LAGOSTIM-VERMELHO-DA-LUISIANA: UM PREDADOR VORAZ QUE AMEACA RIOS DE PORTUGAL E DA ESPANHA

Encerrando uma série de postagens onde falamos dos inúmeros problemas ambientais que estão sendo desencadeados por causa da introdução de espécies exóticas em várias partes do mundo, vamos falar de um grave problema na Península Ibérica: a invasão de rios e lagos locais pelo lagostim-vermelho-da-Luisiana (Procambarus clarkii). 

Diferente de outros casos, onde existem apenas evidencias de onde e quando uma espécie invasora foi introduzida num ecossistema, no caso do lagostim-vermelho-da-Luisiana existe tanto a data quanto o nome dos responsáveis. Empresários da região de Badajoz, na Espanha, importaram espécimes vivos para a criação em cativeiro em 1973. Como sempre acontece nesses casos, esses empresários tinham as melhores intenções e buscavam abastecer os mercados locais com lagostins criados em cativeiro. 

Os primeiros avistamentos de lagostins-vermelhos em rios da região foram relatados em 1979. Os espécimes fugiram dos tanques de criação e passaram a viver em pequenos afluentes da bacia hidrográfica do rio Caia, afluente do rio Guadiana. Essa espécie de lagostim possui uma enorme capacidade em se adaptar a novos ambientes e rapidamente os animais passaram a ocupar rios da Espanha e de Portugal. 

Como é normal nos casos de invasão de um bioma, as espécies locais que ocupam o mesmo nicho ecológico foram as primeiras vítimas da espécie exótica. No caso Ibérico a maior vítima foi o lagostim da espécie Austropotamobius pallipes lusitanicus, que acabou sumindo da maior parte dos rios da região. Regiões com altitudes maiores e com cursos com águas mais frias, onde se incluem Castilla y León, País Basco e La Rioja, ainda estão livres dos lagostins-vermelhos. 

Entre as espécies de peixes mais ameaçadas está o ruivaço-do-oeste, uma espécie endêmica das bacias hidrográficas dos rios Alcabrichel e Sizandro, ambos em Portugal. Os lagostins-vermelhos se alimentam das ovas e dos filhotes do peixe, o que está ameaçando a sobrevivência da espécie. Os lagostins também se alimentam da vegetação que nasce no fundo dos rios e nas margens, o que ameaça diretamente os estoques de alimentos do ruivaço-do-oeste. 

O lagostim-vermelho-da-Luisiana é nativo das regiões Central e Sul dos Estados Unidos e do Nordeste do México. Esses lagostins são chamados popularmente de lagostim-vermelho e lagostim-americano. Entre os principais habitats da espécie destacam-se as bacias hidrográficas dos rios Mississipi e Missouri. 

A cor da carapaça do crustáceo (vide foto), que normalmente tem uma cor vermelha predominante, muda de acordo com o estágio do desenvolvimento dos espécimes e também pode variar de acordo com a disponibilidade de alimentos da região. De rápido crescimento, esse lagostim pode superar um peso de 50 gramas e 15 cm de comprimento. Na natureza, a expectativa de vida da espécie é de 5 anos em média. 

Os lagostins costumam habitar ambientes lênticos, ou seja, cursos de águas com correntezas lentas, lagos, represas, áreas pantanosas e plantações como as de arroz. Esses animais são hábeis escavadores de túneis, que utilizam como abrigo durante o dia – a espécie tem hábitos noturnos. 

Em virtude do ótimo sabor de sua carne e da sua grande capacidade de procriação, esse lagostim se transformou em uma espécie de grande valor comercial e de forte apelo para a criação em cativeiro. Fugas de animais de fazendas de criação já ocorreram em todo o mundo, transformando esse lagostim em uma das espécies de crustáceos mais invasoras do mundo. A exceção da Antártida, o lagostim-vermelho é encontrado em todos os continentes do mundo. 

Autoridades de Portugal e da Espanha tem feito enormes esforços para erradicar e/ou controlar as populações de lagostins-vermelhos em rios da região. Uma das alternativas em uso é a chamada pesca elétrica – armadilhas metálicas com iscas são lançadas nos corpos d`água e são ligadas através de cabos elétricos a conjuntos de baterias ou a um gerador elétrico. Após uma descarga elétrica, os animais que entraram nas armadilhas ficam inconscientes e são capturados. 

Os lagostins-vermelhos são colocados em baldes ou em tanques de água, onde tem seus pesos e medidas catalogados. Depois, os lagostins capturados são enviados para centros de pesquisa e reabilitação de aves onde são usados como alimentos para esses animais. Esses animais também podem ser consumidos por pessoas. 

Apesar da grande eficiência da pesca elétrica e dos baixíssimos riscos para as demais espécies aquáticas, a grande dispersão dos lagostins-vermelhos por rios de toda a Península Ibérica torna o seu combate muito difícil. Felizmente, a presença de rios com águas frias em países do Norte da Europa impede o avanço desses lagostins sobre essas regiões. Porém, o Sul da Franca e regiões ao longo das costas do Mar Mediterrâneo não estão livres do avanço dessa espécie exótica. 

Em seus habitats na América do Norte, o lagostim-vermelho possui inúmeros predadores naturais como peixes, jacarés e mamíferos como os guaxinins, espécies que limitam o crescimento das populações. Na Europa, onde não existem predadores equivalentes, a espécie segue com suas populações crescendo descontroladamente e ameaçando cada vez mais espécies da fauna local. 

Como é improvável que Governantes desses países europeus passem a importar jacarés e crocodilos do rio Mississipi ou guaxinins das florestas do Sul norte-americano, e que passem a soltar esses animais em matas marginais e em rios com grandes populações de lagostins-vermelhos, será muito difícil de se encontrar um meio para controlar o avanço dos invasores. 

Conforte comentamos em várias das postagens anteriores, é muito fácil introduzir uma espécie exótica em um novo meio ambiente, se valendo principalmente do argumento da criação em cativeiro com fins comerciais. Essas fazendas de criação sempre estarão sujeitas a falhas no manejo por parte dos seus trabalhadores ou ainda a acidentes naturais provocados por vendavais, enchentes e terremotos. Os animais, que tem um forte instinto de sobrevivência, vão sair em busca de locais melhores e mais seguros. 

Essas situações sempre me trazem a mente a lenda de Pandora que, de acordo com a mitologia grega, foi a primeira mulher de todo o mundo, algo equivalente a Eva da tradição judaico-cristã. Antes de enviar Pandora a Terra, o todo poderoso Zeus lhe entregou uma caixa onde estavam presas todas as desgraças e tragédias da humanidade. Pandora foi instruída a nunca abrir essa caixa. Tomada pela curiosidade, Pandora abriu a caixa e soltou todos os males do mundo. 

Algo semelhante sempre acontece com espécies exóticas que são soltas em novos biomas – elas saem de suas respectivas “caixas” para nunca mais voltar.  

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