
De acordo com os dicionários da Língua Portuguesa, pardo é uma cor escura entre o preto e o branco, ou ainda algo branco que está sujo ou escurecido. Como é muito comum encontrarmos cursos de águas barrentas (pelo menos em parte do ano) e de cor parda, surgiram inúmeros rios Pardos por todo o Brasil, algo que muitas vezes pode levar a grandes confusões.
Um desses rios nasce em Minas Gerais e corta todo o Sul da Bahia, desaguando a apenas 18 km ao Norte da foz do famoso rio Jequitinhonha. As nascentes do rio Pardo, que ao longo do período colonial era conhecido como rio Santo Antônio, ficam dentro dos domínios do Semiárido do Norte de Minas Gerais, mais especificamente no município de Rio Pardo de Minas. O rio corre diretamente no sentido Leste, percorrendo cerca de 565 km até encontrar o Oceano Atlântico ao lado da cidade baiana de Canavieiras.
A maior parte da bacia hidrográfica do rio Pardo, que tem 32 mil km², é formada pela Floresta Ombrófila Densa, um dos muitos subsistemas florestais da Mata Atlântica. A bacia hidrográfica abrange um total de 37 municípios, 13 dentro do Estado de Minas Gerais e 24 na Bahia. O rio Pardo tem uma extensão de 220 km em terras mineiras e 345 km em terras baianas.
Os principais afluentes do rio Pardo são o Ribeirão do Salitre, o Riacho das 5 Veredas e os rios São João do Paraíso, Verruga e Catolé Grande, na margem esquerda, e os rios Mosquito, Manjerona, Macarani e Maiquinique, na margem direita. Entre esses afluentes, o de maior destaque é o rio Mosquito, que nasce na região mineira de Salinas e atravessa 11 municípios, sendo responsável pelo abastecimento de aproximadamente 110 mil habitantes.
Como muitos outros rios da faixa Leste do Brasil, o rio Pardo foi um dos caminhos usados pelos primeiros exploradores para se atingir os sertões das Geraes. A primeira expedição documentada se deu entre os anos de 1553 e 1554 e foi comandada por Francisco Spinosa, um castelhano a serviço da Cora de Portugal. Partindo de Porto Seguro, a expedição explorou rios das bacias hidrográficas do Pardo, do Jequitinhonha e do São Francisco.
Conforme já comentamos em outras postagens, essa região era habitada por diversas tribos indígenas como os tapuias, os mongoiós e os pataxos, além dos temidos botocudos. Foram inúmeros confrontos e embates entre os indígenas e os expedicionários. Outras expedições ao longo das décadas seguintes, inclusive com a participação de bandeirantes paulistas, fizeram praticamente as mesmas rotas em busca de ouro e pedras preciosas nas Geraes.
A ocupação das áreas de mineração na região das nascentes no rio Pardo começou nos últimos anos do século XVII, quando surgiram os primeiros povoados e vilas de garimpeiros. O rio Pardo foi então transformado numa importahte rota de ligação entre os sertões das Geraes e o litoral, através da qual circulavam pessoas e mercadorias. Como aconteceu em outras regiões do Nordeste, as trilhas abertas nas matas do Sul da Bahia também foram usadas para a penetração de boiadas e criação de fazendas para a criação de gado, atividade econômica que é uma das mais importantes da região até os dias de hoje.
A ocupação desordenada dos solos e os intensos desmatamentos, assim como aconteceu em outras bacias hidrográficas da região, foram marcantes ao longo da história da colonização do rio Pardo. Mais de 2/3 das matas da região desapareceram, sendo substituídas por pastagens e campos agrícolas, que ocupam, respectivamente, 32% e 28% do território da bacia hidrográfica.
Como era de se esperar, essa ocupação desordenada alterou profundamente os ciclos de cheias e de secas no rio Pardo. Nos períodos de chuva, o nível do rio sobe rapidamente, provocando transbordamentos e transtornos para as populações que moram próximas de suas margens. Sem a densa cobertura vegetal das antigas matas, que permitiam a infiltração de grandes volumes de águas nos solos, a maior parte das águas das chuvas corre pela superfície, carregando grandes volumes de sedimentos para as calhas dos rios e fazendo os seus caudais aumentaram rapidamente.
No período da seca, os caudais diminuem drasticamente (vide foto), criando toda uma série de problemas para o abastecimento das populações das cidades e vilas, para a dessedentação dos animais e para a irrigação de plantações, essa que é a principal consumidora de água da bacia hidrográfica. Se repete aqui um velho problema que sempre relembramos: sem a infiltração de parte substancial das águas das chuvas nos solos por falta de matas, os aquíferos e os lençóis subterrâneos não são recarregados. E sem essa recarga, os volumes de água que brotam nas nascentes definham na temporada da seca.
Além dos problemas “triviais” criados pela agricultura e pela pecuária, o rio Pardo sofre cada vez mais com a poluição gerada pelas cidades. Os problemas aqui também são conhecidos por todos – assoreamento da calha dos rios, carreamento de resíduos de fertilizantes e de defensivos agrícolas, geração e despejo de grandes volumes de esgotos domésticos sem tratamento pelas cidades e também o lançamento, direto ou indireto, de resíduos sólidos de todos os tipos.
Nessa conta entram os resíduos sólidos despejados precariamente pelas Prefeituras nos lixões, onde parte acaba sendo carreada pelas chuvas para as calhas dos rios. Também precisamos citar os despejos feitos pelas populações em ruas e terrenos baldios das cidades, e também os descartes irregulares de entulhos da construção civil.
Também não são nada desprezíveis os efluentes e resíduos gerados por inúmeros abatedouros de animais espalhados por toda a região, grande parte deles clandestinos. Esses estabelecimentos abastecem inúmeras cidades da região com carnes e derivados, sem um controle rígido das autoridades sanitárias e ambientais. A maioria desses estabelecimentos simplesmente descarta os seus “restos” nas águas dos rios da bacia hidrográfica.
Um agravante preocupante: a bacia hidrográfica do rio Pardo não possui um Comitê Gestor. Os Comitês Gestores de Bacia Hidrográfica são fóruns locais que reúnem grupos de pessoas – autoridades municipais, associações da sociedade civil, conselhos profissionais, populações, entre outros atores dos municípios banhados pelos rios que formam a bacia hidrográfica, além de autoridades dos órgãos ambientais estaduais e federal (o Pardo é um rio federal). Curiosamente, o rio Mosquito, seu principal afluente, tem um atuante Comitê de Bacia Hidrográfica.
Esses comitês discutem os interesses comuns ligados ao melhor uso das águas. Sem esse fórum local, a gestão da bacia hidrográfica fica limitada às esferas do Estado e da União, em escritórios e repartições públicas distantes das águas. Essa falta de participação direta das populações locais abre espaço para todos os tipos de abusos, onde poucos fazem o que bem querem e muitos sofrem com a carência e a baixa qualidade das águas.
Um sintoma da falta de uma gestão adequada da bacia hidrográficado rio Pardo é o crescimento contínuo do consumo de água pela agropecuária e pelos sistemas de irrigação agrícola, observados desde 1984. Sem uma partilha adequada, muitos consumidores podem estar captando (e desperdiçando) muita água da bacia hidrográfica, enquanto outros usuários estão sofrendo com a falta desse importante insumo.
Em tempo: a população que vive na bacia hidrográfica do rio Pardo é de aproximadamente 260 mil habitantes. É gente demais dependendo das águas dos rios e sem contar com uma gestão a altura dos recursos hídricos da região. Lamentável!
[…] O RIO PARDO DO SUL DA BAHIA […]
CurtirCurtir