o que corresponde a aproximadamente 15% do território brasileiro.
Ao longo de nossa história, a maior parte dessa grandiosa floresta foi devastada para liberar as terras para a produção de cana-de-açúcar, café, grãos de todos os tipos, para formação de pastagens, para implantação e expansão de cidades, para a construção de rodovias, ferrovias, represas, entre outras obras de infraestrutura. Calcula-se que algo na casa dos 15% da cobertura vegetal original é o que restou da Mata Atlântica em nossos dias.
O primeiro trecho da floresta a desaparecer foi o que existia entre o Sul do Estado da Bahia e o Rio Grande do Norte. Esse trecho era originalmente formado por uma faixa de floresta com uma largura que variava entre 60 e 80 km entre o mar e os sertões. Se qualquer um dos leitores tiver a curiosidade de saber como eram as paisagens do litoral nordestino antes da chegada dos canaviais, procure na internet fotos do litoral Sul do Estado do Rio de Janeiro e do litoral Norte de São Paulo – vocês verão que a Mata Atlântica avança até a linha da areia das praias.
Foi nesse cenário de “terra arrasada” pelos canaviais que passaram a surgir os primeiros coqueirais. no Nordeste Naus portuguesas que vinham do Oriente, principalmente das feitorias de Goa, Diu e Damão, na Índia, e de Macau, no Sul da China, passavam ao largo da costa do Brasil carregadas com as valiosas “especiarias do Oriente”. Um produto frequente nas cargas eram os cocos, um fruto que caiu no gosto dos Lusitanos.
Durante a longa viagem, que durava vários meses, muitos cocos acabavam brotando, algo que torna o fruto inservível para o consumo, e os marinheiros os lançavam no mar durante a navegação ou os descartavam nas praias durante uma eventual parada num porto. Como os cocos são pouco densos, eles flutuavam facilmente e eram arrastados a longas distâncias até encalhar alguma praia do Brasil, da África ou de alguma ilha no Mar do Caribe. Os cocos descartados nas praias tinham uma “vida” mais fácil e enraizavam nos areais.
Um coqueiro adulto pode chegar a uma altura de 30 metros e consegue produzir mais de 70 frutos a cada ano. Os frutos maduros caem naturalmente dos pés ou são arrancados pelo vento e chuva, atingindo o solo com muita energia, o que faz com que os cocos rolem a grandes distâncias dos coqueiros. Graças a essa “estratégia” de dispersão dos frutos, um único coqueiro pode originar um grande coqueiral em poucos anos. E foi assim que grande parte do litoral do Nordeste acabou sendo colonizado por essa espécie de árvore.
Em uma antiga postagem aqui do blog, onde falava justamente da destruição da Mata Atlântica no litoral nordestino, usei a foto de uma praia de uma das ilhas da Polinésia Francesa para ilustrar a publicação. Caso não tivesse sido colocada essa informação no texto, qualquer um dos leitores imaginaria se tratar de algum trecho do litoral de Alagoas ou de Pernambuco, tamanha foram as mudanças em nossas paisagens.
Os maiores produtores de coco do mundo são países do Sudeste e Sul da Ásia, com destaque para a Indonésia, Filipinas, Índia e Sri Lanka. O Brasil aparece numa discreta quinta posição entre os grandes produtores mundiais. Os Estados da Bahia, Sergipe, Ceará e Pernambuco são os grandes produtores nacionais de coco.
Uma informação curiosa e que demonstra a sina invasora da espécie – o maior coqueiral do mundo não fica em nenhum dos países asiáticos citados ou nos Estados produtores da Região Nordeste, mas sim no meio da Floresta Amazônica. Uma grande empresa brasileira especializada em produtos à base de coco começou a formar um grande coqueiral na região de Mojú, no Estado do Pará, há cerca de 40 anos atrás. Segundo dados da empresa, são quase 800 mil coqueiros em uma área de 20 mil hectares.
Apesar de ser uma árvore exótica, é difícil desvincular a imagem dos imensos coqueirais das praias do Nordeste brasileiro ou dispensar aquela água de coco gelada no combate ao forte calor da região. As folhas dos coqueiros cobrem muitas das casas dos pescadores e sua palha é usada pelas hábeis mãos das artesãs na confecção de chapéus, esteiras, sacolas e bolsas. As jangadas tradicionais dos pescadores eram construídas com troncos da árvore.
Na culinária regional, o coco e o leite de coco são indispensáveis – não dá para imaginar uma moqueca de peixe sem o leite e os doces sem o coco ralado. A integração da árvore e do fruto na vida e no dia a dia dos brasileiros, principalmente dos nordestinos, foi total.
O lado triste da saga do coco e dos coqueirais no Brasil é que dezenas de espécies de árvores nativas desapareceram das regiões que foram colonizadas pela espécie. Eram árvores como o pau-brasil, as canelas, os jerivás, os ingás, pau-de-ferro, capixingui, saguaragi, cedros, cereja-do-mato, pau-d’alho, laranja-de-macaco, açoita-cavalo, entre muitas outras. E o desparecimento dessas árvores levou junto uma infinidade de aves, mamíferos, répteis, insetos, entre muitas outras espécies da fauna.
Esse é o lado mais dramático da introdução de espécies exóticas, que por mais úteis e importantes que venham a ser, sempre causarão impactos nas espécies da flora e da fauna locais. Os culpados não foram os coqueiros, mas os homens que destruíram as matas nativas antes da sua chegada ao país.
[…] mostramos os casos dos castores, salmões e trutas na Argentina e no Chile; os javalis, pardais, coqueiros e os eucaliptos no Brasil; os ratos em ilhas do Oceano Pacífico; a mandioca em países da África […]
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